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2 Revisão Bibliográfica: Definições, Desenvolvimento e Avaliação de Ambientes de U-Learning

2.4 Aspectos Motivacionais

Primeiramente, sabe-se que motivação é um fator essencial no processo de aprendizagem. Entretanto, há muitos aspectos envolvidos nesse conceito. Conforme Huertas (2001), motivação é um processo psicológico que depende das características de personalidade e dos fatores ambientais percebidos pelo indivíduo. Bomia et al., (1997) destacam também que a motivação está relacionada às metas e aos objetivos, e é com base nessas informações que os indivíduos decidem se realizam ou não alguma coisa.

No contexto psicológico, a motivação pode ser classificada em dois tipos (ZHANG; SHEFFIELD, 2011):

a) Motivação intrínseca – refere-se à motivação provocada pela curiosidade, satisfação pessoal, desafio, laços sociais, ou prazer proveniente da própria tarefa realizada; e

b) Motivação extrínseca – geralmente se refere às atividades que só poderiam ser provocadas a partir do exterior do indivíduo, tais como reconhecimento, competição, recompensas ou punições.

Ryan e Deci (2000) propuseram que a motivação extrínseca pode ser internalizada pelo indivíduo, se a tarefa se encaixa com seus valores e crenças e, portanto, ajuda a cumprir as suas necessidades psicológicas básicas. Essa relação entre a motivação e a experiência vivida também tem sido discutida por Csikszentmihalyi (1975) em sua teoria do fluxo (Figura 6), sob o argumento de que há um equilíbrio de habilidade e desafio para alcançar experiências positivas. Em outras palavras, esse estado de “fluxo” pode ser experimentado quando há objetivos claros a serem atingidos e um equilíbrio entre o desafio proposto na atividade e o nível de habilidade da pessoa a realizá-la. Além disso, o fluxo também pode ser experimentado quando há um retorno imediato sobre as ações do indivíduo.

Figura 6 – Teoria do Fluxo (Flow Theory)

Fonte: adaptado de Csikszentmihalyi (1975)

Com uma abordagem mais pragmática, Williams e Wiliams (2011) apresentam diversos aspectos que podem influenciar na motivação dos estudantes divididos em cinco elementos chave. A seguir, serão citados alguns exemplos desses elementos:

a) Estudante – curiosidade, desafios, interação social, reconhecimento de suas conquistas, competitividade, liberdade para ser criativo, liberdade para definir seu plano de estudo, entre outros;

b) Professor – entusiasmo, domínio dos conteúdos, habilidades de ensino, qualificação, aplicação de testes de conhecimento, saber ouvir os estudantes, promover práticas divertidas, compartilhar experiências profissionais, apoiar os estudantes fora dos muros da instituição, entre outros;

c) Conteúdos – aplicação na vida cotidiana, liberdade do estudante para gerenciar suas práticas de estudo, liberdade para aprender sobre assuntos de interesse particular, incentivar o pensamento crítico, relevantes socialmente, variedade de conteúdos, uso de tecnologias da informação e redes sociais, entre outros;

d) Método – estratégias de incentivo ao estudante, incentivar a autonomia do seu processo de aprendizagem, percepção dos diferentes estilos de aprendizagem, explicitar objetivos comuns, estratégias que respeitem o tempo de cada estudante, discussões dirigidas, incentivar a colaboração e interações sociais, adoção de desafios de múltipla escolha colaborativos, entre outros; e

e) Ambiente – existência de grupos de trabalho, possibilidade de ensino on-line, estrutura bem definida, conforto, segurança, personalização, preocupação com aspectos emocionais, entre outros.

Além desses exemplos, que destacam explicitamente a adoção de TIC e características relacionadas aos ambientes de u-learning como fatores que impactam a motivação dos aprendizes, podem ser citados também alguns experimentos realizados em diferentes áreas. Huang et al. (2012) sugerem o uso de conteúdos multimídia, veiculados por meio de um sistema ubíquo como estratégia para motivar o ensino de idiomas. Uther e Ipser (2012) verificaram que os estudantes se demonstraram mais motivados diante da possibilidade de personalização dos dispositivos móveis utilizados nas atividades, o que demonstra a afinidade dos estudantes com esses dispositivos, além do desejo de autoafirmação ao personalizarem e exporem seus dispositivos personalizados aos demais. Em outro experimento realizado por Vogel et al. (2007), os autores relatam a avaliação de um portfólio de aplicações móveis colaborativas para responder se “a motivação no uso de aplicações de mobile learning influenciam positivamente o desempenho do aluno?” Os experimentos foram realizados com 416 estudantes, e como resultado, os estudantes que escolheram espontaneamente utilizar aplicações móveis em suas práticas de estudo apresentaram desempenho melhor nos testes, em comparação com aqueles que optaram por não utilizar aplicações móveis. Quanto ao caráter lúdico das atividades, Vos, Meijden e Denessen (2011) sugerem a criação de games pelos próprios estudantes; porém, Charsky e Ressler (2011) alertam que a motivação dos estudantes em atividades utilizando games pode ser reduzida pelo excesso de controle, quando se concentra a atenção do aluno sobre os conteúdos, pois, isso reduz a autonomia e a criatividade das atividades.

Na literatura, é identificado que muitas vezes o conceito de motivação aparece relacionado com o engajamento. Para Huertas (2001), a motivação é vista como um processo psicológico e serve como requisito, conforme Skinner e Belmont (1993), para o comportamento observável, que diz respeito ao engajamento. Em outras palavras, a motivação envolve aspectos comportamentais, emocionais e cognitivos, podendo ser influenciada por mudanças introduzidas no contexto do indivíduo. Logo, a motivação está relacionada às razões ou motivos que levam o indivíduo a agir de determinada maneira, enquanto que o engajamento se refere à relação estabelecida entre indivíduo e atividade, que pode ser observável. Ainda nesse sentido, Jablon e Wilkinson (2006) definem o engajamento em termos de interesse e esforço desprendido pelo indivíduo, ou seja, um estudante engajado não

apenas realiza uma tarefa atribuída, mas também a faz com entusiasmo e empenho. Para complementar esta definição, Akey (2006) define engajamento como o nível de participação e interesse que um estudante apresenta. Com isso, os alunos engajados buscam atividades, dentro e fora da sala de aula, que os levem ao sucesso da sua aprendizagem.

A seguir, conforme revisão de literatura realizada por Seixas (2014), o Quadro 3 apresenta alguns exemplos de variáveis que costumam ser analisadas para medir engajamento.

Quadro 3 – Exemplos de indicadores de engajamento encontrados na literatura

Indicadores Descrição

Autonomia Corresponde à capacidade do aluno em estudar em casa de forma autônoma e

tomar decisões sem a intervenção contínua do professor.

Execução É identificada quando o aluno realiza as atividades propostas pelo professor

em sala de aula.

Social É identificada quando o aluno tem um bom relacionamento com os colegas e

o professor.

Entrega O aluno não apenas realiza as atividades, mas essas ocorrem sempre nos

prazos estabelecidos pelo professor.

Participação Durante a realização de discussões em sala de aula ou explanação do

conteúdo, o aluno sempre contribui.

Colaboração O aluno tem o costume de ajudar os demais colegas da sala de aula, mesmo

não sendo um trabalho em equipe.

Cooperação Durante a realização de trabalhos em equipe, o aluno tem iniciativa e

contribui com seu grupo.

Questionamento O aluno não se sente intimidado ou constrangido em questionar o professor

sobre os conteúdos estudados. Organização do

Ambiente O aluno mantém a sala de aula sempre limpa e organizada.

Diversão O aluno realiza as atividades não apenas pela obrigação, mas por considerar

estas divertidas.

Fonte: Seixas (2014)

Vale salientar ainda que aferir motivação e engajamento dos aprendizes não é trivial, principalmente quando se deseja avaliar práticas didáticas com recursos de TIC. Além do seu caráter subjetivo, os resultados podem variar conforme o momento, o ambiente, o professor, o curso, a idade, e a realidade sociocultural dos participantes. Entretanto, alguns modelos como

Student Engagement Instrument (SEI) (APPLETON et al., 2006), Unified Theory of

Acceptance and Usage Technology (UTAUT) (SHIN et al., 2011; VENKATESH et al., 2001) e

Situational Motivation Scale (SIM) (GUAY; VALLERAND; BLANCHARD, 2000) podem ser

adotados como orientações para medir engajamento, entretanto, como ponto negativo, a aplicação desses modelos precisa ser autorizada e analisada pela instituição proprietária. Como alternativa, outros trabalhos e relatos de experiência (FREDRICKS et al., 2011;

ROBINSON e HULLINGER, 2008; GREENE, 2004), podem ser adotados como orientações para medir engajamento. A diferença de cada método normalmente está no foco que é dado às

diferentes variáveis analisadas, além disso, podem variar conforme o ambiente, o perfil dos participantes, a natureza da pesquisa, os recursos e equipamentos disponíveis, entre outros.

2.4.1 Motivação dos Professores quanto ao uso de tecnologia

Entende-se que a preocupação com os aspectos motivacionais não deve ser uma exclusividade apenas para com os aprendizes. Por exemplo, em pesquisa realizada por Chen

et al. (2012), em Cingapura, buscou-se analisar os fatores que influenciam na motivação dos

estudantes de licenciatura sobre o uso das TIC na sala de aula. Os dados obtidos por meio de entrevistas e etnografia mostraram que, dos 16 participantes, metade deles usam apenas slides, apesar de terem à disposição diversos dispositivos e artefatos de software, além de toda uma infraestrutura de apoio. Logo, é preciso atentar para os fatores motivacionais por trás das práticas do professor, que contribuirão para a adoção de novas práticas de ensino. Diante dessa questão, uma pesquisa realizada por Baek, Jung e Kim (2008), na Coréia do Sul, com 202 professores, identificou seis fatores que influenciam os professores para usar a tecnologia na sala de aula. O Quadro 4 apresenta esses fatores em ordem de importância.

Quadro 4 – Seis fatores que influenciam professores a usar tecnologia em sala de aula

Fatores Análises Relatos

1. Atender solicitações e expectativas dos outros

Professores são motivados a usarem a tecnologia em sala de aula por influências externas.

“O Ministério da Educação solicita que todos usem a tecnologia”, “É percebido que os bons professores utilizam bem as tecnologias”, e “Posso me sentir desconfortável se não utilizar esses recursos, pois a maioria dos professores utiliza”.

2. Garantir a atenção dos estudantes

Professores acreditam que

podem obter a atenção dos alunos para a aprendizagem de conteúdos usando a tecnologia.

“Estimulam a motivação e o interesse dos alunos”, “Provoca a curiosidade do aluno”, “É útil para chamar a atenção dos alunos” e “Os alunos mostram empolgação quando uma nova tecnologia é adotada”. 3. Utilizar as funções básicas da tecnologia Professores adotam a

tecnologia porque lhes permite

facilmente manipularem

materiais digitais para cópia, edição e compartilhamento.

“É fácil de compartilhar fotos ou vídeos com outros alunos”, “É fácil de compartilhar informações com outros professores”, “É uma maneira conveniente para reorganizar ou reutilizar materiais”, e “Aumenta a comunicação com os alunos e os pais, através do site da escola e da comunidade na Internet”.

4. Aliviar a fadiga física

Professores acreditam que ao

adotar a tecnologia eles

economizam tempo e esforço.

“Exibir vídeos em sala de aula permite uma pausa no ensino”, e “Embora a construção inicial seja difícil, uma vez preparado, ele torna o ensino fácil”.

5. Preparar e gerenciar aulas

Professores sentem facilidade em preparar e gerir suas aulas usando a tecnologia.

“Informações da Internet podem ser usadas para o ensino”, “Simplifica a busca e preparação do material”, e “É fácil de gerenciar materiais de ensino”.

6. Usar as funções avançadas da tecnologia

Professores entendem que a tecnologia ajuda a simular experiências do mundo real e melhorar lições.

“É possível fazer experimentos que são difíceis na sala de aula comum”, “É possível simular experiências que são difíceis no mundo real” e “Tecnologia proporciona simulações bem programadas”.

A partir desses resultados, os pesquisadores destacam que os fatores motivacionais mais observados foram referentes à pressão externa e às facilidades que as tecnologias permitem ao professor (BAEK, JUNG e KIM, 2008, p.10). Neste sentido, Severin (2012) destaca que projetos bem sucedidos não só disponibilizam os recursos para os professores, mas “incorporam plenamente os professores no projeto”, de modo que novos modelos de apropriação desses recursos possam ser criados. Portanto, “é preciso ajudar o professor a desenvolver novas práticas educativas, não centradas na tecnologia, mas no processo de aprendizado do aluno usando tecnologia” (SEVERIN, 2012).

2.4.2 Gamification

O termo Gamification, ou gamificação em português, é definido por Deterding et al. (2011) como “o uso de elementos de game-design, características dos jogos, em contextos ‘não game’”. Essa prática se originou no setor de mídia digital e se popularizou com a utilização de jogos em outras áreas (SEIXAS, 2014). Conforme McGonigal (2011), o uso dos

games não precisa ser voltado apenas para o entretenimento solitário, e as habilidades

desenvolvidas durante o jogo podem ser usadas para resolver problemas da vida real. Zichermann e Linder (2010) também defendem que as mecânicas de jogos aplicadas a negócios ajudam a engajar as pessoas.

Mais especificamente para o contexto educacional, Kapp (2012) defende que todo educador realiza uma espécie de jogo com seus alunos, propondo desafios e oferecendo soluções. Ele alerta, contudo, que o uso de gamificação na educação não se resume a dar pontos toda vez que um aluno visualiza uma lição on-line ou entrega uma tarefa, mas sim, diversificar com outras estratégias dos games, que desperte a curiosidade, que haja margens para erros, que promova a troca de experiências com outras pessoas e que permita ao aluno liberdade para tomar decisões. Estas estratégias, se bem utilizados, podem influenciar no engajamento dos alunos. Além disso, esta abordagem, aplicada ao contexto educacional, é uma tendência que vem atraindo a atenção de pesquisadores e instituições, conforme pode ser observado no relatório anual Horizon Report de 2013 (JOHNSON, 2013).