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Aspectos negativos na religião tradicional de Ovakwanyama

UM OLHAR CRÍTICO SOBRE OS RITOS DE PASSAGEM DE OVAKWANYAMA À LUZ DA DOUTRINA CRISTÃ

3.4. Aspectos negativos na religião tradicional de Ovakwanyama

O primeiro aspecto negativo a apontar, no conjunto das reflexões feitas, é a inimizade entre os familiares, vizinhos e entre as pessoas humanas, criada ou provocada pela acção de ondudu. Este apresenta-se como capaz de adivinhar o praticante do mal, o qual é denunciado em público. Trata-se de uma violência que ondudu levanta no seio da comunidade e nos corações de cada um dos seus membros. É uma acção que põe em causa a fraternidade, introduzindo a inimizade entre os irmãos368. Este fenómeno precisa de ser aprofundado em conhecimento e a violência que gera precisa de ser realmente «redimida, transfigurada, assumida na lógica da redenção»369. Não nos referimos apenas ao facto de se fazer publicamente, mas pelo facto de os acusados serem inocentes370. Trata-se de um aspecto que não se coaduna com a fé e doutrina cristãs371.

368 Cfr. Nostra Aetate, 5.

369 Cfr. J. J. F. FARIAS, «Religião e violência: contributo para uma leitura teológica», in

Didaskalia Revista da Faculdade de Teologia - Lisboa, Vol. XXXII, (2002) 87.

370 A nível de Angola, há algumas zonas onde sobressai a questão da feitiçaria dirigida às crianças.

Para ovakwanyama a criança nunca é feiticeira, razão pela qual as crianças não se tornam oipumbu nem

oilulu. Estamos perante a criação de inimizade, corte de relações entre os filhos de Deus, traindo o plano de Deus de amor para os seus filhos. Eendudu são, nesse sentido, a personificação de Satanás, nos nossos dias. A astúcia enganosa e fácil de denunciar destas personalidades reside no facto de dizerem que descobrem quem fez o mal; na possibilidade de dar oupule a alguém para que seja rico. Como é possível

Na verdade, eendudu podem ser comparados àqueles homens que, «enganados pelo

demónio, desorientam-se em seus pensamentos e trocam a verdade de Deus pela mentira, servindo a criatura de preferência ao Criador»372.

Estamos na área da feitiçaria. Perante a debilidade e as limitações existenciais, os cristãos, na verdade e não poucas vezes, levam uma duplicidade de vida, misturando o cristianismo com os aspectos negativos da religião tradicional373. Trata-se de um aspecto presente também na Europa e não apenas em África. Com efeito, o que foi dito na Africae Munus374 deve ser compreendido no sentido de que tal fenómeno não se faz sentir apenas em África e que se este continente foi mencionado foi porque a Exortação lhe foi dedicada. Este aspecto descura a existência de Deus Pai, omnisciente e omnipotente, fonte de toda a divindade e de todo o bem. A vida do homem e toda a vida criada brota exactamente da superabundância absoluta e eterna da gratuidade infinita do Seu amor375. Recorrer a estes intermediários é ignorar a profundidade semântica deste Deus Pai.

O segundo aspecto é concernente à dimensão exploratória de ondudu376, perante a qual quase todos os que a ele recorrem se tornam cegos e irracionais377. Ondudu chega a enganar, enriquecendo à custa dos mais fracos, aproveitado a situação frágil e débil em que se encontram. Os aflitos nem chegam ao ponto de se interrogar como é possível, por

dar riqueza à pessoa que quer oupule, se o próprio ondudu que dá esse poder não tem tal riqueza, que se traduz em muito massango e animais?

371 Cfr. BENTO XVI, Discurso aos Bispos da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé, em

visita ad Limina (Sala do Consistório, 29 de outubro de 2011) parágrafo 2; Africae Munus, 93.

372 LG, 16.

373 Cfr. Africae Munus, 93.

374 «O problema da ‘dupla pertença’ – ao cristianismo e às religiões tradicionais africanas –

permanece um desafio. Para a Igreja que está na África, é necessário guiar as pessoas através de uma catequese e uma inculturação profundas, para a descoberta da plenitude dos valores do Evangelho» Africae Munus, 93.

375 Cfr. J. J. F. FARIAS, «O cosmos ‘divinizado’, elementos para uma teologia sacramental do

mundo», in Communio Revista Internacional Católica, Ano IX, nº 5 (Outubro de 1992) 407.

376 Há um ditado que notabiliza esta dimensão maléfica e enganadora: Ondundu taindudulile

okulya, onganga taingangele okupona (ondudu ‘nduduliza’ para comer, onganga ‘ngangaliza’ para alimentar-se).

377 Os que recorrem a ondudu, encontram nele um amigo solidário, que quer fazer parte da

resolução do seu problema. A verdade é que o «mago, a cartomante, a bruxa, é sempre alguém que instrumentaliza, habilmente, o estado de necessidade de uma pessoa, em vantagem própria, enganando-a; sabendo que promete falsidades, apresenta-se capaz de resolver todos os teus problemas» F. BAMONTE,

Bruxos, Adivinhos, Quiromantes, Caromantes, Como Livrar-se da Superstição e Defender-se dos

exemplo, o pobre de ondudu dar poder de ser rico ou poderoso a alguém (okupulifa). Como é possível dar-se aquilo que não se tem?

O terceiro aspecto negativo está relacionado com a aquisição de poderes mágicos e maléficos: owanga e oupule. Estes poderes, procurados pessoalmente ou por herança, são refutáveis e condenáveis. Para o cristão, owanga deve ser sempre negado em nome de Cristo. O poder de Cristo é mais forte do que o de ovakwamungu maléficos. Por isso, é preferível ser mártir, morrer negando este poder, do que aceitar um poder maléfico que depois vai dizimar muitas vidas de irmãos, tornando-os infelizes. Oupule também deve ser rejeitado. Quem quiser adquirir algum bem deve trabalhar com as suas próprias mãos, para comer o pão do seu suor. Quem não quiser trabalho, é melhor que também abnegue de se alimentar e de possuir bens (2Tess 3, 6-10).

O quarto aspecto negativo tem a ver com a proveniência não explicada da graça presente no ongalo, no oshakalwa, no onu e em objectos de uso comum. Ovakwanyama acreditam na presença da graça; eles dão a entender que não se trata de uma graça qualquer, mas também não são claros em indicar. O facto de eles recorrerem aos antepassados no momento do parto complicado e noutros momentos ofusca ainda mais a pouca clareza que existia no facto de reconhecer que não se trata de uma graça qualquer. Trata-se de um aspecto de subjectividade e de pouca clareza, presente no conjunto das religiões tradicionais africanas378.