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Religião tradicional de Ovakwanyama: Breve balanço crítico

UM OLHAR CRÍTICO SOBRE OS RITOS DE PASSAGEM DE OVAKWANYAMA À LUZ DA DOUTRINA CRISTÃ

3.5. Religião tradicional de Ovakwanyama: Breve balanço crítico

A religião tradicional de ovakwanyama tem os seus aspectos positivos, que podem servir para o anúncio e a vivência do Evangelho. Entretanto, também têm os negativos, como outras religiões tradicionais africanas, os quais devem ser purificados e, se possível, eliminados para o bem de ovakwanyama e de toda a Igreja ou humanidade. Defendemos a legitimidade desta religião, como uma caminhada à procura da Verdade. Trata-se de uma história de salvação, a peregrinação deste povo com Deus, durante a qual Deus se vai revelando, deixando-se experimentar onto-existencialmente

378 «Nous venons de relever quatre faits qui ont une influence négative sur l’objectivité des

recherches sur les religions traditionnelles africaines : la prépondérance de la signification sur le fait, le caractère gratuit de la religion, l’ethnocentrisme et la large part qu’a nécessairement la subjectivité du sociologue». J. MAQUET, «Connaissance des religions traditionnelles, commentaires épistémologiques» in Les religions africaines traditionnelles (Paris: Éditions du Seuil, 1965) 60.

pelo povo, que nem sempre se apercebe da profundidade, da densidade e da intensidade do seu mistério379. Porém, esta caminhada deve ser feita na abertura total ao mistério salvífico de Deus Amor380, cujo Filho, por envio do Pai, veio ao encontro do homem atribulado381, como Luz verdadeira, sem olhar para a sua cultura, defeitos e virtudes, mas amando-o tal como ele é, montando a sua tenda no meio dos homens a fim de caminhar com eles (Jo 1, 9-14).

Essa legitimidade não deve ser compreendida no sentido de se fechar em si mesmo, invocando a «necessidade de uma releitura do cristianismo, ou seja, da mesma

figura de Cristo, expurgada da roupagem dogmática de saber metafísico ocidental, em favor de uma outra roupagem, em categorias retiradas do pensar e da cultura africana»382, como bem criticamente o salienta Jacinto Farias, mas no sentido de ser diferente, com categorias cogito-vivenciais diferentes, e com a consciência de fazer parte de um único povo de Deus, que caminha na unidade e na comunhão, partilhando a vivência do mesmo Deus uno e trino, de uma maneira variada e diversificada, a qual desemboca no enriquecimento mútuo de todos os povos e na glorificação de um mesmo Deus383.

Esta religião tradicional de ovakwanyama é caminho de salvação para eles, cujos efeitos salvíficos não se restringem a eles. Trata-se da tentativa deste povo de ir à busca de Deus e meio pelo qual Deus veio e vem naturalmente ao encontro daquele384. Perante

379 Na perspectiva de J. Dupuis, a história da salvação é muito mais abrangente do que tem sido

proposto por alguns teólogos. Na verdade, «devem ser rejeitadas com firmeza todas as diligências de situar o início da história da salvação na vocação de Abraão, reduzindo-a assim à ‘história sagrada’ que começa com ele. Esta tentativa redutora reflecte uma tendência que desvaloriza a presença de Deus na história da humanidade não só antes da tradição judaico-cristã nascida da vocação de Abraão, mas também fora dessa tradição. Ora, a história da salvação não começa com Abraão mas coincide com a história da humanidade». J. A. SILVA, «A questão de Jesus na teologia das religiões, o contributo de Jacques Dupuis», in Communio Revista Internacional Católica, ano XXIV, nº 3 (Lisboa: Julho/Agosto/Setembro de 2007) 279.

380 A «vontade salvífica de Deus Pai, a sua concretização na vida e obra de Jesus e a acção do

Espírito Santo não podem ser separadas». J. A. SILVA, «A questão de Jesus na teologia das religiões, o contributo de Jacques Dupuis», 276.

381 Cfr. Evangelii Nuntiandi, 6; A. SANTOS HERNÁNDEZ, Teología sistemática de la misión.

Progresiva evolución del concepto de misión, (Estella (Navarra): Verbo divino, 1991) 310-324.

382 J. J. F. FARIAS, «Jesus Cristo nas Teologias Africanas» in Communio Revista Internacional

Católica, ano XXIV, nº 3 (Lisboa: Julho/Agosto/Setembro de 2007) 310.

383 Cfr. LG, 32; ver também J. J. F. FARIAS, «Jesus Cristo nas Teologias Africanas», 313-314. 384 Cfr. GS, 58; J. A. SILVA, «A questão de Jesus na teologia das religiões, o contributo de

Jacques Dupuis», in Communio Revista Internacional Católica, ano XXIV, nº 3 (Lisboa: Julho/Agosto/Setembro de 2007), 282.

e no Cristianismo todos os povos são estrangeiros e todos eles estão em casa385. São estrangeiros se deveras não aderirem a Cristo, e estão em casa caso façam de Cristo seu princípio e fim, seu alimento e bebida, sua verdade, vida e seu caminho para Deus Pai (Jo 14, 6).

A legitimidade da religião tradicional de ovakwanyama no conjunto da RTA e da consequente chamada Teologia Africana nas vertentes de reconstrução, libertação e outras, não deve consistir em reivindicações e críticas ao cristianismo, em evocações e puras intenções da reconstrução da África e recuperação da sua identidade386, mas na procura da verdade e da sua vivência, do acolhimento da graça divina, não na atitude de retê-la para si, mas de a comunicar a todos os homens387. Por isso, as reflexões não devem partir de acidentes, de situações económico-sociais ou políticas, mas do ser que caminha na história, como existência, na Europa ou em África, tocado e afligido pela situação concreta que está a viver, mas também, e não com pouca intensidade, pelas situações que os outros povos no mundo inteiro vivem.

Neste sentido, o teólogo em África, é teólogo da Igreja, presente em todo o mundo e ao serviço da Humanidade inteira. Por isso, as reflexões do teólogo devem servir para toda a Igreja, não só para um continente, nem um país, tão pouco para uma Diocese, mas para toda a humanidade388. A missão do teólogo, vivendo na Europa, em África ou

no outro continente, deve ser o de servo da verdade libertadora, trabalhando para a re- humanização e re-divinização de todo o homem e do homem todo, em comunhão e fidelidade à Sagrada Escritura, à Tradição e ao Magistério da Igreja389. Assim, a teologia dará o seu contributo para que a comunidade humana, na pluralidade das suas confissões ou das suas religiões tradicionais ou institucionais, seja um fermento que

385 «Como reconhecia a Carta a Diogneto e unanimemente reconhecem também St. Ireneu, e, de

um modo tão tocante, S. Basílio Magno, o cristão é estrangeiro na sua pátria e encontra-se em casa em toda a parte» Cfr. J. J. F. FARIAS, «Jesus Cristo nas Teologias Africanas», 310.

386 Cfr. J-M. ELA, Le cri de l’Homme africain (Paris: L’Harmattan 1980); B. UKWUIJE, «Penser

le devenir de l’identité africaine», in Spiritus 160 (2000) 263-274; K. MANA, La nouvelle évangélisation

en Afrique (Paris : Karthala 2000); M. MATUMONA, Teologia Africana da Reconstruação como novo

paradigma epistemológico. Contributo lusófono num mundo em mutação (Lisboa: Roma 2008).

387 Cfr. J. J. F. FARIAS, «Nova evangelização e cultura», in Communio Revista Internacional

Católica, ano IX, nº 4 (Lisboa: Julho/Agosto de 1992) 307.

388 Jacinto Farias reflectiu sobre o problema da linguagem e categorias a ser adoptadas pelo

evangelizador na cultura desconhecida por si. Cfr. J. J. F. FARIAS, «Jesus Cristo nas Teologias Africanas», 313.

levede um mundo novo, alicerçado na verdade e na justiça, neste universo globalizado das contradições e dos desencantos390.

Conclusão

Os elementos sacro-religiosos apresentados neste capítulo, em confronto com os das outras culturas no contexto das reflexões da chamada Teologia Africana, são ricos e podem ser instrumentos para levar ovakwanyama a se aproximarem mais de Jesus Cristo a partir da sua religião tradicional.

Para esse fim, é necessário que, sob as perspectivas teológicas do Magistério, se faça uma sistematização teológica dos elementos em causa, cristianizando os positivos e purificando os negativos. Esta é a contribuição que queremos dar no quarto capítulo.

390 Cfr. J. J. F. FARIAS, «A singularidade de Cristo: um desafio à consciência crítica dos cristãos

em tempo crepuscular», In Didaskalia Revista da Faculdade de Teologia – Lisboa, Vol. XXXI, nº 2, (2001)10.