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4 A PROPRIEDADE DA TERRA EM NOVA LIMA

4.1 Aspectos normativos pertinentes à legislação de minas e sua interação com a

A pesquisa realizada em torno da legislação de minas no Brasil abriu possibilidades para a hipótese trabalhada nesta dissertação, que envolveram a mineração e a concentração de terras em seu poder.

A estreita vinculação entre a atividade extrativa e a propriedade do solo permitiu à mineradora Saint John conter ou implantar a urbanização e estocar terras para o uso extensivo de sua atividade principal. Preponderava sobre quaisquer outros usos possíveis para o solo o uso específico para a mineração.

Como aspecto normativo de grande relevância na interpretação da legislação, a propriedade do solo, no decorrer das constituições brasileiras, atribuiu e retirou poderes do proprietário da terra, de acordo com o que consideravam as constituições. Figurou por muito tempo na legislação brasileira, o princípio da acessão, isto é, a possibilidade de o proprietário da terra ser dono do direito de superfície e do subterrâneo da terra. No entanto, a legislação de minas resguardou para a nação a propriedade distinta das jazidas, dos recursos naturais destruindo o conceito republicano e liberal do direito amplo à propriedade. Ao proprietário da terra foi dada a preferência da lavra e, nos casos em que ele não assume a mineração, uma participação na receita da mina. Nesta ocupação, o subsolo foi resguardado à nação.

A legislação aqui trabalhada foi necessária ao entendimento de que a acumulação da terra resguardou direitos de exploração para a empresa, em momentos decisivos da história brasileira, onde a legislação minerária mudou seu enfoque da discussão sobre a liberdade de exploração de riquezas minerais. O período analisado, para compreensão da força da interferência da legislação de minas, no processo de exploração local seria então a data de início da exploração, 1834 até 1934, quando a Constituição brasileira promulgada no governo de Vargas mudou a legislação de mineração, na concepção do direito de propriedade, transformando em caráter definitivo, o exercício da mineração no Brasil.

Por meio da pesquisa de legislação, tem-se que Estado brasileiro debateu a questão da mineração produzindo extensa regulação sobre o assunto e dando, ao longo do tempo, tratamentos diferentes ao conceito de mina e jazida e aos limites da liberdade de exploração de cada proprietário privado. Além disso, como o centro deste trabalho foi

caracterizar a expansão urbana sob o enfoque da produção de loteamentos, a propriedade da terra, o subsolo como parte integrante ou não do solo conseqüentemente, este direito determinou diretamente, a forma de organização dos proprietários acerca da acumulação fundiária e retirou ou fortaleceu-lhes as garantias de seus processos de acumulação.

No caso de Nova Lima, esta legislação estudada teve importância para explicar a maioria dos vazios urbanos e até, em muitos casos, vazios suburbanos encontrados no território municipal. Como recurso metodológico, o estudo delimitou como sendo importante para o trabalho desenvolvido a realização de uma retrospectiva sucinta dos períodos anteriores à Constituição de 1824, ainda no Brasil Império, sobre direito minerário, para o universo de análise aqui apresentado, a contextualização anterior apenas situa o problema no cenário brasileiro.

A propriedade do solo, rural e urbana, em Nova Lima, foi se concentrando de 1834 a 1950, majoritariamente, no controle da empresa inglesa mineradora de ouro, a Saint John Del Rey Mining Company. Essa empresa, como foi dito anteriormente, atuou nesse período no município e adjacências, sendo a responsável direta pela reprodução ampliada do seu espaço de produção e por grande parte das obras feitas em suas propriedades e fora delas como, por exemplo, as de infra-estrutura que eram indispensáveis ao funcionamento da produção. A construção dessas obras pela empresa (estradas, abastecimento de água e energia elétrica entre outras), como foi dito, dadas às suas características utilitárias e suas dimensões públicas, que extrapolam as exigências do sistema produtivo, valorizaram as terras municipais e proveram a sede de Nova Lima das condições necessárias ao desenvolvimento ou retração de sua urbanização.

O processo de concentração de terras continuou, mesmo quando a Saint John Del Rey Mining Co foi vendida na década de 50, ao grupo americano Hanna Mining Corporation, transformando-se, na década de 70, em Minerações Brasileiras Reunidas e ao grupo brasileiro, que por sua vez formou a Mineração Morro Velho S/A, em 1960, hoje Anglo Gold Co.

Historicamente, a propriedade da terra em Nova Lima representou, para as empresas envolvidas com a mineração no município, a possibilidade de acesso direto ao subsolo e ao solo rico em minerais, passíveis de serem imediata ou futuramente explorados. Esse foi o principal motivo que fez com que a Saint John Del Rey iniciasse uma gradativa compra de propriedades em torno de sua fazenda principal, a Morro Velho,

a partir de 1862125 coincidindo parte desta compra, com o episódio da prospecção geológica por geólogos estrangeiros, realizada no início do século. (Leonardos, 1970)

Antes disso, em 1850, a Lei no 601 ou a Lei de Terras, institui, no Brasil, pela primeira vez em toda sua história, o direito de propriedade por título de compra. A lei legitimava uma prática comum, principalmente em áreas urbanas, da compra e venda de terrenos que ocorria desde o Império (1822) não tendo sido, anteriormente, regulamentada por inexistência de base legal. A própria aquisição de propriedade feita pela Saint John Del Rey comprova que a compra e venda era uma prática comum no Brasil. Considerando que a aquisição de terras, iniciada pela mineração se intensificou após 1850, pode-se supor que essa lei tenha contribuído para o processo de acumulação e retenção fundiária, já que o texto da lei previa que tanto brasileiros quanto estrangeiros poderiam adquirir terras, via compra ou opor título oneroso. Quanto a isso, o texto dispunha que sobre:

... as terras devolutas no Império, e acerca das que são possuídas por titulo de sesmaria sem preenchimento das condições legais. bem como por simples titulo de posse mansa e pacifica; e determina que, medidas e demarcadas as primeiras, sejam elas cedidas a titulo oneroso, assim para empresas particulares, como para o estabelecimento de colônias de nacionais e de estrangeiros, autorizado o Governo a promover a colonização estrangeira na forma que se declara D. Pedro II (BRASIL: 1850).

Sendo, que a partir desse momento, o Art. 1º “Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo que não seja o de compra” (BRASIL: 1850).

A lei estabelece a definição do conceito de devoluto:

São terras devolutas:

§ 1º As que não se acharem applicadas a algum uso publico nacional, provincial, ou municipal.

§ 2º As que não se acharem no dominio particular por qualquer titulo legitimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em commisso por falta do cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura.

§ 3º As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do Governo, que, apezar de incursas em commisso, forem revalidadas por esta Lei (BRASIL, 1850).

Foi importante observar, no exame da legislação brasileira, que a mesma não considerava como de direito do proprietário a lavra ou a mina pelo direito de propriedade do solo, conferido pela compra e registro do terreno. A lei de terras foi clara ao reafirmar o princípio da propriedade da mina dissociada do direito de propriedade do solo:

§ 4º Sujeitar ás disposições das Leis respectivas quaesquer minas que se descobrirem nas mesmas terras (BRASIL, 1850).

Porém, a discussão do direito de propriedade da terra, após a aprovação da lei de terras, em 1850, pode ter aguçado os debates em torno do direito ou não, do proprietário da terra de ter a posse, também, das minas. Fatos isolados culminaram na aprovação dessa lei poderiam alterar a interpretação da carta constitucional, elaborada pelo governo republicano, já discutindo o assunto, em 1891.

Grande parte das aquisições da Saint John Del Rey Mining Company se deu a partir de 1862 e se intensificaram no início do século XX. A princípio, a empresa adquiriu de um pequeno proprietário privado inglês, as propriedades que faziam parte de uma fazenda conhecida como Morro Velho126 (HOLLOWOOD, 1954), local onde iniciou suas atividades mineradoras. Com o passar dos anos e acompanhando o progressivo sucesso do empreendimento, a empresa incorporou outras áreas ao seu patrimônio.

Com base em dados esparsos contidos nos trabalhos de Leonardos (1970) e Hollowood (1954) e Callogeras (1938), vemos a cronologia:

 1834 – A Fazenda Morro Velho, início de todas as aquisições na região, com a aquisição de três minas, Baú, Cachoeira e Quebra Panela, unificada em uma exploração da mina após o acidente de 1886;

 1862 – Fazenda Fernão Paes, onde eram exploradas as Minas da Gabiroba127 e do Gaya, em atividade até 1871;

 1862 – Propriedades da Mina de Cata Branca, próxima à Itabira do Campo (Itabirito - MG);

 1872- Relatos sobre a propriedade na região da Bela Fama são associadas ao cultivo de plantações para abastecimento de escravos da mineração;

 1877 – Propriedades da Mina de Cuiabá, próximo à Sabará, incluindo a Mina de Juca Vieira;

 1884 (cerca de) – Fazenda da Jaguara;  1886 – Fazenda da Rocinha;

126

Segundo relatos e documentos encontrados no Museu do Ouro de Sabará, apenas 5/16 eram do Padre Freitas. Os demais pedaços da fazenda são de outros proprietários, tendo sido alguns desses pedaços alvo de disputa judiciais, no decorrer desse século.

127 A aquisição da mina do Gaya foi feita dos herdeiros da família Cunha Jardim. A Enciclopédia dos Municípios (1957, p. 189) coloca o primeiro proprietário do Gaya, o espanhol Manuel Afonso Gaya como o primeiro a operar em maior escala, com a mineração em Congonhas.

 1899- Fazenda da Mina do Espírito Santo128, onde se deu a instalação da usina de arsênico do Galo e a primeira barragem de rejeitos industriais no início do século;  1898 – Propriedades adjacentes à Mina de Raposos, componente na atualidade de

quase a totalidade do município, após sua emancipação;

 1903 – Terrenos comprometidos com a mineração do ferro, entre eles os localizados na região sul de Nova Lima, na Serra da Calçada ao longo da Serra da Moeda;

 1905 – Fazenda Rio de Peixe e áreas localizadas próximas ao Ribeirões dos Macacos;

 1908 – Mina do Faria, em Honório Bicalho.

Esse procedimento de incorporação de diversos empreendimentos mineradores ao empreendimento maior, no caso, fazendas, terrenos e pequenas minerações à mina de Morro Velho, foi resultado de decisões estratégicas da administração da Saint John Del Rey Mining Company, que acabaram por aumentar, significativamente, a superfície territorial do município e de domínio privado da empresa.

No entanto, existem registros, em cartórios, relativos a demandas judiciais antigas que colocam em dúvida parte da origem dessas terras e tem-se notícia de encontrar-se em andamento algumas disputas judiciais pela propriedade de áreas que, presumidamente, fazem parte da listagem de propriedades adquiridas pela empresa (COSTA, 1950).

A partir daí, o outro grande salto em matéria de aquisições de terras feitas pela Saint John se deu tão logo se publicaram alguns estudos sobre as jazidas de minério de ferro de MG no século XIX.