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2. ASSIMETRIAS INTERNACIONAIS INERENTES À GLOBALIZAÇÃO

2.1 Assimetrias Políticas

Ao “capital estrangeiro”, se integram vários temas, tais como: empresas estrangeiras, tecnologia, royalties, remessa de lucros.

Escrevendo sobre capital estrangeiro, José Afonso da Silva ressalta que a constituição não é contra o capital estrangeiro. Não se encontra nela nada que se oponha a ele; ao contrário, até prevê a possibilidade de sua participação em instituições financeiras (art. 192, III). Apenas estatui que a lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucro, o que constitui exercício regular do princípio da soberania econômica, agora previsto no art. 170, I. 46 A regulamentação do capital estrangeiro no Brasil é disciplinada, basicamente, pela Lei nº 4.131, de 3 de setembro de 1962, que trata da aplicação do capital estrangeiro e das remessas de valores para o exterior, regulamentada pelo Decreto nº 55.762, de 17 de fevereiro de 1965.

Inicialmente, a Lei nº 4.131, de 1962, foi regulamentada pelo Decreto nº 53.451, de 20 de janeiro de 1964. Posteriormente, a Lei nº 4.390, de 29 de agosto de 1964, modificou disposições da Lei nº 4.131, de 1962 e revogou, de forma expressa, o Decreto nº 53.451, de 1964, sendo, então, aprovado o Decreto nº 55.762, de 1965.

Denis Borges Barbosa47 afirma que a Lei nº 4.390, de 29 de agosto de 1964, foi elaborada após o Golpe de 64, tendo como propósito adequar o Estatuto do Capital Estrangeiro à nova ideologia político-econômica.

Como lembra Eduardo Teixeira Silveira, escrevendo sobre o quadro jurídico decorrente das Leis 4.131/62 e 4.390/64,

46 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 799. 47 BARBOSA, Denis Borges. Direito de acesso ao capital estrangeiro. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1996.

as discussões sobre o tema à época foram tão acirradas que o Presidente da República, sem estar certo se deveria promulgá-la ou vetá-la (lembre-se que na Constituição então vigente não existia a figura do veto parcial), deixou transcorrer in albis o prazo para fazê- lo[...].48

Em 1965, já no regime militar, foi aprovado o Decreto nº 55.762, de 1964, que passou a regulamentar a Lei nº 4.131, de 1962. Esse decreto esclareceu que, para o registro do capital, era necessário a moeda efetivamente ingressada no país ou a do domicílio do credor, em casos de importação financiada.

Em seu artigo 1º, a citada lei definiu o que se deve entender por capital estrangeiro. No artigo 2º, estabeleceu o tratamento que se deverá dar a estes recursos

Art. 1º Consideram-se capitais estrangeiros, para os efeitos desta lei, os bens, máquinas e equipamentos, entrados no Brasil sem dispêndio inicial de divisas, destinados à produção de bens ou serviços, bem como os recursos financeiros ou monetários, introduzidos no país, para aplicação em atividades econômicas, desde que, em ambas as hipóteses, pertençam a pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior.

Art. 2º Ao capital estrangeiro que se investir no País será dispensado tratamento jurídico idêntico ao concedido ao capital nacional em igualdade de condições, sendo vedadas quaisquer discriminações não previstas na presente lei.

Ressalte-se que o dinheiro não precisa ser necessariamente investido em valores, podendo ser aplicado, ainda, em bens corpóreos, como equipamentos industriais, navios, aviões, bem como em incorpóreos, como marcas, patentes e tecnologias. A transferência desses bens deverá ter uma finalidade econômica, isto é, destinar-se a incrementar a produção de bens e serviços e ter capacidade de gerar lucros e de se transformar em capitais.

Barbosa (1996, p. 78) classifica este conceito sob três ângulos:

Subjetivo: deve pertencer a pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior; Objetivo: caracterizado pela entrada no país de bens, máquinas e equipamentos, sem dispêndio

48 SILVEIRA, Eduardo Teixeira. Disciplina jurídica do investimento estrangeiro no Brasil e no direito internacional. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 97.

inicial de divisas ou de recursos financeiros e monetários; Quanto à finalidade: que se destina à produção de bens ou serviços no caso de bens físicos; que se destinem a aplicação em atividades econômicas, no caso de recursos financeiros ou monetários. 49

Xavier (apud Silveira, 2002, p. 32) entende o capital “como a aquisição do

direito a um rendimento, por não residente, em contrapartida a cessão onerosa de recursos provenientes do exterior, é registrado no Banco Central” 50.

O art. 2º da Lei nº 4.131, de 1962, estabelece efetivamente o princípio da isonomia, ao estabelecer que “ao capital estrangeiro que se investir no País, será dispensado tratamento jurídico idêntico ao concedido ao capital nacional em igualdade de condições, sendo vedadas quaisquer discriminações não previstas na presente lei”. Podemos definir como “discriminação”, na citada lei, a própria definição do que seja capital estrangeiro e a imposição da obrigatoriedade de registro e controle por parte do Banco Central, além de outras restrições de ordem legal e constitucional.

Os arts. 3º a 7º da Lei nº 4.131, de 1962, tratam do registro dos capitais, remessas e reinvestimentos, apontando a movimentação de capitais estrangeiros que deverão ser registrados no Banco Central do Brasil - BCB.

Submetem-se a esse registro todos os investimentos estrangeiros no Brasil. Devem ser registrados, também, os reinvestimentos, ou seja, os lucros que o capital estrangeiro tenha obtido no Brasil, mas que aqui permanecem. Não só o dinheiro que entra está submetido ao registro, mas também o dinheiro que sai.

Existe ainda uma seção especial que trata das remessas de juros, royalties e de serviços, inclusive de assistência técnica. Em primeiro lugar, todos os contratos devem ser submetidos às autoridades cambiais, que também podem verificar a efetividade da assistência técnica prestada.

Os rendimentos do capital registrado, tais como juros, dividendos, comissões, royalties e demais formas de lucro, sujeitam-se também a registro. Essa medida se

49 BARBOSA, Denis Borges. Direito de acesso ao capital estrangeiro, Rio de Janeiro. Lumen Juris, 1996.

justifica para permitir, ao Brasil, a possibilidade de conhecer e controlar a saída de divisas do país.

Além disso, efetuou-se também a importante distinção das remessas em razão da sua natureza, classificando-as em retorno dos capitais ou rendimento derivado dos mesmos, dividindo-as em lucros, dividendos, juros, amortizações, royalties e assistência técnica.

Previu-se, ainda, a possibilidade de imposição de restrições às remessas de rendimentos do investimento estrangeiro quando ocorrer “grave desequilíbrio no balanço de pagamentos”.

Os arts. 8º a 16 regulam precisamente a remessa de juros, royalties e remuneração de assistência técnica. Um contrato de empréstimo de dinheiro deverá ser efetivado por contrato de mútuo, devidamente registrado no Banco Central, no qual conste quais serão os juros cobrados, os quais não poderão ser superiores aos juros praticados no mercado financeiro nacional. Qualquer valor acima da taxa em vigor no respectivo mercado financeiro do país de onde proceder o empréstimo poderá ser vetado pelo Banco Central ou considerado como amortização de empréstimo.

O art. 14 veda o pagamento de royalties, pelo uso de patentes de invenção e marcas de indústria e comércio, entre filial ou subsidiária de empresa estabelecida no Brasil e sua matriz com sede no exterior ou quando a maioria do capital da empresa no Brasil, pertencer ao titular do recebimento dos royalties no estrangeiro.

O art. 16 autoriza o Governo a celebrar acordos de cooperação administrativos com países estrangeiros, visando ao intercâmbio de informações de interesse fiscal e cambial, no sentido de aplicar a lei.

Os arts. 23 a 36 formam o capítulo das disposições cambiais. Hoje, as operações de câmbio são rigidamente regulamentadas por normas do Banco Central.

Contudo, a própria legislação contempla excepcionalidades às regras restritivas. O art. 39 admitiu expressamente a concessão de financiamentos, por instituições financeiras públicas, para novas inversões a serem realizadas em ativo fixo de sociedades

controladas por grupos estrangeiros, desde que tais empreendimentos sejam considerados de alto interesse para o desenvolvimento nacional.

Vejamos a Exposição de Motivos Interministerial, assinada pelo Ministro de Estado da Fazenda e pelo Ministro de Estado do Planejamento e Orçamento, por ocasião da adoção do Decreto nº 2.233, de 23 de maio de 1997, o qual dispõe sobre os setores das atividades econômicas excluídos das restrições previstas no art. 39 da Lei nº 4.131, de 3 de setembro de 1962.

A referida Lei, com as alterações introduzidas pela Lei nº 4.390, de 29 de agosto de 1964, rege a aplicação do capital estrangeiro e as remessas de valores para o exterior. Em seus arts. 37, 38 e 39, limita o acesso das empresas sob controle de capital estrangeiro às fontes de recursos públicos, estabelecendo que as agências oficiais de crédito estão impedidas de prestar garantias ou conceder empréstimos para investimentos em ativos fixos às empresas ‘cuja maioria de capital com direito a voto pertença a pessoas não residentes no país’. Ressalta-se, contudo, que a própria legislação de regência contemplava excepcionalidades às regras restritivas. O art. 39 da Lei nº 4.131/62 admitiu expressamente a concessão de financiamentos, por instituições públicas, para novas inversões a serem realizadas em ativo fixo de sociedades controladas por grupos estrangeiros, desde que tais empreendimentos sejam considerados de alto interesse para o desenvolvimento nacional. Várias são as razões que justificam a presença do capital estrangeiro na recuperação, modernização e expansão do setor de infra-estrutura. Primeiro, porque contribuiu para a maior eficiência alocativa e produtiva do investimento de infra- estrutura, pelo aprofundamento de concorrência e da introdução de novas tecnologias. Segundo, porque amplia as possibilidades de aglutinação e composição de elevados requisitos de recursos. Terceiro, porque melhora o perfil da conta capital do balanço de pagamentos, uma vez que o investimento direto é caracterizado por prazos mais longos e é menos volátil do que os investimentos de portifólio. Nesse sentido, a economia fica menos vulnerável a eventuais fugas de capitais especulativos, o que é desejável para a estabilidade macroeconômica. Quarto, porque aumenta a eficiência dos processos de transferência de ativos e de concessão de serviços públicos, valorizando o patrimônio do setor público e viabilizando fontes alternativas para o financiamento do déficit fiscal e sua eventual redução. Quinto, porque contribui para a redução dos custos de produção, aumentando a competitividade das exportações. Nesse contexto, é recomendável estimular o concurso das empresas estrangeiras no esforço dos investimentos em infra-estrutura no País, permitindo-se seu acesso aos produtos financeiros atualmente ofertados por agências oficiais a empresas sob controle de capitais nacionais. Convém destacar que os grupos estrangeiros tiveram e têm

participação fundamental no desenvolvimento do setor no Brasil, pois permitem aos produtores locais o acesso à tecnologia de processo e produto. Desta forma, entendemos de todo conveniente que seja estimulada a maior participação de grupos nesse segmento, por intermédio de facilidade de acesso às fontes de recursos internos das instituições financeiras oficiais. 51

A versão original da Lei nº 4.131, de 1962, estabelecia limites quantitativos ao repatriamento de capital e à remessa de lucros e dividendos. Contudo, houve modificações substanciais no conteúdo dessa lei. Inicialmente, foram revogadas as restrições relativas ao retorno do capital e à remessa dos rendimentos dele oriundos, assegurando-se, dessa forma, o direito de repatriamento e de remessa dos frutos do capital aqui investido, sistema que vigora até hoje.

Segundo o art. 43 da Lei nº 4.131, de 1962, o montante dos lucros e dividendos líquidos relativos a investimentos em moeda estrangeira, distribuídos a pessoas físicas e jurídicas, residentes ou com sede no exterior, fica sujeito a um imposto suplementar de renda sempre que a média das distribuições em um triênio, encerrado a partir de 1984, exceder 12% (doze por cento) do capital e reinvestimentos registrados, nos termos dos artigos 3º e 4º desta lei.

Art. 43 [...]

§ 1º O imposto suplementar de que trata este artigo será cobrado de acordo com a seguinte tabela:

Entre 12% e 15% de lucros sobre o

capital e reinvestimentos. - 40% (quarenta por cento);

Entre 15% e 25% de lucros. - 50% (cinqüenta por

cento);

Acima de 25% de lucros. - 60% (sessenta por

cento).

51 Ministério da Fazenda e Ministério do Planejamento e Orçamento. EM Interministerial nº 027/MF/MPO, de 20 de maio de 1997.Dispõe sobre os setores das atividades econômicas excluídos das restrições previstas no art. 39 da Lei nº 4.131, de 3 de setembro de 1962.

§ 2º O disposto neste artigo não se aplica aos dividendos e lucros reinvestidos no País nos termos do artigo 7º desta Lei.

§ 3º O imposto suplementar será recolhido pela fonte pagadora e debitado ao beneficiário para desconto por ocasião das distribuições subseqüentes.

Dessa forma, o capital estrangeiro registrado no Banco Central poderá ser, a qualquer tempo, repatriado a seu país de origem. Não há necessidade de qualquer espécie de autorização prévia.

Eduardo Teixeira Silveira, analisando o impacto dos investimentos estrangeiros sobre balanço de pagamentos, pondera que

economicamente, pode ser significativo o efeito do investimento estrangeiro na evasão de divisas após o benefício aparente do aporte de capital em um primeiro momento, conforme nos ensina

REINALDO GONÇALVES: “O argumento é que a

desnacionalização, por um lado, tem um efeito positivo, pois, envolve a entrada inicial de vultosos recursos externos, que afrouxam a restrição de pagamentos do país. Por outro, à medida que o investimento externo direto é orientado principalmente para setores de serviços (com destaque para privatizações), que não exportam e, portanto, não geram dólares, as contas externas ficam cada vez mais oneradas com a saída de lucros e dividendos [...].52

O principal objetivo, que leva os países a atrair investimentos estrangeiros, é desenvolver-se e manter o equilíbrio de suas contas externas.

Contudo, é relevante a advertência de Cláudia Perrone-Moisés53 de que,

“muitas vezes, o investimento estrangeiro pode resultar em maior quantidade de divisas que deixa o país do que nele ingressa.”