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6. RESTRIÇÕES À IMPLEMENTAÇÃO PELO BRASIL DE ACORDOS DE

6.3. Restrições jurídicas

Um dos aspectos mais polêmicos desses acordos é a cláusula relativa à solução de controvérsias entre um investidor e um Estado. Todos facultam ao investidor a escolha do foro: os tribunais locais ou a arbitragem internacional. A decisão sobre o foro, contudo, será considerada definitiva e irreversível em alguns textos, havendo, em outros, a possibilidade de mudança de foro no decorrer do processo, caso, tendo optado pela jurisdição nacional, o investidor poderia, ainda assim, recorrer à arbitragem internacional se antes de emitida decisão sobre a matéria ele declarar que renuncia a prosseguir com sua ação perante os tribunais nacionais.

Assim, por este dispositivo, o investidor estrangeiro pode pairar acima do Poder Judiciário nacional, só reconhecendo autoridade em arbitragens internacionais. Ora, em primeiro lugar, o disposto no diploma em comento contraria o princípio jurídico pedra angular do Direito Internacional, "do esgotamento dos recursos internos" que, em linhas gerais, determina que o Estado deve ter a oportunidade de reparar suposto dano ou ato ilícito, no âmbito de seu próurio sistema jurídico interno antes que se possa questionar a sua responsabilidade no plano internacional. Por meio deste princípio, plenamente consolidado no Direito Internacional já no século XIX e consagrado pela Doutrina Calvo, o País pode salvaguardar a autonomia de sua jurisdição interna. Porém, ao se abrir mão dele, cria-se um precedente perigoso que poderia redundar na internacionalização do regime jurídico dos investimentos. Em segundo, a possibilidade do investidor estrangeiro recorrer a uma arbitragem internacional contra o Estado receptor do investimento colocaria em condições de igualdade dois sujeitos absolutamente distintos: o Estado brasileiro, pessoa com per- sonalidade jurídica internacional, e uma entidade de direito privado interno, constituída no âmbito da ordem jurídica brasileira (a sucursal brasileira da empresa estrangeira). Em terceiro, o que consta no Artigo 10 do acordo em questão lança suspeitas vexatórias e infunda- das sobre o Poder Judiciário nacional, ao permitir que o investidor estrangeiro, ao seu bel-prazer, ignore a sua existência recorrendo a uma arbitragem internacional, supostamente mais neutra ou ágil.

Lamentamos que o Executivo, ao assinar este ato internacional, tenha endossado estas suspeitas. Em quarto, tal dispositivo cria um privilégio para o investidor estrangeiro, negando o mesmo para o in- vestidor nacional, que deverá, é claro, recorrer sempre às instâncias jurídicas internas. Votando à questão da cláusula de tratamento nacional, cabe indagar se não estaria havendo uma distorção da mesma em favor do investidor estrangeiro. Em quinto, é necessário considerar que o recurso à arbitragem internacional, na forma proposta pelo Acordo Brasil/Alemanha e pelos demais APPls, fere, ao nosso ver, o inciso I do artigo 1 da Constituição Federal, o qual afirma a soberania como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Embora o conceito de soberania seja complexo e mutifacetado, ninguém excluiria o exercício do poder jurisdicional sobre o território nacional do seu escopo. Além disso, o mencionado recurso à arbitragem internacional colide também com o inciso XXXV do artigo 5 da C.F, que determina que: ... a lei não excluirá da

apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Portanto,

um acordo internacional, que no Brasil equivale a uma lei ordinária, não pode retirar do Poder Judiciário a apreciação de uma controvérsia surgida em território brasileiro. Em sexto, e este nos parece o ponto mais importante, a forma unilateral com que os APPls prevêem o recurso à arbitragem internacional não se coaduna com os princípios básicos que regem normalmente tal processo. Com efeito, as arbitragens costumam se dar quando as partes em conflito concordam em realizá-Ia. Entretanto, os APPls determinam que, no caso de solução de controvérsias surgidas entre a empresa e o Estado, a realização de arbitragens internacionais deverá se dar por "solicitação do investidor" ou a "pedido do investidor". Para encerrar a nossa argumentação em torno do Acordo Brasil/Alemanha, devemos questionar a noção de que a adesão do País a esse e aos outros APPls significará um aumento considerável do afluxo de investimentos estrangeiros.

A possibilidade de escolha direta da arbitragem internacional por parte do investidor significa, de acordo com a consultora Deborah Bithiah de Azevedo139, que o Brasil

pode abrir mão de um princípio clássico do direito internacional: a regra do esgotamento dos recursos internos, a qual prescreve ter o Estado o direito de sanar um suposto ilícito antes que sua responsabilidade internacional seja levantada.

A finalidade precípua dessa regra é salvaguardar a autonomia das jurisdições internas, resguardando a soberania nacional. Déborah Bithiah explica que, ao

139 Op. Cit. AZEVEDO, 2001, p. 7.

deixar de aplicá-la, um Estado estará renunciando a uma parcela da soberania e permitindo a internacionalização do regime jurídico dos investimentos.

A Constituição Federal apresenta um artigo, que minimiza o impacto negativo sobre a capacidade regulatória do Estado, ao estabelecer que compete ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) processar e julgar, originariamente, a homologação das sentenças estrangeiras (Art. 105,I,i), dentre as quais os arbitrais Internacionais.

Em sua análise, o STJ levará em conta, entre outros elementos, se o laudo arbitral não ofende a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes, cujo o desrespeito poderia ensejar à não homologação.

6.3.1. Restrições constitucionais: absolutas e relativas

A Constituição Brasileira de 1988140 determina exceções ao tratamento nacional de empresas estrangeiras. Segundo Fonseca

Os arts. 173 e 174 procuram definir o papel que deve passar a ser desempenhado pelo Estado. O art. 173 refere-se à exploração direta de atividade econômica pelo Estado, limitando-o. Já o art. 174 delineia o papel do estado como agente normativo e regulador da atividade econômica. 141

As empresas resultantes de investimentos estrangeiros não gozam de certos privilégios e não podem exercer certas atividades. As empresas nacionais terão tratamento diferenciado, se forem de pequeno porte (artigo 170, inciso IX), e terão tratamento favorecido, desde que sejam constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. A Constituição contém ainda diversas restrições quanto as atividades empresariais. Algumas se aplicam também às empresas de capital nacional: são os monopólios ou quase- monopólios estatais.

Fischer e Forster,142 classificam as limitações constitucionais da seguinte maneira: 143 a)monopólios estatais; b) serviços públicos; c) concessão ou permissão estatal; d)

140 BRASIL. Constituição (1988). Constituição Brasileira, 1988. Texto Constitucional de 5 de outubro de 1988 com as alterações adotadas pelas emendas constitucionais n. 1/92 a 46/2005 e pelas emendas constitucionais de revisão n. 1 a n. 6/94. Brasília: [Senado Federal], 2005. 437 p.

141 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2001, pp. 97-98..

142 INSTITUTO RIO BRANCO. O tratamento nacional do investimento estrangeiro. Fundação Alexandre Gusmão – Centro de Estudos Estratégicos, 1999.

atividades reservadas a brasileiros ou residentes - restrições absolutas e restrições relativas; e e) novas reservas de mercado;

Constituem monopólio da União (artigo 177)

I) a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;

II) a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;

III) a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;

IV) o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;

V) a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal.

Pelo Artigo 175, incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Fischer e Forster denominam tais serviços, quando prestados diretamente pelo Governo, de quase monopólios.

Fischer e Forster classificam e analisam ainda essas restrições da seguinte forma

RESTRIÇÕES CONSTITUCIONAIS RELATIVAS (dependem de lei complementar ou ordinária)

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis 143 FISCHER, Georges Charles; FORSTER, Susan Christina. Foreign investiment in Brasil: major legal obstacles, internal discussion paper, Latin America and the Caribbean Region. Report No.IDP-132. Washington: The Word Bank, 1993, apud BARRETO FILHO, Paulo de Mello. O tratamento nacional dos investimentos estrangeiros: restrições posteriores à Constituição de 1988.

complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.

Walter Douglas Stuber, ao analisar as restrições ao capital estrangeiro, afirmava ser a nova Carta

Passível de críticas na questão da ordem econômica e financeira, principalmente quando prevê restrições que terão ou poderão ter como decorrência impedir (ou afastar) a eventual colaboração e/ou participação do capital estrangeiro em determinados setores de nossa economia, que poderiam ser melhor desenvolvidos com a aparte de investimentos oriundos de outros países. 144

Paulo Roberto de Almeida previa dificuldades no plano internacional e observava

[...] Os dispositivos relativos ao tratamento favorecido para a empresa nacional de pequeno porte e concedendo preferência às empresas nacionais nas compras do Governo poderiam eventualmente entrar em choque com o consagrado princípio do tratamento nacional caso uma legislação multilateral abrangente - como a que está sendo atualmente negociada no GATT, por exemplo - venha hipoteticamente a regulamentar o setor de serviços em escala ainda não experimentada até aqui.

Segundo o mais conhecido especialista em GATT, John Jeckson145, a

obrigação de tratamento nacional pode ser encontrada em muitos tratados, alguns datados de muitos séculos.

Carlos Calvo146, jurista argentino do final do século passado, dizia que: “os estrangeiros que se estabelecem em um país têm o mesmo direito a proteção que os nacionais, mas não podem reclamar proteção maio”.