• Nenhum resultado encontrado

20 Folha de São Paulo (14/2/12) Deslocamento a pé ganha espaço em Denver, EUA Tradução de

2.2.7 Atividade física

Em entrevista a Veja, no ano de 2003, o Dr. Kenneth Cooper afirmou: “Se as pessoas não conseguem encontrar tempo para fazer alguma atividade física, que achem tempo para ficar doentes”28.

A prática sistemática e regular de atividades físicas como um meio de se obter saúde é quase uma imposição social no mundo contemporâneo. Os indivíduos, enclausurados em seus escritórios durante a maior parte do dia, pouco exigem do corpo em relação ao esforço físico fato que, em longo prazo, deteriora diversas funções fisiológicas e aumenta o risco às doenças cardiovasculares degenerativas. Um dos males do mundo moderno-contemporâneo, portanto, denomina-se sedentarismo.

O reconhecimento científico da relação entre atividade física e saúde fisiológica, entretanto, é recente. Apenas na década de 1990, a ciência e a medicina firmaram tal consenso, embora Hipócrates (460-377 a.C.), há mais de dois mil anos atrás, já preconizava a atividade física como essencial para a saúde. Em 1992, a American

Heart Association declarou que a inatividade física deixava as pessoas expostas a

28 Cf. Não basta ser magro (entrevista com Dr. Kenneth Cooper). Veja, 1788, 05/02/2003. Disponível em: http://veja.abril.com.br/050203/entrevista.html. Acesso: 03 Fev. 2014.

maiores riscos de doença coronariana e, em 1995, os Centers for Disease Control

and Prevention, em conjunto com o American College of Sports Medicine fizeram

uma declaração pública sobre a questão da atividade física como uma iniciativa da saúde pública (WILMORE; COSTILL, 2001), tal era a preocupação das autoridades governamentais em relação à saúde da população e, mais ainda, com os gastos públicos dela decorrentes.

O marco referencial do percurso histórico do estilo de vida ativo associado à saúde é o ano de 1968, com a publicação da obra Aerobics, do Dr. Cooper, que lançou a base teórico-científica da relevância da prática regular de atividades físicas de caráter aeróbico para a saúde e prevenção do risco coronário. Mas foi no início dos anos de 1980, que o jogging boom – ou a popularização de se praticar exercícios físicos como corrida e caminhada – atingiu o seu ápice e as pesquisas científicas proliferaram em numerosos artigos, sustentando a tese do Dr. Cooper sobre a associação entre atividade física e saúde fisiológica (WILMORE; COLSTILL, 2001). A partir de então, a prática da caminhada passa a ter outros sentidos, significados e objetivos para além do social e do cultural adquirindo, inclusive, um valor econômico. Um desses objetivos e talvez o que mais as pessoas buscam ao caminhar pelas ruas, avenidas e parques das cidades, trajadas com seus uniformes esportivos e orientadas por seus ‘treinadores’ eletrônicos, é o da boa forma física.

Para os padrões estéticos contemporâneos, o indivíduo deve expressar, pelo seu corpo em forma, a saúde, a beleza e a perfeição, ideais que podem ser alcançados pela prática regular e sistemática de atividades físicas, pelas biotecnologias (lipoaspiração, implantação de silicone, intervenções genéticas), pelo consumo exacerbado de suplementos alimentares e produtos diets, lights e cosméticos. No contexto da boa forma física – que se observa em constante difusão nas mídias – o corpo é o centro das atenções, e nele se estabelece uma “tirania do exercício físico”29.

29 Exercício físico é uma

“sequência planejada de movimentos repetidos sistematicamente com o objetivo de elevar o rendimento. O exercício físico constitui uma exigência básica para o desenvolvimento adequado do corpo” (BARBANTI, p. 249, 2003). Trata-se, assim, de uma atividade física controlada, regulada, que segue preceitos metodológicos embasados cientificamente e aplicada constante, sistemática e objetivamente para a obtenção do ‘efeito de treinamento’ e aumento do rendimento atlético, devendo ser prescrito e supervisionado por profissionais das áreas competentes. Consideramos que quando o indivíduo passa a dele depender para a satisfação de suas necessidades narcísicas, o exercício torna-se um “tirano” do corpo. Aqui entra a orientação dos especialistas e uma nova sujeição se estabelece: aquela em que o indivíduo não dá um passo sequer

O culto à boa forma física e o ritual que o acompanha e que se observa em academias de ginástica, parques públicos e calçadões à beira-mar, invadiu os domínios da vida social norte-americana desde os anos 1920-30, onde o espírito competitivo se arraigou nos indivíduos, propagado por uma moral do esporte e o desejo de vencer. Era na compleição robusta e no exercício físico que se buscava uma gratificação e prazer corporal, um modo utilitarista de se alcançar o bem-estar pessoal. O “sentir-se bem” com a boa forma física passa a ter sentido ao romper-se a moral puritana que proibia que o corpo sentisse prazer (COURTINE, 2005).

Deste modo, a atividade física se estabeleceu como um dos meios mais importantes para se compreender o fenômeno da expressão corporal na sociedade contemporânea. Esse indivíduo contemporâneo torna-se o responsável pela construção da sua identidade pessoal e que se faz a partir dos contornos do seu corpo, conforme Castro (2005). Esse corpo que se faz identidade na sua individualidade é o produto da dedicação por horas a fio às atividades físicas, aos hábitos alimentares rigorosos, consumo de cosméticos e tecnologias. Em suma, é o resultado da (auto) disciplina, da austeridade, da ‘escravidão’ à imagem de um corpo definido e eternamente jovem.

O espetáculo do corpo começa com a exposição dos músculos. Nas ruas, nas praias, nos shoppings centers, nos concursos de beleza, de fitness e fisiculturismo, o músculo desponta, desperta a curiosidade, admiração e inveja alheia. Ele é o centro das atenções nas propagandas que promovem a boa forma física, a saúde e o bem- estar. Está em todas as mídias; ele é um dos modos privilegiados de visibilidade do corpo no anonimato urbano das fisionomias, pois ele é o elemento central da cultura do corpo, se relaciona com ela, revela-a em seus extremos (COURTINE, 2005). Tal a sua influência nos valores da sociedade contemporânea, o músculo determina o corpo e este, por sua vez, a identidade pessoal.

Você descobrirá, como eu, que o desenvolvimento dos músculos o ajuda em todos os aspectos da sua vida. O que você aprender aqui afetará qualquer coisa que fizer em sua vida. À medida que você comprovar os frutos do seu trabalho, seu valor próprio e autoconfiança aumentam, e essas características influenciarão seu trabalho e suas relações interpessoais (SCHWARZENEGGER, 2001).

sem a consulta prévia aos detentores do conhecimento específico, pois proliferam inúmeras filosofias, métodos e modalidades de exercícios físicos e especialistas para todas as preferências.

O culto ao corpo, ou o culto a aparência e a exaltação ao ‘deus músculo’ é estimulado pelas mídias30 por meio de imagens de celebridades esbeltas, musculosas e definidas31, e a isto se associa a beleza e sucesso pessoal. Busca-se, desesperadamente, o padrão estético determinado pelas indústrias de cosméticos e de suplementos alimentares, com ampla divulgação pelas mídias e apelo das celebridades. Isso pode ser observado em revistas destinadas aos esportes e às atividades físicas, onde tudo é vendido como mercadoria preciosa, lucrativa – esse corpo que é sinônimo de saúde, forma física e beleza – e que pode ser obtido com uma rapidez sem precedentes32, um verdadeiro culto à satisfação pessoal instantânea (GONÇALVES JUNIOR, 2010).

Considerando-se o contexto da boa forma, do corpo definido e do exercício físico, a caminhada, assim, apresenta-se como uma atividade que deve ser controlada com rigores científicos e tecnológicos, prescrita e acompanhada por especialistas (médicos e educadores físicos), para que, no âmbito desse exímio controle, dela se obtenha todos os potenciais benefícios que, como se apregoa na mídia, promoverão não apenas um corpo esbelto ou atlético, mas saúde fisiológica e qualidade de vida. Caminhar, então, se torna uma prática legitimada pela ciência e referência de um estilo de vida ativo e saudável, em detrimento a qualquer outro tipo de manifestação que escape ao rígido controle científico-tecnológico dos especialistas.

A instituição da caminhada como atividade física e exercício físico direcionado à manutenção da saúde do indivíduo e mesmo como um apelo à saúde coletiva, integra-se ao sistema das relações sociais, políticas, econômicas e culturais que perpassam e permeiam o complexo conjunto de ideias e valores pertencentes ao

30 A publicidade veiculada na grande mídia exerce influência determinante nas decisões da sociedade

de consumo. Tal publicidade é o resultado da crescente produtividade do sistema capitalista, que possibilitou a melhoria do padrão de vida e, assentando suas bases em um marketing agressivo aliado à comunicação em larga escala, originou uma padronização de gostos – uma cultura de massa – que, dos Estados Unidos da América, alastrou-se inicialmente para a Europa (JUDT, 2008). O fenômeno do gosto padronizado, entretanto, não é uma referência exclusiva ao sistema capitalista, embora com ele tenha alcançado o auge da expansão. No século XVII, por exemplo, a sociedade de corte, exercia, por intermédio do rei e da nobreza, influência decisiva nos vestuário e comportamento geral da aristocracia, ditando-lhe as normas da etiqueta (RIBEIRO, 1998).

31 No universo do fitness

, ‘corpo definido’ conota corpo delineado, esculpido, simetricamente perfeito (Cf. Corpo definido. Disponível em: http://www.copacabanarunners.net/corpo-definido.html. Acesso em: 04 Fev. 2014).

32 (Cf: Veja o treino que fez o Mister Brasil perder 7 kg em dois meses. Disponível em:

http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/album/1105_mrbrasil_album.jhtm. Acesso em 19 Jul. 2012).

cotidiano da sociedade contemporânea. Caminhar, neste viés, passa a fazer parte dos discursos públicos relacionados ao bem-estar e qualidade de vida da população, impelindo os indivíduos a adotarem determinadas condutas pessoais em conformidade com normas, controles e padrões de qualidade da saúde preestabelecidos pela organização social competente. Com a ciência e a tecnologia, àqueles que não se enquadram às normas resta-lhes o compromisso individual de assumir os riscos de sua conduta pessoal (CASTIEL et al. 2010).

Documentos relacionados