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2.2 A caminhada e seus usos culturais e sociais no Brasil

2.2.5 Caminhada e cidade

Congestionamento. Esta palavra é a marca registrada que caracteriza as ruas das maiores cidades brasileiras. Em São Paulo, por exemplo, passar horas, estagnado, atrás de um volante de automóvel, parece ter se tornado a vocação do paulistano. A consolidação do automóvel, no início do século passado, como meio principal de locomoção do ser humano alterou, radical e definitivamente, a relação do indivíduo com a rua e com a cidade. Se a rua era antes um caminho para as pessoas se deslocarem a pé pela vila, os tempos modernos inflacionaram-na de veículos motorizados dos mais variados tipos, expulsando da rua o pedestre – “aquele que anda com os pés no chão”19, e transformando as cidades modernas em um reduto quase exclusivo dos veículos motorizados.

A indústria do automóvel no Brasil, desde os anos de 1950, despeja nas ruas uma quantidade e variedade de veículos tamanha que, transitar a pé se tornou, na

19 Conforme definição encontrada no Dicionário Etimológico. Disponível em:

maioria das cidades, em uma aventura destemida, algo inviável, quase sem solução. Enquanto, para o escoamento dos automóveis, inúmeras avenidas foram abertas ao longo dos anos e obras públicas são projetadas para melhor atender o tráfego de veículos motorizados, pouco se fez ou se faz para proporcionar meios adequados para o pedestre deslocar-se pela cidade com segurança, conforto e satisfação. Estas cidades, com suas longas e largas avenidas e seus intermináveis complexos viários, transformaram-se no império do automóvel – do carro particular, precisamente – dificultando ou mesmo tornando quase impossível ou improvável a circulação segura e prazerosa do pedestre em suas ruas. A maioria de nossas cidades, devido à sua constituição urbana moderna, reduziu a sua capacidade de promover a caminhada como um elemento comum aos seus habitantes e fator de convivência nos espaços públicos. No caso de Brasília, capital do nosso país, esta já nasceu sob a égide do progresso representado pelo uso irrestrito do automóvel particular, bastando para isso observar suas amplas e longas avenidas projetadas antes para carros circularem, que para pessoas caminharem.

Como obra e produto da inventividade humana, entretanto, a cidade é o lugar não apenas de moradia e trabalho do ser humano, porém, o local onde se acumulam suas riquezas artísticas, históricas, culturais e monetárias. Ela se constitui no centro da vida social, política e econômica dos seres humanos e sua estrutura e função expressa os valores, os conhecimentos e as crenças destes. Tais aspectos podem ser observados na arquitetura, nos monumentos, nos usos e costumes de suas ruas, praças e edifícios, no comércio e serviços em gerais que nela se oferecem. Em suma, a cidade representa o poder centralizado (econômico, político, cultural e ideológico) de uma sociedade que se caracteriza pelo modo urbano de viver – com suas indústrias, escritórios, os negócios e o consumo – e, em cujo cenário, se manifestam as inúmeras necessidades sociais dos indivíduos que nela habitam (LEFEBVRE, 2001).

No contexto desta cidade como espaço de interação social – de circulação de pessoas, da multidão caminhando pelas ruas em seus afazeres cotidianos – o predomínio dos carros particulares, como meio de locomoção, acaba por determinar os projetos urbanísticos que, em sua maioria, tendem a atender as demandas relacionadas aos aspectos que facilitam a circulação dos automóveis em detrimento

da circulação do pedestre, este, considerado pelo autor citado como aquele que promove vida à cidade.

A caminhada, portanto, mantém estreita relação com a rua e a cidade. Para Hillman (1993), a caminhada é o movimento humano básico que nos proporciona, além do deslocamento, a tranquilidade da mente e o relaxamento do corpo; e cidade significa o vai-e-vem da multidão, de pessoas comuns caminhando pelas ruas – estas, vívidas, sagazes e expressivas, em nada comparado com a frieza e a inexpressividade das faces por detrás de um volante de automóvel.

Embora, no Brasil, a mentalidade do uso irrestrito do automóvel parece dar sinais de mudanças em nome da qualidade de vida, ainda que por iniciativa pessoal ou de alguns grupos, em outros países a caminhada, cada vez mais, proporciona debates em torno de sua utilidade como recurso sustentável para a vida urbana.

Exemplo disso é a reportagem veiculada pelo New York Times e divulgada pela Folha de São Paulo20 e que mostra a cidade de Denver, Colorado, como candidata a “comunidade aberta aos caminhantes”. Explica-se: Colorado, nos Estados Unidos, é o estado que apresenta a menor proporção de obesos dentre todos os demais estados norte-americanos, devido ao grande número de pessoas que praticam atividade física, principalmente nos finais de semana.

Assim, pelo trabalho conjunto de um médico cardiologista e uma arquiteta busca-se estimular e efetivar a ideia de caminhada não apenas como atividade física, porém, como meio de locomoção natural. Walk Denver é a entidade que foi instituída para representar, politicamente, o grupo daqueles que caminham, cotidianamente, como meio de locomoção, sem apelos aos modismos estéticos e comerciais.

O ideal de criação de uma “cidade de caminhantes”, como apregoa os idealizadores da proposta, passa pela elaboração de projetos urbanísticos que atendam às necessidades de quem caminha, como, por exemplo, calçadas amplas para facilitar o deslocamento e acesso aos ambientes, além de atrações específicas aos pedestres. Para o cardiologista, “estamos aqui porque o exercício é o melhor

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