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2.3 Atividade humana e concepção

2.3.1 Atividade na perspectiva da Teoria da Atividade

A teoria da atividade histórico-cultural foi originalmente proposta na psicologia soviética por Lev Vygotsky durante as décadas de 1920 e 1930. Seu desenvolvimento foi continuado por Alexei Leontiev e evoluiu ao longo de três gerações de pesquisa (ENGESTRÖM, 2013).

Primeiramente, Vygotsky introduziu a ideia de mediação, superando o conceito de atividade centralizada no esquema de estímulo e resposta, mas constituída pela tríade sujeito, objeto e artefato de mediação, representados como um triângulo (ENGESTRÖM, 2013). Os artefatos de mediação são componentes integrais e inseparáveis do funcionamento humano, transformados e criados ao longo do desenvolvimento da atividade. Estes podem ser representados por instrumentos, signos, procedimentos, máquinas, leis e formas de organização (KUUITTI, 1995).

Ao inserir o artefato como mediador da ação humana foi superada a separação entre indivíduo e estrutura social, uma vez que os indivíduos utilizam e produzem os artefatos, os quais são culturais. Mas a limitação desta geração foi manter a unidade de análise

focada no indivíduo. De acordo com Engeström (1999) a representação da atividade adotada na primeira geração da teoria não explicita a natureza social e colaborativa das ações, as quais parecem separadas do sistema de atividade coletiva.

A segunda geração foi liderada por Alexei Leontiev que elaborou as noções de meta e objeto, o qual distingue as atividades e é central na análise da mediação (DANIELS, 2001). A atividade é uma unidade de vida que é mediada pela reflexão mental e tem a função de orientar o sujeito no mundo dos objetos. Para o autor atividade não é uma reação ou um conjunto de reações, mas se caracteriza como um sistema com sua própria estrutura, suas próprias transformações internas e seu próprio desenvolvimento. Este sistema existe somente inserido em outro sistema de relações sociais (LEONTIEV, 1978).

Nesta perspectiva, Leontiev (1978) ressaltou que a atividade é determinada pelo contexto social, condições materiais e fatores individuais. Cada atividade responde a necessidades e motivos específicos do sujeito que a realiza. As necessidades relacionam-se a um estado de privação do organismo e os motivos, aos desejos, especialmente em satisfazê- las.

Para Leontiev (1978) a atividade existe somente na forma de uma ação ou a uma cadeia de ações, as quais estão relacionadas a metas e podem servir a diferentes atividades. A ação é o componente mais importante da atividade, logo, esta pressupõe o alcance de uma série de objetivos parciais e global. Daniels (2001) salienta que a atividade não é redutível as ações, as quais, diferentemente da atividade, têm curta duração e início/fim bem definidos.

Além dos aspectos intencionais relacionados às ações, estas se constituem por circunstâncias operacionais, as quais são definidas por conjunturas objetivas representadas pelas condições nas quais a atividade se desenvolve. Os meios ou condições práticas pelas quais a atividade é realizada são denominados por Leontiev (1978) como operações. Assim sendo, as ações são constituídas por metas/objetivos, enquanto que as operações são compostas por condições instrumentais ou objetivas. Na atividade estes componentes estão interligados.

Entretanto, de acordo com Engeström (1999) apesar de Leontiev descrever os níveis da atividade e a inserção destas no contexto social, não foram explicados os componentes fundamentais que interagem no sistema de atividade, os quais ficam reduzidos ao sujeito, objeto e artefato de mediação e não retratam a estrutura da atividade coletiva. Diante de tais questionamentos, em 1987 Engeström propôs um modelo da segunda geração da teoria, o qual é apresentado na Figura 7 (ENGESTRÖM, 2013).

Figura 7 – Segunda geração da estrutura da atividade humana.

Fonte: Extraído de Engeström, 2013, p. 73.

O modelo representa as ações individuais e grupais inseridas em um sistema de atividade coletiva. Para Engeström (2013) as ações orientadas para o objeto são caracterizadas por ambiguidade, surpresa, interpretação, produção de sentido e potencial de mudança. Nesta perspectiva, o conceito de atividade traz uma evolução ao incorporar como foco de análise as inter-relações complexas entre o sujeito e a comunidade.

De acordo com Engeström (1999) a atividade é infinitamente multifacetada, tem mobilidade e dinamismo e é rica em termos de variações de formas e conteúdos. Além disso, é uma formação cultural orientada a um objeto, possui sua própria estrutura e não pode ser reduzida a uma fonte individual e psíquica interna, devendo ser considerada na sua natureza fundamentalmente cultural e social.

A segunda geração destaca as relações do sujeito-comunidade enquanto aspectos integrais do sistema atividade e salienta a importância da análise das interações com os elementos coletivos, tais como as regras e a divisão do trabalho (ENGESTRÖM, 1999).

De acordo com Daniels (2001) a expansão da teoria na segunda geração promoveu a análise do sistema de atividade para o macro nível do coletivo e da comunidade, ao invés de permanecer concentrado no micro nível do ator individual. O autor destaca que o artefato é um componente integral e inseparável do funcionamento humano, entretanto, estudar a mediação implica em fazê-lo na sua relação com os outros componentes do sistema de atividades.

Ao enfatizar as inter-relações entre sujeito e coletividade, destacou-se a natureza conflituosa da prática social e as contradições que ocorrem no sistema de atividades, as quais se constituem como tensões estruturais historicamente acumuladas e que podem mobilizar mudanças e o desenvolvimento. Deste modo, a atividade é realizada por meio de Triângulo que representa a

primeira geração da teoria da atividade

constantes negociações, reorquestrações e lutas entre as diferentes metas e perspectivas dos participantes (DANIELS, 2001).

O desafio para a terceira geração da teoria da atividade foi compreender a natureza não isolada dos sistemas e as redes de interações nas quais estes se inserem. Assim sendo, o modelo foi expandido para representar ao menos dois sistemas de atividade em interação, seus diálogos e múltiplas perspectivas, conforme mostra a Figura 8 (ENGESTRÖM, 2013).

Figura 8 – Interação de dois sistemas de atividade – Terceira Geração da Teoria da Atividade

Fonte: Extraído de Engeström, 2013, p. 75.

No modelo o objeto é representado como um alvo em movimento que se move de uma “matéria-prima” não refletida e dada situacionalmente (objeto 1) para um objeto coletivamente significativo construído pelo sistema de atividades (objeto 2) e um objeto potencialmente compartilhado ou conjuntamente construído (objeto 3) (ENGESTRÖM, 2013). Como exemplo, pode-se pensar em um passageiro específico que chega a um aeroporto (objeto 1), esse passageiro é considerado em uma categoria determinada de cliente, portanto um objeto com condições gerais de transporte de acordo com a categoria (objeto 2), por último, o objeto é construído conjuntamente considerando as definições da categoria e sua condição e necessidades específicas de transporte (objeto 3). A construção e redefinição do objeto revelam o potencial criativo da atividade (DANIELS, 2001).

Em síntese, na perspectiva da teoria, a atividade é sistêmica, mediada pelo artefato, orientada para o objeto e está inserida em uma rede de interações com outros sistemas, constituindo-se como a unidade principal de análise. As ações individuais e coletivas são relativamente independentes, mas interligadas e podem ser compreendidas somente quando inseridas no contexto (ENGESTRÖM, 2013).

O sistema de atividades é uma comunidade com múltiplas perspectivas, tradições e interesses que exigem tradução e negociação uma vez que estas serão fonte de conflito e inovação. Este sistema é dinâmico e tem historicidade, ou seja, transforma-se ao longo do tempo, mas mantêm traços das atividades anteriores nas novas ações. Além disso, para o seu desenvolvimento são centrais as contradições que se acumulam, gerando perturbações, mas com potencial para inovações que modificam a atividade (ENGESTRÖM, 2013).

O sistema de atividade possibilita transformações expansivas, uma vez que diante do agravamento das contradições os indivíduos começam a questionar o sistema e desviam-se das normas preestabelecidas. Inicia-se um ciclo que se institui a partir de uma relação entre internalização, reprodução da cultura e aprendizados anteriores e; externalização, criação e produção de novos artefatos. Tal condição leva em alguns casos a um esforço de colaboração e construção de mudanças deliberadas conjuntamente (ENGESTRÖM, 2013; DANIELS, 2001).