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Atividades de Iniciação

No documento moacyrmaiagitirana (páginas 180-189)

A Mentalidade Militar: Realismo Conservador da Ética Militar Profissional

CONCLUSÃO: A SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO E A TEORIA SOCIOLÓ GICA

4) Você já observou casos de filhos de pessoas bem situadas no Exército (ou na própria EsPCEx)

4.1.3 As atividades formais

4.1.3.1 Atividades de Iniciação

Além da abordagem já vista em Castro para o período de adaptação, podemos também destacar e interpretar algumas das atividades deste período pela ótica Goffmaniana, também relacionada a aspectos vistos em Berger e Luckmann: o sujeito vem para ser subme- tido a um processo de alternação, logo, deve ser buscada a reconstrução de sua identidade pregressa e, para isto, são tradicionais algumas das medidas vistas em GOFFMAN (2003, 11). A primeira e básica é passar a estar sujeito à condição em si que, como já vimos, caracte- riza a situação de uma organização como total: “local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por con- siderável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada.” É possível relativizar o enquadramento da situação discutindo as noções de “considerável período de tempo” e “vida fechada”, na medida em que os alunos, desde a EsPCEx, geralmente têm pelo menos os fins de semana livres (fora as liberações à noite, progressivas do 1.º ao 4.º ano, na AMAN), quando não estão punidos ou com instrução excepcionalmente prevista para o perí- odo; mas, de qualquer forma, em linhas gerais me parece aplicável a definição, até porque,

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“Esperto”, que consegue se “safar” bem de dificuldades. É claro que o pessoal com mais conhecimento prévio do mundo militar tende a ser, no início, mais “safo” que os não familiarizados.

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Gíria para o candidato/militar inexperiente e/ou desajeitado, que, portanto, teria necessidade de ser orientado, daí a origem do nome, que, Cf CUNHA (1989, 112), é do italiano bisogno, “necessidade”.

mesmo com saídas em fins de semana, muitos alunos não podem ou, eventualmente, não que- rem ir para suas casas de origem, e se situar na cidade sede (Campinas, no caso da EsPCEx; Resende, no caso da AMAN) e desenvolver interações semelhantes às que jovens civis têm – quando moram com sua família de origem, e estudam em colégios com presença feminina – não é comum, ainda mais em Resende, onde a cidade é pequena e, tradicionalmente, os cade- tes são facilmente identificados por suas tipificações, de conduta e mesmo físicas, e acabam se desenvolvendo interações tipificadas, “institucionalizadas”, entre o universo local e os ca- detes, as quais tendem a impedir que estes tenham vida “normal” na cidade190, ou seja, as próprias condições sociais dos alunos tendem a mantê-los isolados da sociedade local, mesmo quando podem se aproximar fisicamente, e por isto muitos dos que ficam na cidade sede nos fins de semana acabam usando pouco do tempo livre para saírem do universo para o qual mi- graram.

Além deste relativo “fechamento” da vida no novo universo “total”, outra caracte- rística básica a que o aluno se sujeita é a administração de sua vida por uma equipe dirigente, e uma das marcantes tarefas iniciais desta em relação aos alunos é, logo que estes chegam, ensinar a eles exatamente que, traduzindo nos termos de GOFFMAN (2003, 18), “existe uma divisão básica entre um grande grupo controlado, que podemos denominar o grupo dos inter- nados, e uma pequena equipe de supervisão.” Este autor observa que a equipe dirigente tende a ver os internados como “amargos, reservados e não merecedores de confiança”, e estes, a ver aqueles como “arbitrários e mesquinhos”, em “estereótipos limitados e hostis”. Em nosso caso, a tendência à visão estereotipada existe, claro; mas, como desde a partida já existe a definição de que os internados passarão, diacronicamente, para o lado da equipe dirigente, ocorre a identificação daqueles com estes, ainda mais que, como já vimos, a parte da equipe dirigente responsável mais diretamente pela administração da vida dos internados são os “ins- trutores”, normalmente oficiais de destaque em suas carreiras, geralmente com cursos do Exército que lhes conferem toda uma mística de prestígio altamente tipificado, de forma que se estabelece a priori uma admiração profunda do aluno pelos seus instrutores, que passarão a cumprir, então, a necessidade – mencionada por BERGER & LUCKMANN (2002, 208) – de outros significativos, oferecendo uma estrutura de plausibilidade, com a respectiva identifi- cação afetiva que deve estar presente, para se aumentar o senso de realidade, a plausibilidade do novo mundo a habitar. É claro que esta é uma situação ideal, que, como vemos na discus- são de CASTRO (1990, 23) sobre o tema, tem graus de variação, e ele menciona inclusive “a

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Cf CASTRO (1990, 152): “É difícil encontrar um cadete que goste de Resende. São comuns as brigas e de- sentendimentos entre cadetes e jovens civis”.

análise feita por Simmel (1939) da diferença entre a ascendência por meio da „autoridade‟ e a ascendência por meio do „prestígio‟, que coincide com a distinção feita pelos cadetes entre „chefes‟ (ou „comandantes‟) e „líderes‟.191

Mas, enfim, independente desta peculiaridade, e voltando à dicotomia internados x equipe dirigente, esta tem como uma de suas importantes tarefas, no período de adaptação, reforçar para os que trazem socialização antecipatória, e transmitir, para os que não trazem, o conhecimento deste aspecto estrutural, e obter dos alunos então o comportamento tipificado que se espera que adotem em relação a esta instituição de autoridade no novo mundo. É co- mum, neste período, a “bronca”192 tipificada recebida pelo aluno “bisonho” que, após as ins- truções formais respectivas, demora a incorporar o papel do subordinado e, em vez de tratar um integrante da equipe dirigente como “senhor”, o trata por “você”. Mesmo o uso de expres- sões “inocentes”, como fazer a pergunta “O quê?” a um superior, quando o aluno é chamado, ou não entendeu algo que aquele falou, é motivo de correção: “„O quê?‟ não, aluno! É „Se- nhor?‟”193

.

O ingresso do internado, para GOFFMAN (2003, 25), é muitas vezes caracteriza- do por algo que ele refere como “processos de admissão”, que não deve ser confundido, em nosso caso, com o processo seletivo, mas que corresponde, em linhas gerais, às primeiras atividades a que se conduzem os candidatos, logo após sua chegada:

Obter uma história de vida, tirar fotografia, pesar, tirar impressões digitais, atribuir números, pro- curar e enumerar bens pessoais para que sejam guardados, despir, dar banho, desinfetar, cortar os cabelos, distribuir roupas da instituição, dar instruções quanto às regras, designar um local para o internado.

A formalização de alguns destes procedimentos, particularmente os de caráter identificatório, parecem, de forma geral, a contrapartida física, e a iniciação da troca mais ampla de identidade que se pretende construir; mas, no caso militar, certamente o que mais se destaca, neste processo, é conferir aos ingressantes os uniformes militares e, a partir daí, a uniformização da vestimenta passar – com toda sua tipificação e índices de significação insti-

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“Esta análise poderia ser também aproximada da tipologia de Max Weber, quando é feita uma distinção entre autoridade „tradicional‟ e „carismática‟.” (Nota de Castro)

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O termo comum usado no meio para “bronca” é “mijada”, constituindo sugestiva analogia metafórica de um tipo de “mortificação” que, Cf GOFFMAN (2003, 48), chega a ocorrer, em sentido denotativo, em “campos de concentração e, em menor escala, nas prisões”.

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Cf semelhança com referência de GOFFMAN (2003, 26) ao “momento em que as pessoas da equipe dirigente dizem pela primeira vez ao internado quais são suas obrigações de respeito”. Logo em seguida, ele refere uma situação que parece ser mais próxima à de um presídio: “os momentos iniciais de socialização podem incluir um „teste de obediência‟ ou até um desafio de quebra de vontade; um internado que se mostre insolente pode receber castigo imediato e visível, que aumenta até que explicitamente peça perdão ou se humilhe.”

tucional que carrega – a fazer parte integrante de todo o resto da vida militar, no mínimo den- tro dos quartéis, nos horários de expediente, sendo que, dentro dos limites físicos da AMAN, os cadetes devem estar uniformizados o tempo todo, mesmo em horários fora de expediente, e os oficiais que lá servem ou adentram devem seguir o mesmo procedimento, com exceção para uns poucos locais – como o cinema acadêmico – desde que em horário fora do expedien- te.

Não sendo o uso de uniformes algo que se vá chamar de uma “atividade”, é, no entanto, um dos aspectos institucionais mais significativos a tipificar a condição de ser mili- tar, o que se demonstra inclusive pela máxima segundo a qual “o uniforme é uma segunda pele”, noção complementar de outra, já mencionada neste trabalho, de que “o militar é militar 24 por dia, com ou sem uniforme”. Já tivemos oportunidade de destacar, em nota, uma obser- vação de SOETERS et alii (2006, 240), tratando da “Cultura Militar”, mas quando a intenção era destacar a hierarquia e disciplina como dois pilares básicos desta cultura; aqui, porém, voltamos à referência, desta vez enfatizando que, antes destes dois aspectos – sempre referi- dos no EB como “os dois pilares sobre os quais o Exército/FA se organizam194

– os autores situam como específico de organizações militares, “o caráter „comunal‟ de uma vida de

uniforme”. (grifos do original)

Fardas, tendo características típicas que nos permitem distinguir, praticamente em qualquer lugar, os militares – ou grupos que a eles pretendam se assemelhar – são então índi- ce físico universal – da mesma forma que um tipo universal de ética militar – através do qual estes se identificam uns com os outros e, pelos detalhes de cada farda, se distinguem uns dos outros; sendo que os aspectos mais gerais facilitam a identificação de todos como militares, uns com os outros, em distinção ao mundo civil, e os detalhes de cada farda permitem as dis- tinções internas, imperceptíveis aos olhos externos. Este fator parece ser tão poderoso, que é difícil imaginar que CASTRO (1990, 171) teria estabelecido, no meio de cadetes com que participou de atividades de treinamento militar, um nível tão grande de identificação recíproca que relata ter havido entre ele e o grupo, se não tivesse participado com um uniforme militar, emprestado por um oficial. A identificação foi tal, que ele a relata assim:

Durante o exercício vivi algo que, com evidente exagero, chamaria de „amnésia antropológica‟. Para usar uma expressão contemporânea, “entrei no barato” e esqueci, em boa parte do tempo, do fato de que estava ali como um pesquisador. A integração com os colegas da patrulha foi o principal estímulo a essa amnésia. À medida que o tempo passava, eles iam me dizendo que eu “realmente parecia um mi-

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Cf Estatuto dos militares: “As Forças Armadas, (...) São instituições nacionais, permanentes e regulares,

organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e

litar”, que “estava na profissão errada”, que “depois dessa” eu ia querer entrar pra Academia. Durante os deslocamentos, que deveriam ser feitos “em situação” – isto é, como se fosse uma situação de guerra real –, corri, escondi-me e “ralei” junto com os cadetes. Eles por várias vezes me chamaram de “guerreiro” – tratamento comum no Exército – e disseram que a minha vocação era ser infante – com o que, então, quase concordei.

(...)195

Dois dias mais tarde retornei à Academia, e tive uma surpresa. Alguns cadetes disseram que “só se falava na AMAN sobre o sociólogo que tinha ido na F.I.T.”, que essa era “a sensação do momento” e que jácorriam boatos de que eu também participaria das SIEsp ou do Manobrão; os da “minha” patrulha dis- seram que “a patrulha tinha ficado histórica”, pois “todo mundo” perguntava por minha participação. Sem que eu me desse conta, aquele exercício tinha sido um rito de passagem. A partir daí o número de volun- tários autênticos aumentou, oficiais ofereciam-se espontaneamente para colaborar, o formalismo com que até então eu era tratado terminou.

É claro que ter se investido da execução de ações típicas de militar, na patrulha, compôs um contexto, junto com o sistema simbólico da vestimenta, para comunicar aos inte- grantes do grupo aquele senso de identificação, mas me parece que o aspecto visual do uni- forme tem uma objetividade que lhe confere efeito coercitivo muito grande. Enfim, parece que a instituição de uso de fardas é essencial para a produção e conservação da realidade sub- jetiva, baseada em outros significativos, e no conjunto de todos os outros menos significati- vos, que constituem um imenso “coro”, confirmando uma identidade militar.

Outro aspecto que existirá ao longo de toda carreira como característica, às vezes mais presente, às vezes menos, da vida militar, mas que, na formação, é muito mais destaca- do, e logo ensinado aos alunos, é um conjunto de índices de submissão dos internados à equi- pe dirigente, que GOFFMAN (2003, 24) chama, no subtítulo “O mundo do internado”, de “profanações”, ou “mortificações”, ou “mutilações” do eu, e ilustra, ao longo desta parte, com vários tipos de exemplos, correspondentes a certos conceitos: o “despojamento do papel”, “indignidades físicas”, “respostas verbais humilhantes”, “exposição contaminadora”, o “cir- cuito”, a “arregimentação”, “renúncia à vontade”, as “regras da casa”, sistemas de prêmios e castigos, etc. Estes exemplos se aplicam, em menor ou maior grau, ao nosso caso, eventual- mente realizados ou traduzidos em situações e atividades como a barreira ao mundo externo, administração do tempo praticamente total do internado, posições físicas de submis- são/continência, “exercícios de vivacidade”196, deferências de tratamento verbal, necessidade de permissão para coisas banais, perda de privacidade, sanções por mostrar desagrado, uso de

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No parágrafo omitido, o autor se refere a uma situação de mal-estar que sentiu, ao presenciar insultos de um instrutor a um cadete que não conseguia executar uma atividade da instrução, aparentemente por medo de altura. Nos anos seguintes, este tipo de atitude diminuiu muito, por exigência dos altos escalões (análogas às que já comentamos sobre os trotes), e na linha da convergência de JANOWITZ (1971, 38 e ss.), diminuindo o exercício de autoridade por dominação, no sentido de uma mais baseada em liderança, “manipulação e persuasão”.

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defesas do internado para cobrá-lo, regulamentação de segmentos mínimos de atividade197, execução de atividades em conjunto com o grupo, etc.

Enfim, tanto em Goffman quanto em Castro, encontra-se vasto material mostran- do certo exercício de autoridade sobre os alunos, com a ressalva já feita em nota sobre a ten- dência de mudança numa linha de raciocínio janowitziana. No primeiro temos uma visão que se poderia considerar mais crítica, talvez por isto evitada por Castro, que parece mais identifi- cado com seu objeto. GOFFMAN (2003, 49) chega a relativizar os relatos que faz em tom de denúncia, quando faz uma ressalva: “No entanto, como já sustentei, a relação entre processos cognitivos e outros psicológicos é muito variável: segundo a linguagem expressiva e geral de nossa sociedade, o fato de nossa cabeça ser raspada é facilmente percebido como mutilação do eu, mas, se essa mortificação pode enfurecer um doente mental, pode agradar a um mon- ge.” No entanto, CASTRO (1990, 23) parece ter compreendido melhor a dupla face, no caso militar, do papel dos instrutores, e sua função afetiva para propiciar uma estrutura de plausi- bilidade à alternação dos formandos: “embora os oficiais sejam vistos pelos cadetes como aqueles que têm poder, que os pressionam e punem, por outro lado esses mesmos oficiais são modelos daquilo que os cadetes pretendem vir a ser.”

Aliás, talvez por esta identificação imediata entre alunos da EsPCEx-AMAN e seus instrutores – que fazem com eles algo bem próximo do que a maioria mais tarde vai fazer com soldados – possa a formação do “espírito militar” no Exército ser eventualmente mais eficaz que as da Marinha e FAB, como sugerem declarações de cadetes a CASTRO (1990, 97/9). Nestas outras FA‟s, o aspirante/cadete, como já mencionamos, pode ter como uma de suas principais motivações o emprego e operação de equipamentos bélicos como o navio e avião, e as atividades militares rotineiras que seus instrutores administram – ordem unida, formaturas, “ralações”, etc., e que talvez sejam mais típicas deste “espírito militar” – podem ser vistas mais como complementos de que ele tem que se livrar até chegar à parte técnica profissional que o motiva mais, enquanto o cadete do Exército poderá aceitar melhor esta parte tradicional da formação militar como base de seu futuro trabalho.

Sobre “profanações do eu”, a título de ilustração etnográfica eu poderia apresentar longa série de relatos de casos, mas talvez não valha tanto quanto ilustrar a tendência de di- minuição deste tipo de recurso (já mencionada em nota), relatando um caso que presenciei numa de suas consequências significativas desta tendência: Em 1999, vi um oficial receber,

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Cf também CASTRO (1990, 42): “A idéia dos oficiais é que eles têm que „apertar‟ os cadetes em coisas pequenas, como puni-los por estarem com o cinto sujo ou o lençol da cama mal esticado, para que não venham a se preocupar com coisas grandes.”

como punição institucional (coisa rara para oficiais), uma repreensão verbal diante dos pares, na EsPCEx, por ter jogado água nas costas de um aluno, para lhe chamar a atenção num erro, num exercício de campo, e na época do trabalho de Castro tal punição seria improvável. Ali- ás, para contrapor este episódio a um daqueles típicos de “profanação do eu” que tradicional- mente eram comuns, e não deixar de mencionar pelo menos um marcante, neste sentido, nada melhor do que mostrar certa ironia que envolve a história do comandante que estava à frente da EsPCEx, no episódio desta punição relatada. Um dos oficiais que trabalhavam comigo na época disse que este comandante tinha sido instrutor na EsPCEx, na época em que ele era aluno (fim da década de 70), e, rindo, “dramatizando”, contou sobre o ex-instrutor o seguinte: “Um dia eu estava passando [como aluno] num corredor com uniforme de Educação Física, e a camisa do traje tinha um furinho. Ele me chamou, meteu o dedo no furo, e começou a falar aos berros, „ensandecido‟: „Aluno! O que é isso? Você está nu? Você está nu, Aluno!!‟, e rasgou minha camisa toda...”198 Este mesmo instrutor, anos mais tarde, já como comandante, e sob nova tendência convergente (de generais do alto comando) da organização de evitar excessos nas sanções a alunos, estava à frente do episódio da punição de um instrutor, por procedimento “terapêutico” semelhante àquele que, anos antes, ele havia protagonizado.

É claro que a “ironia” é das mudanças das condições sociais no tempo, e em cada épo- ca o oficial estava agindo conforme o que lhe parecia esperável, em seu papel; assim como o oficial punido já no apagar das luzes da década de 1990 também estava executado seu papel conforme o tinha apreendido, segundo certa linha tradicional; mas parece que o espírito mili- tar, a mentalidade militar é construída naquela relação dialética entre o que é aprendido por força de estruturas tradicionais, de um lado, e a capacidade de influência das ações individuais dos integrantes da estrutura, sobre ela, conforme o poder de influência de cada um, em cada localização na estrutura, e já sabemos que aquilo que os generais, por decisões individuais, tentam mudar, em sua esfera de atuação institucional, tem grande probabilidade de ser de fato mudado, apesar de o Exército ser, de maneira geral, uma organização conservadora e tradi- cionalista. Para terminar, mais dois comentários: este comandante, que na época em nada lembrava a imagem do instrutor do relato deste colega, hoje é general de divisão (penúltimo posto da carreira, em tempos de paz), o que é alguma evidência de que ele fez uma carreira com comportamentos coerentes com o que se esperava dele institucionalmente, ou seja, sua mudança de postura provavelmente é indício de mudança de fato institucional, à semelhança de uma convergência janowitziana; e outra “ironia” neste relato é que o oficial que me relatou

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o episódio o fez às gargalhadas, e ele mesmo também tinha sido instrutor da EsPCEx anos antes deste relato e, claro, alguns anos depois do episódio relatado. A diversão dele ao contar a história, somada ao fato de ele mesmo depois também ter sido instrutor na EsPCEx (a prin- cípio, índice de ter tido socialização militar bem sucedida), de certa forma demonstra que, mesmo que, no momento do relato, ele tenha se sentido mal, a interpretação subjetiva dele

No documento moacyrmaiagitirana (páginas 180-189)