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O Construcionismo aplicado à Sociologia Militar

No documento moacyrmaiagitirana (páginas 157-161)

A Mentalidade Militar: Realismo Conservador da Ética Militar Profissional

CONCLUSÃO: A SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO E A TEORIA SOCIOLÓ GICA

3.3 O Construcionismo aplicado à Sociologia Militar

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Achei esta passagem em MAUSS (2003, 187): “Nesses fenômenos sociais „totais‟, como nos propomos cha- má-los, exprimem-se, de uma só vez, as mais diversas instituições: religiosas, jurídicas e morais – estas sendo políticas e familiares ao mesmo tempo –; econômicas – estas supondo formas particulares da produção e do consumo, ou melhor, do fornecimento e da distribuição –; sem contar os fenômenos estéticos em que resultam esses fatos e os fenômenos morfológicos que essas instituições manifestam.”

O construcionismo como forma de buscar síntese entre abordagens unilaterais em dicotomias clássicas, conforme já vimos discutido em várias referências, pode ser importante especialmente no caso da sociologia militar, porque, como afirma NUCIARI (2006, 61), há uma “divergência natural entre sociedade militar e civil”, o que provavelmente já se pode atestar no conhecimento comum, no qual circulam estas duas expressões. Esta divergência é confirmada no raciocínio de Berger e Luckmann157, ao conceberem a formação de oficiais de carreira como caso de alternação, e ela leva à possibilidade de se conceber uma sociedade militar não como subsociedade da sociedade mais geral, mas como ordem institucional diver- gente da sociedade civil, ainda que esta possa ser concebida como mundo plural, e também, por outro lado, como universo mais geral dentro do qual este mundo militar seria um sub- mundo. Nesta dupla possibilidade de concepção da sociedade militar, a opção por enfocá-la como mundo à parte, divergente da sociedade civil, leva, por seu turno, à necessidade de uma sociologia militar dar conta dos aspectos micro e macroscópicos desta organização, suas rela- ções internas, e as externas, com este mundo civil, com que mantém esta relação dúbia de divergência e de pertinência.

A própria natureza dúbia desta relação entre “sociedade civil” e “sociedade mili- tar”, a relação de separação e “divergência” desta em relação àquela, concomitante com a relação também de pertinência, sugere a conveniência do referencial conceitual do constru- cionismo para uma sociologia militar, ainda mais no caso particular a que nos propomos, de estudar exatamente o processo de (re)socialização do pessoal que ingressa neste mundo para serem seus futuros administradores, ao mesmo tempo que administradores daquele instru- mento em que se baseia o poder político do mundo mais amplo.

É possível que, na Sociologia Militar, predominem abordagens que podem ser classificadas, grosso modo, em micro ou macroscópicas, como aquelas divididas por Jano- witz158 entre estudos de “organização militar e carreira militar”, “relações entre forças arma- das e sociedade” e “conflitos e guerras em particular”, ou como as apontadas por CASTRO (1990, 14)159, entre estudos “da instituição militar em seus aspectos „internos‟, „estruturais‟ ou „organizacionais‟”, e estudos políticos; porém raciocinar as Forças Armadas em termos de divisões assim pode ser apenas um exemplo do que CORCUFF (2201, 12) considera “falsos problemas” a resolver com a abordagem construcionista. Nestas divisões, perde-se a noção da

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Embora eles talvez questionassem no trecho da referida autora a ausência de aspas na palavra “natural”.

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Apud NUCIARI (2006, 63)

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relação entre elementos organizacionais internos, na formação das chefias militares, e a ação militar no plano político, ou esta relação é entendida de forma questionável, como CASTRO (1990, 14) comenta, a propósito de trabalhos de José Murilo de Carvalho, Edmundo Campos Coelho, Alexandre Barros e Vanda Maria Ribeiro Costa:

O ponto comum a esses pesquisadores é a problematização da perspectiva que dilui a especifici- dade da instituição militar ao vinculá-la a uma teoria do conflito de classes sociais, especialmente quando o comportamento político dos militares é explicado a partir de sua suposta origem social de “classe média”. Para os autores acima citados, ao contrário, a importância da origem social na definição do papel político dos militares é apenas marginal, o que implica o reconhecimento de uma relativa autonomia da instituição em relação à sociedade civil e uma proposta de estudo centrada preferencialmente não em suas in- tervenções na vida política, mas no cotidiano da instituição:

Enfim, o construcionismo, particularmente como vimos em Berger e Luckmann, trabalha um instrumental próprio para partir deste cotidiano, mas remetendo também ao plano macrossosiológico, num continuum.

Capítulo 4

A Construção da Mentalidade Militar na EsPCEx-AMAN

Completado o percurso em que partimos de um trabalho teórico e o ilustramos com sua aplicação a um estudo de caso concreto que nos é familiar, vamos agora adotar uma perspectiva de certa forma invertida e, partindo da experiência concreta do campo, vamos descrevê-la mais diretamente, mas ainda à luz da teoria tomada como referência.

Como já mencionamos, é possível visualizar nosso caso em seus aspectos “for- mais” e “informais” e, apesar da parte do raciocínio de CASTRO (1990, 12) segundo a qual “é na interação cotidiana com outros cadetes e com oficiais que ele [o cadete] aprende como é ser militar”, apesar da opção do autor, declarando-se “interessado não nos conteúdos formais específicos às matérias ensinadas, e sim nos aspectos informais do curso, na experiência sub- jetiva dos cadetes na Academia”, vamos também voltar a atenção para “os conteúdos formais específicos às matérias ensinadas”, pois, como o autor mesmo admite, “através de manuais e apostilas o cadete adquire conhecimentos sem dúvida indispensáveis ao exercício da profis- são”.

No trabalho de Berger e Luckmann me parece já haver bons argumentos para se considerar a importância também dos aspectos “formais” num estudo de caso como o nosso, pela importância que nele vimos adquirirem os universos simbólicos, como forma de legiti- mação de uma ordem institucional, e seus mecanismos de manutenção. Como são “constru- ções cognitivas”, na parte do ensino formal cognitivo serão objeto de transmissão aos alunos, em seu nível propriamente teórico; e já vimos, a partir do raciocínio também de Huntington, que é justamente este ensino geral que dá aos oficiais combatentes de carreira o fundamento de sua liderança institucional.

Além disto, existe a possibilidade de alguma imbricação entre o que pode ser vi- sualizado como formal e informal, e de alguma influência recíproca entre estes dois domínios. Às vezes o que se costuma ver em situações informais se transforma em objeto de considera- ção formal160, ou vice-versa, e cada situação de ensino “formal” ocorre em determinadas cir- cunstâncias, de alguma forma específica, que também acaba transmitindo uma mensagem,

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Considere-se a respeito inclusive que, ao contrário do que talvez se possa supor, ao se pensar numa organiza- ção tradicionalista e conservadora, o currículo na EsPCEx-AMAN é objeto de revisões periódicas, por previsão dos escalões superiores (Diretoria de Formação e Aperfeiçoamento – DFA – órgão de direção setorial que su- bordina diretamente estas escolas, e DECEx, a que esta diretoria por sua vez se subordina), e conforme planos baseados em normas como as NERC – Normas para Elaboração e Revisão de Currículos – ainda mais após as medidas de modernização do ensino no Exército, na virada do século.

talvez de certa forma inconsciente, mas com um conteúdo complementar, que se poderia dizer “informal”, por paradoxal que pareça, e que se transmite em moldes semelhantes à análise que faz BOURDIEU (2003, 203 e ss.) em “Sistemas de Ensino e Sistemas de Pensamento”161, e esta forma/conteúdo será considerada ao tratarmos dos processos informais na socialização do cadete. Por ora comecemos a analisar os elementos “formais” de nosso caso.

No documento moacyrmaiagitirana (páginas 157-161)