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CAPÍTULO 2 – O GÊNERO AUDIÊNCIA PÚBLICA

2.2 A AUDIÊNCIA PÚBLICA NO SISTEMA BRASILEIRO: UMA TENTATIVA DE DEFINIÇÃO

Em âmbito geral, podemos identificar a AP como um processo de participação aberta à população, representada por grupos presentes na sociedade, para que possa ser consultada sobre assunto que a afetar, a fim de participar do processo discursivo. A participação ativa nos assuntos públicos, como requisito das democracias mais modernas, faz com que a AP se constitua em uma possibilidade de instrumento de legitimação das decisões, seja em que

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Sabemos que na Grécia Antiga, a questão da representação era impensável, tanto que para levar aos Tribunais seus discursos os cidadãos recorriam aos logógrafos para redigir seus termos, os quais seriam lidos nos Tribunais (Cf. Pereira, 2006).

âmbito for, através de um processo discursivo, no qual, constantemente, a comunidade teria o direito de se manifestar sobre a melhor forma de administração da coisa pública.

O que qualifica uma audiência como pública é a participação oral e efetiva do público no procedimento ordenado, como parte no sentido jurídico, e não como mero espectador. Dessa forma, qualquer sessão, ainda que aberta ao público, mas cujo comportamento dos presentes seja apenas de ouvinte, passivo, silencioso, contemplativo, será apenas uma audiência. Pela mesma lógica, caso o procedimento formal estabelecido previamente não seja observado pelos participantes, também não se estará diante de uma AP, pois caracterizará apenas reunião popular, com livre troca de opiniões entre o administrador e os particulares acerca de determinado tema. Somente com a junção da formalidade e da efetiva participação na Jurisdição Constitucional89 é que se constituirá o instituto da audiência como AP.

A AP não é um instituto novo no Direito brasileiro, sua regulamentação remonta a 1987, pois há, desde 198690, previsão normativa de sua aplicabilidade no Poder Executivo, pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA)91, com a finalidade de fixar diretrizes gerais para o uso e implementação da avaliação de impacto ambiental como um instrumento de política nacional do meio ambiente. Porém, ela vem ganhando espaço nas esferas de poder, devido ao viés democrático que se instaurou com a CRFB/8892, colocando em jogo a participação social para legitimação, e com a possibilidade de realização da AP no Poder Legislativo, em seu artigo 58 (RAIS, 2012).

Com essa previsão, foi necessário adequar os Regimentos Internos93 do Congresso Nacional e das Casas constituintes, quando se definiu o regime jurídico a ser aplicado à AP e onde se determina que o meio de manifestação na AP seria por escrito, ainda que o rito necessite da oralidade para sua realização (apresentação da exposição escrita e de forma conclusiva, mas também marcada pela oralidade pela necessidade de leitura do texto apresentado, facultando aos membros da comissão interpelar para esclarecer) (RAIS, 2012).

89“[...] a jurisdição constitucional compreende o poder exercido por juízes e tribunais na aplicação direta da Constituição, no desempenho do controle de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público em geral e na interpretação do ordenamento infraconstitucional conforme a Constituição.” (BARROSO, 2007, p. 04).Segundo Kelsen (2006, p. 123) “é um elemento do sistema de medidas de técnicas que têm por fim garantir o exercício regular das funções estatais”, ou seja, é a outorga de poderes a determinado órgão jurisprudencial para verificar a conformação das leis e demais atos texto constitucional, no nosso ordenamento é o Supremo Tribunal Federal (STF).

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Resolução n°001, de 23 de janeiro de 1986. 91

Composto por representantes dos governos federal, estadual e municipal, por representantes de empresários, e por representantes de ONG's e demais integrantes da sociedade civil organizada.

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O regime interno da Constituinte, em 1987,determinada pela Resolução n°02, de 25 de março de 1986 inseriu a segunda possibilidade de uso da audiência pública no Ordenamento Jurídico brasileiro.

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No mesmo caminho, a Lei Orgânica do Ministério Público, em 1993, coloca a AP como uma das providências preestabelecidas para o exercício dos direitos constitucionais e a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, também previu a necessidade de instauração da AP, quando as licitações tratem de grande vulto, assim consideradas aquelas cujo valor estimativo é superior a cento e cinquenta milhões de reais (RAIS, 2012).

A partir de 1996, institui-se a AP como requisito para o desfecho do processo decisório que afete direitos dos agentes econômicos do setor elétrico ou dos consumidores. E três anos depois, a Lei do Processo Administrativo, Lei n° 9.784, de 29 de janeiro de 1999, possibilitou a instauração da AP, deixando evidente o caráter participativo atribuído a essa audiência, indo além do mero mecanismo de informação aos interessados para encampar o instrumento de participação desse público. Em seguida, surgem as Leis n° 9.868, de 10 de novembro de 1999, e n° 9882, de 3 de dezembro de 1999, as quais inserem a AP na Jurisdição Constitucional, que nos interessa na presente pesquisa (RAIS, 2012).

Posteriormente, o Estatuto da Cidade, Lei n° 10.257, de 10 de julho de 2001, faz várias imposições de utilização da AP94. Mais recentemente, o TST, através de seu Ato Regimental n° 1, de 24 de maio de 2011, alterou seu Regimento Interno para permitir a realização de AP em sua competência, regulando o procedimento dela (RAIS, 2012).

Somente em 2007, após a vigência da norma que permitiu a AP na Jurisdição Constitucional (em 1999), que ocorreu a primeira AP realizada pelo STF, com a decisão monocrática proferida pelo ministro relator, Carlos Britto, atendendo à solicitação feita pelo peticionário na ADI nº 3.510, que discutiu a constitucionalidade da Lei Federal nº 11.105/05, a chamada “Lei de Biossegurança”. Busca-se pelas APs uma maior participação da sociedade civil para dirimir a controvérsia constitucional e legitimar a decisão a ser tomada pelo Plenário do STF, em conformidade com o que diz a norma, a qual permitiu o uso das APs na Jurisdição Constitucional, sendo tal fato enfatizado pelo ministro relator da ADI n° 3.510:

Portanto, nós do Supremo Tribunal Federal, queremos, com esta audiência, homenagear a própria sociedade civil organizada, que passa a contribuir

constitutivamente, por certo, para a prolação de um julgamento que repercutirá profundamente na vida de todas as pessoas, sabido que o STF é mesmo uma

corte, uma Casa de fazer destinos, e destinos brasileiros, e esse tema é paradigmático, emblemático para a realização desse tipo de audiência (STF 2007, p. 914) (Grifos nossos).

A sociedade civil pode ser representada como o terreno dos conflitos econômicos, ideológicos, sociais e religiosos que o Estado tem a seu cargo resolver, intervindo como

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mediador ou suprimindo-os; como base nelas há solicitações que o sistema político deverá responder; como ocorre no campo das várias formas de mobilização, de associação e de organização das forças sociais que impelem à conquista do poder político e público (BOBBIO, 1987). Assim, podemos dizer que a sociedade civil organizada são grupos, ou parcela da sociedade que busca atuar como força de poder, que fundamentam as relações econômicas, culturais e sociais, cujos conflitos demandam soluções políticas, mas também promovem alternativas para solucionar os conflitos, sendo eles que farão as exposições, em grande maioria, nas APs. Nesse sentido, há forças de poder envolvidas na solução de conflitos como as ocasionada pelos assuntos tratados nas APs, e, por isso, há necessidade de escutá-los para tornar a decisão legítima, pois representam interesses sociais inerentes a grupos daquela sociedade sobre determinado assunto.

Além disso, observamos que as expressões na citação que designam o tema da AP são ‘paradigmático’ e ‘emblemático’. É relevante a escolha dos adjetivos, pois condizem com a inovação naquele momento por ser a primeira AP e demonstra a modificação de pensamento na Jurisdição Constitucional pela realização da AP e o que ela representa. No processo judicial, ou seja, no ramo do Direito, há três tipos de audiências: as de conciliação ou mediação, em que as partes, juntos com seus advogados/procuradores tentam realizar uma composição; as de instrução e julgamento, em que o juiz, as partes e seus advogados, bem como testemunhas e auxiliares da justiça, participam para que haja um julgamento e, consequentemente, uma decisão, é nessa audiência que os ministros se reúnem em plenário para decidir as ações de inconstitucionalidade, permitindo a participação das partes e dos

amicus curiae; e as de justificação, em que o juiz solicita informações adicionais sobre as

alegações do autor. As APs eram realizadas, normalmente, no Poder Legislativo e no Executivo, sendo um instituto novo no Poder Judiciário, pois, as audiências no Poder Judiciário, de cunho processual, têm, normalmente, caráter público, mas limitativo a quem pode nelas intervir, ainda que de livre observação, além disso, em questões sensíveis ou ações de segredo de justiça, torna-se ainda mais limitada a possibilidade tanto de participação como de observação.

APs analisadas foram instauradas, em conformidade com as determinações do Regimento Interno (RI) do Poder Legislativo, Senado Federal (RISF), pois ainda não haviam sido regulamentadas pelo RI do STF (RISTF). Assim, os relatores utilizaram-se dos ritos do Poder Legislativo para realizar as primeiras três APs. Podemos, de forma geral, identificar as APs como reuniões que no Poder Legislativo podem ser promovidas pelas Comissões Parlamentares e, no Poder Judiciário, podem ser promovidas pelos relatores das ações de

inconstitucionalidade ou pelo Presidente do STF95, quando considerar necessário para o tema debatido, e das quais podem participar legisladores, cidadãos, representantes de entidades da sociedade civil, técnicos e especialistas com o objetivo de promover o debate em torno de temas ou questões de interesse público na área da respectiva Comissão, no caso do Legislativo, e na área da respectiva ação, na Jurisdição Constitucional.

Como podemos perceber, a implantação da AP nos sistemas decisórios, seja administrativo ou judicial, como meio de possibilitar a participação social, vem aumentando gradativamente com as previsões legais e com as regulamentações de como realizá-las.

Para compreender o gênero AP e suas condições enunciativas, é necessário conceituá- la, ainda que não haja consenso. As APs (public hearing – do direito inglês e norte-americano – ou enquêtes publiques – do direito francês), em geral, são instrumentos que possibilitam uma decisão, que pode ser política ou legal dependendo do órgão em que for produzida, na qual se busca legitimidade e transparência. Em nossa pesquisa, percebemos o caráter dúbio da AP no Poder Judiciário, pois ela tanto é legal como política, uma vez que se discute política pública na Jurisdição Constitucional. Está inserida como instância opinativa, consultiva e probatória no processo de tomada de decisão (judicial ou administrativa ou legislativa), no qual permite à autoridade competente ouvir as pessoas que sofrerão os reflexos da decisão e assim oportunizar, em condições de igualdade quanto aos participantes, a manifestação das várias opiniões sobre o assunto debatido antes do desfecho do processo. É isso que o relator da ADI n° 3.510 afirma na AP desse processo: “Trata-se de uma audiência introdutória, preparatória da audiência ortodoxamente jurisdicionalmente, que faremos em breve tempo para julgamento, ai sim, do mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510.” (STF, 2007, p. 912) (Grifos nossos).

Tais opiniões não se vinculam à decisão, têm caráter consultivo e, no nosso caso, educacional, e a autoridade, embora não esteja obrigada a segui-las, deve analisá-las segundo seus critérios, acolhendo-as ou rejeitando-as. Então, a AP torna-se um instrumento para cuja decisão, seja política, seja legal, poderá construir legitimidade e transparência, essa transparência decorre tanto da publicidade como também das razões de decidir.

Para compreendermos melhor o que seja o instituto, apresentaremos uma primeira definição:

[é] um instrumento que auxilia a tomada de decisões, permitindo o diálogo entre a autoridade que decide e a sociedade que conhece as peculiaridades do objeto da decisão, seja pela expertise na área, seja por ser sujeito direto ou indireto dos efeitos

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da decisão que se seguirá. Sua condução se dá, necessariamente, pela oralidade e é pautada pela elevada transparência, atribuindo maior substrato factual para a autoridade que decide, além de ampliar a legitimidade da decisão (RAIS, 2012, p. 34) (Grifo do autor).

Nessa definição, alguns termos nos parecem importantes para a pesquisa, como “diálogo”, “autoridades” e “sociedade que conhece as peculiaridades do objeto da decisão”, bem com os efeitos esperados dela como “maior substrato factual para a autoridade que decide” e “ampliar a legitimidade da decisão”. Entretanto, frisamos que este primeiro conceito pode ser tomado para a AP realizada em qualquer âmbito da Administração Pública96. Ao pensarmos na possibilidade de instauração da AP no âmbito da atividade jurisdicional, poderemos entender certa perplexidade inicialmente demonstrada sobre este fato, como vemos na seguinte exposição:

O Judiciário sempre foi considerado o mais hermético dos poderes. Talvez pela

linguagem utilizada por aqueles que lidam com o direito, as vestimentas sóbrias dos juízes, a forma de acesso ao cargo, a necessidade de se mostrar imparcial, talvez por

tudo isso o Judiciário sempre se manteve a distância “segura” da população

(DIAS, 2010 apud RAIS, 2011, p. 27) (Grifos nossos).

Aliás, essa perplexidade era amparada também pela forma como o conteúdo do Discurso Jurídico era produzido, como um conhecimento de área específica produzido para um grupo seleto de interlocutores. Assim,

É indiscutível que a linguagem forense possui especificidades que a tornam um

dialeto inconfundível com os outros do cotidiano do falante e, os que a usam, procuram cultivar essa individualidade, tornando, na maioria das vezes, extremamente complexo o acesso àqueles que pleiteiam a Justiça, retardando a

prestação jurisdicional. É um discurso em que figuram expressões em latim,

palavras arcaicas e eruditas que, pode-se dizer, são relacionadas à coerção do “outro” na relação dialógica (BRITO, 2009, p.4) (Grifos nossos).

Compreendemos que a AP trouxe uma aproximação da sociedade civil e dos interesses da comunidade pela utilização de uma linguagem comum, inclusive citações literárias realizadas pelos ministros em seus votos97, buscando promover uma comunicação mais próxima da sociedade. Inserimos nessa questão da proximidade, a necessidade dos ministros falarem a respeito das ações em meios de comunicação através de entrevistas. Porém, o ritual

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Podemos considerar em todos os Poderes da Administração Pública: Executivo, Legislativo e Judiciário, ainda que haja algumas peculiaridades na aplicação e nos procedimentos seguidos. De acordo com Rais (2012, p. 34) “as palavras de André Ramos Tavares que sintetiza a problemática da seguinte maneira: a Administração Publica direta ‘é o próprio poder Executivo e, no que se refere às funções atípicas (administrativas) os demais poderes (Legislativo e Judiciário).

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O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Padre Antônio Vieira disse-nos: “E como o tempo não tem, nem pode ter consistência alguma, e todas as coisas desde o seu princípio nasceram juntas com o tempo, por isso nem ele, nem elas podem parar um momento, mas com perpétuo moto, e resolução insuperável passar, e ir passando sempre” – Sermão da Primeira Dominga do Advento (STF, 2012, p. 31).

(vestimentas, o trato, e a linguagem jurídica) deverá continuar, inclusive quando necessário a utilização de termos técnicos, bem como, a necessidade de demonstrar imparcialidade, sendo esta última um efeito de linguagem98. A própria interferência para que a AP siga um trâmite devidamente traçado é parte desse ritual jurídico. O próprio MacCormick (2006) reconhece ser uma busca comum aos juízes a questão dos valores honradez e honestidade, cuja prática jurídica fez “mais para desenvolver hábitos de imparcialidade do que muitos dos que os acusam com maior estridência” (MACCORMICK, 2006, p.22).

Assim, mantendo algumas características próprias do Direito, na Jurisdição Constitucional, é necessário ter permissão ou autorização prévia para participar da AP99, por esta ser parte de um sistema procedimental e, portanto, controlado, porque o Discurso Jurídico é institucionalizado e ritualístico, não sendo possível ampliar, sem controle, a participação a seus atos processuais, que demandam um devido processo legal. Podemos dizer ainda que a AP tem dupla natureza pública, pois traz publicidade e transparência próprias do mecanismo, em que se pontuam a oralidade, a mediação, a assistência, os registros e as publicações dos atos, como também a participação processual com a abertura aos segmentos sociais interessados em participar da deliberação. Segundo Rais (2012, p.48):

Audiência Pública no âmbito do Supremo Tribunal Federal é o instrumento pelo qual essa Corte ouve o público especializado ou dotado de experiência na matéria para esclarecer questões ou circunstancias de fato, com repercussão geral ou de interesse público relevante, com a finalidade de criar oportunidade para se debater simultaneamente as teses opostas e com fundamentos variados, ampliando e fomentando o debate dentro e fora do Tribunal, ampliando a transparência e a publicidade das atividades do Supremo Tribunal Federal e trazendo maior pluralidade ao processo constitucional, além de aproximar a sociedade da Corte e, ainda, possibilitar a aferição de efeitos do julgado, realizando um prognóstico do comportamento social diante da decisão tomada.

A função dos oradores/expositores/interlocutores na AP é colaborar para que os ministros, principalmente o relator e a mesa (AGU, PGR e relator), compreendam as diversas perspectivas sobre o assunto tratado, tanto pela especialização quanto pela experiência, que não são de fundo jurídico e subsidiarão tanto as decisões dos ministros, como possibilitarão que a decisão possa ou não ser legitimada junto à sociedade pelo processo argumentativo instaurado na própria AP. Indiretamente, os oradores colaboram para que a sociedade possa debater e compreender as perspectivas apresentadas na AP, quando há disponibilização do

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Cf. Pereira; Vieira (2015). 99

Reafirmamos que na ágora grega tanto a limitação dos integrantes da sociedade que participavam do processo discursivo, como a perspectiva de uma democracia direta, produzida pelo próprio cidadão, impedia a noção de representatividade como a encontrada nas APs. Acreditamos que tal fato não é razão suficiente para não pensarmos nas APs como semelhante à àgora grega, tendo em vista a necessidade de adequação do gênero enquanto espaço/tempo, bem como novos conceitos como o de representação na democracia.

conteúdo e a divulgação para toda a sociedade durante a realização e mesmo na antecedencia da AP quando a mídia divulga que o debate ocorrerá. A possibilidade de prognóstico é importante tendo em vista que se busca a efetividade da norma constitucional. Uma decisão cujo comando não seja acatado permitirá nova norma ou, no mínimo, pouca relevância social, já que a sociedade não a amparará como legítima, podendo ser descumprido o comando decisório, não proporcionando efetividade.

Compreendemos, então, que, na Jurisdição Constitucional, além da legitimação e do caráter pedagógico, a AP funciona como um instrumento de conscientização comunitária, através da legítima participação de grupos sociais em temas de interesse público e social e da ampliação do debate na própria sociedade referente aos assuntos discutidos. Os debatedores seriam os mediadores habilitados, tanto quanto os próprios ministros no papel de julgadores, fato decorrente do espaço social que ocupam. Os debatedores podem ser convidados pelo ministro relator em razão de seu status na sociedade acadêmica ou indicados pelas partes interessadas100.

Foram colocadas como objeto da pesquisa duas Audiências Públicas separadas entre as 19 já realizadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), até o dia 11 de novembro de 2017. Os números foram se alterando em decorrência do tempo da pesquisa. Assim, no início do projeto, tínhamos como possibilidade de escolha 14 audiências realizadas. Já na apresentação do projeto final, tínhamos 17 audiências realizadas. Até a presente data, foram realizadas 22 APs. As três primeiras audiências ocorreram antes da regulamentação regimental (2009), quando o procedimento de realização das Aps foi normatizado. Até então, eram adotados pelos ministros relatores os parâmetros procedimentais regulamentados no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD) para conduzi-las. Isso foi possível porque a AP é um instrumento político, que já era utilizado pelo Legislativo para debater as proposições ali apresentadas junto à comunidade e passou a ser utilizada pelo Judiciário, na última instância judicial, com similaridade ao que ocorria no Legislativo. Entre essas três, escolhemos duas para objeto de análise: a primeira AP realizada pelo STF, que foi convocada pelo ministro Carlos Britto, relator da ADI n° 3510, ocorrida em 20 de abril de 2007, e a terceira AP referente à ADPF n° 54, ocorrida nos dias 26 e 28 de agosto; 04 e 16 de setembro de 2008, de relatoria do ministro Marco Aurélio. Ambas questionavam a compatibilidade das normas em relação aos preceitos constitucionais. A ADI n° 3.510 teve como temática a impugnação do

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Ocorreu a chamada pública para participação da AP na ADPF n° 442, a fim de discutir a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, cujos interessados em participar deveriam solicitar inscrição até o dia 25 de abril de 2018.

artigo 5° da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005), que permitiu a utilização de embriões para fins de pesquisa e terapia. Já a ADPF n° 54, terceira AP realizada, teve como preceitos vulnerados o art. 1°, IV (a dignidade da pessoa humana), o art. 5°, II (princípio da legalidade,