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Efeitos da Constituição aberta de Peter Häberle no nosso Ordenamento Jurídico

CAPÍTULO 1 – O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: contextualização histórica,

1.5 A APLICAÇÃO DO DIREITO: QUESTÕES HERMENÊUTICAS

1.5.2 Efeitos da Constituição aberta de Peter Häberle no nosso Ordenamento Jurídico

É da aplicação da Teoria de Häberle que surgem os dois institutos ou figuras que representam formas de abertura dos intérpretes da Constituição no nosso sistema jurídico pelo Ordenamento Jurídico: o amicus curiae e as APs, ambos previstos na Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999, que veda a intervenção de terceiro na ADI, na Jurisdição Constitucional, mas prevê a possibilidade, mediante prazo, da manifestação de outros órgãos ou entidades, sendo denominados pela doutrina como amicus curiae.

O amicus curiae significa “amigo da corte” e correspondendo àquele que “se insere no processo como um terceiro que não os litigantes iniciais, movido por um interesse jurídico relevante não correspondente ao das partes” (VASCONCELOS, 2007, n.d.). O interesse jurídico relevante do amicus curiae não o vincula a vitória de uma das partes, ele é o auxiliar do juízo, com a finalidade de aprimorar ainda mais as decisões proferidas pelo Poder Judiciário, pois se reconhece que o magistrado não detém, por vezes, conhecimentos necessários e suficientes para a prestação da melhor e mais adequada tutela jurisdicional (DIDIER, 2010). Assim ele não assume condição de parte e também não terá poderes processuais para auxiliar qualquer das partes.

A função do amicus curiae é a de levar, espontaneamente ou quando provocado pelo magistrado, elementos de fato e/ou de direito que de alguma forma relacionam-se intimamente com a matéria posta para julgamento. É por isto que me refiro

insistentemente ao amicus curiae como um “portador de interesses institucionais” a juízo. Ele atua, no melhor sentido do fiscal da lei, como um elemento que, ao assegurar a imparcialidade do magistrado por manter a indispensável “terzietà” do juiz com o fato ou o contexto a ser julgado, municia- o com os elementos mais importantes e relevantes para o proferimento de uma decisão ótima que, repito, de uma forma ou de outra atingirá interesses que não estão direta e pessoalmente colocados (e, por isto mesmo, defendidos) em juízo

(BUENO, 2008, p. 136) (Grifos nossos).

Dessa forma, o amicus curiae deve subsidiar de forma espontânea ou quando convocado pelo magistrado, com elementos de fato e/ou de direito, que de alguma forma relacionam-se com a matéria posta para julgamento. A complexidade da matéria, que justifica a participação do amicus curiae, tanto pode ser fática quanto técnica, jurídica ou extrajurídica. Como dito por Bueno (2008), pode ser considerado, inclusive, como um “portador de interesses institucionais” a juízo.

A intervenção do amicus curiae caberá quando houver “relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia” (BRASIL, 2015), segundo artigo 138, caput, do Código de Processo Civil (CPC). As regras especiais

dessa intervenção não exaurem as hipóteses objetivas de cabimento, mas servem para ilustrá- las. As possibilidades jurídicas são semelhantes para as APs, como se verá no próximo Capítulo. A diferença é sutil, pois o relator poderá não permitir a inserção do amicus curiae no processo, mas poderá recepcioná-lo na AP, tal fato ocorre nas APs em analise. Além do mais, no caso dos amicus curiae, a atuação consubstanciará em produzir documentos para subsidiar a perspectiva na ação de inconstitucionalidade, ao passo que a oralidade se concentraria na Audiência de Julgamento. Para os processos em que se instauraram a AP seria possível dois momentos de fala para os expositores, na AP propriamente dita e na Audiência de Julgamento.

Ainda que os seus poderes sejam definidos em cada caso concreto pelo juiz (BRASIL, 2015), na essência, serão limitados à prestação de subsídios para a decisão, como na AP. Apesar de não ser o objeto da pesquisa, tem grande importância como precursor da busca de legitimidade pelo STF, iniciando seu uso antes da AP, já que permite a participação de um terceiro nos procedimentos judiciais e sua admissão se dá para que auxilie o julgador, e não as partes. É elemento essencial para admitir-se o terceiro como amicus, sua potencialidade de aportar elementos úteis para a solução da lide. Essa demonstração faz-se pela verificação do histórico e atributos do terceiro, de seus procuradores, agentes, prepostos etc., ou seja, pelo

ethos do amicus curiae

A participação do amicus curiae, com o fornecimento de subsídios ao julgador, contribui para o incremento de qualidade das decisões judiciais, ampliando-se a possibilidade de obtenção de decisões mais justas – e, portanto, mais consentâneas com a garantia da plenitude da tutela jurisdicional. Por outro lado, sobretudo nos processos de cunho precipuamente objetivo (ações diretas de controle de constitucionalidade; mecanismos de resolução de questões repetitivas etc.), a admissão do amicus é um dos modos de ampliação e qualificação do contraditório (art. 5º, LV, da CF/1988).

Em uma “sociedade aberta dos intérpretes” todo aquele que vive sob a égide de uma Constituição deve ser considerado como um legítimo intérprete, mas o STF será o intérprete definitivo e os participantes da Audiência Pública e os amicus curiae apenas pré-intérpretes. Mesmo assim, compreendermos que a “representatividade”, para o amicus curiae, não tem o sentido de legitimação, e sim de qualificação, já que pelos atributos que possui e demonstra poderá contribuir adequadamente com sua participação/colaboração.

Dessa forma, o STF é influenciado pelo método concretista que amplia o círculo hermenêutico, como podemos depreender da fala do Ministro Gilmar Mendes, autor do Projeto de Lei, na abertura da AP na ADPF n⁰ 54, em 26 de agosto de 2008:

Gostaria de apenas fazer o registro, eminente Ministro-Relator, Ministro Marco Aurélio, senhoras e senhores presentes, da importância deste instrumento previsto nas Leis nºs 9.868 e 9.882, que permite este diálogo particular e esta abertura na

interlocução do Supremo Tribunal Federal com a comunidade científica e com a sociedade como um todo (STF, 2008a, p. 01) (Grifos nossos).

Ainda que como pré-intérpretes, os expositores na AP representam perspectivas sociais com o fim de permitir a concretização da Constituição em conformidade com seus princípios.

Podemos, nesse momento, inferir que a teoria procedimental habermasiana estaria em conformidade com a aplicação da teoria de Häberle (1997) em relação aos intérpretes da Constituição61.

1.6 O novo panorama democrático que permite a audiência pública na jurisdição