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Legitimidade do STF como Tribunal Constitucional: uma análise frente ao tribunal alemão

CAPÍTULO 1 – O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: contextualização histórica,

1.4 O PAPEL POLÍTICO-JURÍDICO DO STF

1.4.1 Legitimidade do STF como Tribunal Constitucional: uma análise frente ao tribunal alemão

O poder da Evita se deveu ao fato de que ela conseguiu fazer o povo acreditar que eles, os pobres, os operários, os miseráveis, o povão, eram os “outros significantes” dela. Rubem Alves.

O STF tem a determinação legal que o coloca no papel de decidir as questões envolvendo a CRFB/88, como o guardião dela e como órgão supremo do Sistema Judiciário, deve também garantir a legitimidade política, sustentada pela voz popular em decorrência da constituição plúrima da República. Segundo Lima (2013), ainda que a CRFB/88 estabeleça formalmente o papel do STF como Tribunal Constitucional, a sua legitimidade institucional, enquanto Tribunal Constitucional propriamente dito, pode ser questionada ao observarmos os critérios estabelecidos a serem cumpridos segundo critérios

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Um exemplo que podemos citar aqui são as modificações nas normas do trabalho em que percebemos a força atuante contraria a efetivamente do trabalhador com a redução das garantias conquistadas pelas lutas sociais.

dos tribunais constitucionais europeus. Para ser considerada verdadeira Corte Constitucional seria necessário cumprir os seguintes requisitos38:

a) estatuto constitucional, que é a previsão do Tribunal na Constituição; b)

designação dos juízes por critérios político-democráticos, onde a escolha dos

membros é feita por eleição de representantes do Poder Executivo e Judiciário, Ministério Público, bem como da sociedade civil; c) duração de mandato, pois os membros de um autêntico Tribunal Constitucional possuem mandato por tempo determinado e improrrogável; d) incompatibilidade, que é a garantia de independência dos seus membros para não exercer outros empregos ou funções, principalmente de natureza política; e) competência, embora seja variável nos tribunais constitucionais, o fundamental é garantir a primazia da Constituição (ROCHA, 1985, p. 03) (Grifos pertencem ao texto original).

Percebemos que o STF cumpri alguns critérios desses, mas outros não. Assim, há previsão expressa constitucional que o designa como Tribunal Constitucional, mas verificamos que a forma de composição dos membros do STF destoa da forma como está previsto, bem como o tempo de atividade na função designada.

Verificamos que os ministros são nomeados pelo Presidente da República e aprovados pelo Senado Federal em votação, por maioria absoluta, e escolhidos entre os brasileiros natos (art. 12, § 3º, IV, da CRFB/88), no gozo de seus direitos políticos, entre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 101 da CRFB/88). A posse é dada pelo Presidente do Tribunal39. A constituição do Tribunal alemão é feita por pessoas indicadas pelos três poderes, com mandato certo para 12 anos e com caráter transitório, vedada a contínua ou posterior recondução. No Brasil, os integrantes do STF passam a exercer a função de forma vitalícia, tal circunstancia coloca em cheque, de certa forma, o princípio republicano40, segundo o qual os cargos devem ser executados em períodos de tempo específico, por mandato, quando não exigir concurso público.

Verificamos ainda que pelo simples fato de o STF estar inserido na Organização Judiciária, isso o exclui como Tribunal Constitucional, segundo os padrões europeus, do ponto de vista formal. O modelo europeu, exemplificado pelo Tribunal alemão, insere-se no

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Toda escolha de requisitos é arbitrária, mas alguma deve servir de parâmetro para se estabelecer critérios. 39

E apesar do texto constitucional não exigir formação jurídica, Cândido Barata Ribeiro, médico,através do Decreto de 23 de outubro de 1893, foi nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal, preenchendo a vaga ocorrida com o falecimento do Barão de Sobral, tendo tomado posse no mês seguinte. Exerceu a magistratura por quase um ano, enquanto aguardava anuência do Senado, que em 24 de setembro de 1894, negou a aprovação, com base em Parecer da Comissão de Justiça e Legislação, que considerou desatendido o requisito de “notável saber jurídico” e não lhe concedeu a titularidade do cargo. Depois desse caso, fixou-se o entendimento que o “notável saber” deve ser jurídico, termo que inclusive foi integrado ao texto constitucional. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/ministro/verMinistro.asp?periodo=stf&id=217>. Acesso em 06 de maio de 2016. 40

O princípio republicano, segundo Ataliba (1988,p. 13), é decorrente da República, que é “o regime político em que os exercentes de funções políticas (executivas e legislativas) representam o povo e decidem em seu nome,

fazendo-os com responsabilidade, eletivamente e mediante mandatos renováveis periodicamente.” (Grifos

organograma do Estado ao lado dos três poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e não dentro do Poder Judiciário. O Tribunal Constitucional na Alemanha é, portanto, suprapartidário. Esse seria o modelo defendido por Kelsen (2006) para as Cortes Constitucionais, ou seja, estas devem estar situadas fora do Poder Judiciário, com atuação independente. No Brasil, apesar do STF ter uma atuação independente, também está inserido como Órgão de cúpula do Poder Judiciário.

Quanto às atribuições de Tribunal Constitucional, não há qualquer dúvida de que o STF as exerça, inclusive sob o manto constitucional, pois, como define Kelsen (2006, p. 135), deve atuar como “legislador negativo”, já que não tem a faculdade de criar leis, mas, quando entender que uma das normas promulgadas vulnera o disposto na Constituição, teria o poder para retirá-la do Ordenamento Jurídico.

A discussão em relação à legitimidade das decisões ocorreria quando o STF atuasse como legislador, o que é considerado como ativismo constitucional, mas tal fato não é questão da presente pesquisa. Mesmo não sendo objeto da pesquisa é preciso dizer que a judicialização, no Brasil decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Dessa forma, o Judiciário decide porque é a sua função. Claro que, se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, o juiz dela deve conhecer, decidindo a matéria. No que chamam de ativismo judicial, passa-se a uma atitude, uma escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance inclusive, não sendo necessário modificar a norma. Normalmente, o ativismo judicial se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, quando esses fatores impedem que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. Atende-se nessa condição à efetivação dos direitos fundamentais.

Além disso, segundo Belchior (2008, p. 206),

Os Tribunais Constitucionais são essenciais na concretização dos ideais do constitucionalismo democrático, na medida em que lhes é atribuída a função de

zelar pela aplicação de regras e limites estabelecidos pela Constituição aos sistemas democráticos (Grifos nossos).

Nesse sentido, temos o STF atuando como Tribunal Constitucional, pois nos sistemas democráticos, a definição clássica de Corte ou Tribunal Constitucional denota um órgão institucional responsável pelo juízo de conformação de leis e atos políticos com a Constituição, a quem cabe a última palavra na interpretação, concretização e garantia da Carta Política. Nesse desígnio, tal Corte deveria agir com o escopo precípuo de conferir efetividade

à Constituição, dando respaldo à pretensão de eficácia de conceitos abertos. Essa foi a segunda atribuição dada ao STF ainda na Primeira República.

Ainda no quesito escolha de membro, outra questão importante a ser observada diz respeito a como o membro é escolhido, pois no Brasil não ocorre eleição. Além disso,

[...] na Corte Alemã os Ministros são indicados pelo Parlamento, enquanto no Brasil o Senado Federal se restringe a sabatinar (confirmar, na prática, pois nunca rejeitou) a escolha exclusiva do Presidente da República (NÓBREGA, 2009).

Aqui a questão republicana de separação dos poderes pode também ser apontada. Outro ponto divergente quanto a legitimidade do STF como Tribunal Constitucional também diz respeito ao controle de constitucionalidade, pois os tribunais europeus, normalmente, não funcionam como tribunal recursal (primeiro papel atribuído ao STF), por estarem fora do poder Judiciário, e a declaração de constitucionalidade somente poderia ocorrer de forma concentrada no próprio Tribunal Constitucional. Como já vimos, no Brasil, o STF declara a inconstitucionalidade de forma abstratada, por ações de constitucionalidade, semelhante ao que ocorre nos tribunais europeus. Além disso, qualquer membro do Poder Judiciário estaria apto a declarar a inconstitucionalidade no caso concreto, que poderia desaguar no STF como questão recursal, semelhante ao que ocorre na Corte Americana. Na Alemanha, quando os juízes verificam uma inconstitucionalidade na aplicação da norma, o procedimento é encaminhado para que seja analisado pelo Tribunal Constitucional, sendo impedido de apreciar a constitucionalidade, que fica concentrada naquele Órgão Constitucional.