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Autarquias e museus locais como mediadores da democratização cultural

Ana Moderno

2. Autarquias e museus locais como mediadores da democratização cultural

Os desafios feitos às autarquias e aos museus da actualidade centram-se es- sencialmente na defesa e promoção dos seus patrimónios e na concretização de acções directas nas comunidades onde actuam. Quarenta e três anos após a realização da Mesa Redonda de Santiago do Chile, organizada pelo ICOM, relembramos a mudança da mentalidade dos museus que, até então, viviam apartados da sua realidade envolvente e desinteressados da sua relação com o público visitante.

Tempos tranquilos em que sabíamos que era um Museu que o não era (…); mostravam-nos a Memória pela menos histórica “verdadeira” de qualquer coisa ou quando a ima- ginação não ia tao longe mostravam-nos acervos e mais acervos, herdados, recolhidos, comprados, empalhados e oferecidos (…). Eram museus tranquilos, sem problemas que não fossem os de guardar, conservar e documentar. (Moutinho, 2011, pp. 9-10).

O novo conceito de sociomuseologia representa uma ponte entre caminho da evolução e os numerosos movimentos e reflexões que a Museologia Social tem vindo a promover desde há quase 50 anos, uma vez superadas as «lutas entre a nova e a velha museologia». (Moutinho, 2011, p. 8).

Hugues de Varine, antigo director do ICOM, e um dos pais dos novos con- ceitos da museologia social, defende que a «democratização cultural, aparecida como doutrina nos anos 1960 e 1970, graças ao impulso do ministro francês da cultura André Malraux, consiste em levar às populações o conhecimento e a fruição de formas superiores de produção artística e intelectual da Huma- nidade» (Varine, 2010). Tentando cumprir, sem descanso, este objectivo, a UNESCO, tem vindo a criar «uma lista de património material e imaterial da Humanidade, designando, assim, elementos excepcionais do património, com consenso entre os especialistas». Esta organização internacional é elemento de mediação indispensável a para a “democratização cultural” e para “democracia cultural” (Varine, 2010, p. 16).

Também em Portugal todas estas questões têm sido debatidas no «presente contexto de descentralização, de reforço do poder autárquico e da democratiza- ção da vida cultural e associativa» (Primo e Rebouças, 1999, p. 11). A Declaração de Lisboa de 1994 trouxe para discussão as rápidas mudanças nas condições mundiais e o seu efeito no modo de encarar as heranças naturais e culturais, bem como a necessidade de criar um papel de liderança dos museus na comu- nidade internacional.

O reconhecimento da Museologia enquanto área de investigação científica surgiu no nosso país a partir dos anos 90 do século passado. Até aí, era conside- rada, segundo Mário Moutinho, museólogo e reitor da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, «uma simples técnica com pouco ou nenhum

conteúdo teórico específico, cujo ensino deveria ficar restrito no interior dos Museus». (Moutinho, 1993). Fruto, por um lado, do esforço dos investigadores desta área, e, por outro, do alargamento da noção de património e das necessi- dades que lhe são sequentes, a Museologia veio a adquirir um estatuto diferente e a prova disso está no número de universidades portuguesas que acolhem cursos de pós-graduação, mestrado e doutoramento. Desde Évora ao Porto, passando por Lisboa e Coimbra, estas instituições de investigação e de ensino, discutem «a definição e gestão das práticas museológicas, a museologia como factor de desenvolvimento, as questões de interdisciplinaridade, a museografia como meio autónomo de comunicação» (Primo e Rebouças, 1999, p. 11). entre outras temáticas exigidas por este campo de estudo.

Hoje o museu é encarado como uma instituição dinâmica que tem necessi- dade de adaptar-se rapidamente ao uso das novas tecnologias no desempenho das suas principais funções, tais como: investigação, aquisição/recolha de bens, inventariação e registo, conservação, divulgação, educação, inclusão e acção cultural.

A Museologia Portuguesa passa actualmente por uma fase de grande desenvolvimento, com grandes iniciativas em todas a vertentes museológicas, tanto do ponto de vista da criação e novos museus, como na recuperação de Casas-Museu e de Memória ou na organização de espólios de artistas de enver- gadura local ou nacional». (Mercedes, 2006, p. 6)

A publicação da Lei-quadro dos Museus e a existência da RPM (Rede Portu- guesa de Museus) – que agora regressa após um período de reformulação -, per- mitem a promoção partilhada e sustentada dos museus, a atribuição de apoios e a formação especializada em diversas áreas. Instituições como a APOM – Asso- ciação Portuguesa de Museologia, o MINOM – Movimento Internacional para uma Nova Museologia, o ICOM Portugal ou o ICOM – DEMHIST, dedicado às Casas-Museu, partilham, em permanência a dinâmica de acções de forma- ção, acções de formação, sensibilização e promoção da actividade museológica. (Mercedes, 2006, p. 6)

O museólogo António Nabais defende que os museus «são instituições culturais que nunca devem ser excluídas». (Nabais, 2006, p. 43)

Asseguram, em muitos casos, a resposta aos problemas dos públicos. Na- bais problematiza, todavia, observando que muitos dos museus nacionais são «alguns muito belos, de fragmentos mudos, ou de espaçados carregados de cenografia, sem mensagens para um homem de hoje». (Nabais, 2006, p. 43) Defende ainda que os museus em Portugal têm sido:

(…) vítimas da descontinuidade de projectos, que terminam com a mudança de diplomas orgânicos e de chefias de orga- nismos centrais» Destaca, por isso, no meio deste contexto sombrio as «experiências e práticas museológicas de autar- quias e de várias empresas que sabem proteger e valorizar as suas identidades e memórias. (Nabais, 2006, p. 43)

Tal como António Nabais, com um longo percurso na museologia local, particularmente no seu papel de director do Museu Joaquim Manso da Naza- ré, também a museóloga Ana Mercedes Stoffel (que que dirigiu durante dez anos a Casa Museu João Soares de Cortes – Leiria e coordenou o projecto do Museu da Comunidade Concelhia da Batalha) destaca o papel das autarquias no «lançamento e apoio das actuais iniciativas de criação ou renovação muse- ológicas». Às autarquias cabe «a sensibilidade para importância dos museus no desenvolvimento sustentado dos seus concelhos» com vista a garantir «jun- to dos seus pares iniciativas e acções que potenciem uma melhoria qualitativa dos espaços museológicos, nomeadamente através da aposta em modelos de programação e gestão eficazes, recursos humanos adequados». Segundo a museóloga, o papel da Associação de Municípios como centro de reflexão e como promotor destes importantes valores da Museologia Portuguesa é imprescindível. (Mercedes, 2006, p. 7)

Caberá, pois, aos museus da actualidade e do futuro, com o envolvimento fundamentais dos poderes locais e das autarquias o importante papel na responsabilidade de conservar, promover e estender a cultura, sendo ao mesmo tempo motores de um desenvolvimento mais racional, inteligente e rentável a longo prazo. Neste percurso dos museus locais, é responsabilidade das autarquias garantir o financiamento e os recursos, e colaboração com os museólogos e de agentes culturais, desenhando caminhos estratégicos que «permitam a continuidade de uma política de museus independente da vida

partidária, que promovam através dos museus a democratização cultural» (Mercedes, 2012, pp. 13-14)

Aos poderes políticos que tutelam os museus e a quem cabe cumprir a legis- lação, cabe cumprir a mediação entre: colecção, edifício, património, território, público e comunidade. (Mercedes, 2012, p. 14)

3. A investigação, preservação e promoção dos o(s) património(s)

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