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um contrato de confiança (BOURDIEU, 1999).

3.5 SOBRE OS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE E SUAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE SI MESMO

3.5.3 AUTO-REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE

A identidade é uma representação de si e é representação que do que os outros acreditam ser ele ou dele esperam e exigem (CARVALHO, 2001). Por isso, ao falarmos da representação social que os agentes comunitários de saúde constroem sobre si mesmos, discorremos, ao mesmo tempo, sobre a representação que estes elaboram dos outros sobre eles próprios.

3.5.3.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DO FALAR DE SI ATRAVÉS DE ASSOCIAÇÕES-LIVRES

Para o estímulo ‘agente comunitário de saúde’, foram feitas 473 evocações, as quais reuniram 214 palavras diferentes que, após serem classificadas e agrupadas, corresponderam a 69 categorias, das quais, para a análise combinada da freqüência e da ordem média de evocação, foram consideradas 14. A média de evocação por sujeito correspondeu a 4,09. Se comparado o número total de evocações feitas para o estímulo ‘agente comunitário de saúde’ com o obtido para ‘educação para a saúde’ (N = 453) e ‘saúde’ (N = 448), identificamos que aquele suscitou mais evocações. Com base nesses dados, fazemos uma primeira inferência: para os agentes comunitários de saúde é mais relevante falar de si. Porém, para não incorrer no equívoco de sermos simplistas, devemos considerar que a educação em saúde e a

saúde são objetos sociais com os quais o agente comunitário de saúde mantém um

outro tipo de experiência e uma outra distância. Assim sendo, as análises do capítulo seguinte apontam outras relações.

Um outro dado igualmente aponta para a relevância do falar de si. Ao contrário de ‘educação em saúde’, todos os participantes da pesquisa fizeram evocações para o estímulo ‘agente comunitário de saúde’. De acordo com os registros no Diário de Campo, estas evocações eram feitas mais rapidamente (ainda que num tempo quase comparável ao das evocações feitas para ‘saúde’) e inexistiram comentários acerca da falta de compreensão do estímulo dado. Uma única referência à dificuldade foi justificada com base na representação da importância do objeto para si e da desvalorização para os outros.

Tive dificuldade de responder o que me vem na mente quando fala em agente comunitário de saúde. O agente comunitário de saúde... Ele é tudo e ao mesmo tempo ele não se torna nada. Ele não se torna nada, ele não se torna ninguém. Porque ele não é reconhecido em canto nenhum do mundo. Ele não tem nada. O agente comunitário é como se fosse um bode expiatório. Eu me sinto assim. Não só eu, como muitas colegas minhas se sentem assim. A gente se sente como se fosse um bode expiatório. Somente. Mas que na realidade, o agente comunitário, ele não aparece em

canto nenhum. A não ser quando é pra fazer alguma coisa pra cumprir o calendário (FH50).

Uma comparação entre os estímulos, feita por um dos agentes comunitários de saúde, corrobora nossas avaliações registradas no Diário de Campo:

Esse [O ESTÍMULO ‘EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE’] deu um pouco mais trabalho do que o outro [refere-se ao estímulo ‘saúde’]. Falar do agente comunitário foi o mais fácil. Porque no caso, eu disse algo referente a mim. Porque eu me sinto uma pessoa amada, uma pessoa muito fundamental ao público (FH104. REGISTRO NO DIÁRIO DE CAMPO).

O estímulo ‘agente comunitário de saúde’, além de provocar um maior número de evocações e ter sido por vezes avaliado como fácil, apresenta uma outra característica peculiar: gera evocações ‘combinadas’. Exemplificamo-nas:

Ser uma pessoa popular e ter ética profissional (FH26).

Carinho, amor e dedicação com os outros (FH58).

Uma pessoa com capacidade e segura do que fala (FH69).

Luta: garra-disposição (MH70).

Ajudar e orientar as famílias (FH75).

Ética, responsabilidade, elo, liberdade (FH96). Compreensão e união com todos (FH98).

Pessoas de alta estima30 e confiável (FH104).

Psicólogo, amigo, conselheiro, entre outra série de adjetivos a ele atribuídos (FH115).

O total de evocações combinadas correspondeu a 44. Estas, embora submetidas à análise, foram desconsideradas, para fins de cálculo da ordem média de evocação e de freqüência. Opção que visou não fragmentar o discurso, pois, conforme indaga Schettini Filho (2003, p. 56): “Por que alienar uma parte do todo, se ele perderia o sentido sem suas partes?”

A justificativa dada por um agente comunitário de saúde para a evocação ‘vida e bem-estar’ feita para o estímulo ‘educação para a saúde’, exemplifica esta relação:

Pensei os dois juntos. [...] Eu acho que é assim: que para se pensar a educação para a saúde... tem que pensar profundo: vida, essência. Vida é vida. Não tem como explicar. Vida é isso aí, é bem-estar. Um bem-estar físico, um bem-estar mental, um bem-estar familiar, tudo. Então, vida, eu coloquei assim, mas nesse sentido: viver-bem-estar (MH70).

Porém, uma vez que não desconsideramos as demais evocações (não combinadas) dos agentes comunitários de saúde que fizeram evocações combinadas, e para garantir que este procedimento não fortalecesse ou enfraquecesse alguma evocação, após ser identificada a configuração estrutural da representação, fizemos um novo cálculo, excluindo os respondentes que haviam

feito tais evocações (N = 35)31. Identificamos que tal procedimento não provocou

viés dos dados, uma vez que os elementos do núcleo central se mantiveram inalterados, havendo apenas mudança de uma representação da primeira periferia, situada no quadrante superior direito, que passou a se localizar no quadrante inferior esquerdo, o que não altera a constituição dos elementos do sistema periférico equivalente à primeira periferia.

Como já referimos, as categorias a partir das quais identificamos a configuração estrutural da auto-representação social do agente comunitário de saúde foram 14. Expomos, na Figura 2, a combinação dos critérios freqüência e ordem média de evocação, conforme proposição de Vergès (1992; 1994). Esta análise permitiu a identificação de dois índices: (1) média da ordem média de evocação (MOME) e (2) média da média das freqüências (MF), com base nos quais obtivemos o desenho da Figura 3.

A ordem média de evocação, conforme a proposta de Vergès (1992), é alcançada considerando-se a evocação feita em primeiro lugar com peso 1, em segundo lugar, com peso 2, e, assim por diante. Em seguida, o somatório destes produtos é dividido pelo somatório das freqüências da categoria citada nas diversas posições, obtendo-se assim a ordem média de evocação da categoria. A média aritmética dos valores da ordem de evocação de cada categoria corresponde à média da ordem média de evocação (MOME).