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um contrato de confiança (BOURDIEU, 1999).

3.5 SOBRE OS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE E SUAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE SI MESMO

3.5.2 O MOVIMENTO ASSOCIATIVO COMO ESPAÇO DE LUTA E SÍMBOLO DE DISTINÇÃO

Eu acho que uma andorinha só não faz verão. Mas todos juntos, com certeza, vai fazer chover (AGENTE COMUNITÁRIA DE SAÚDE, SEXO FEMININO, ENSINO MÉDIO COMPLETO, IDADE SUPERIOR A 40 ANOS).

Pautados na discussão feita por Strauss (1999) sobre os grupos de ‘afiliação’ e os grupos de ‘referência’, é possível nos reportarmos ao grupo de agentes comunitários de saúde como um grupo cujos membros são genuínos. Ou seja, estão afiliados de modo formal. A afiliação à Associação de Agentes Comunitários de Saúde, porém, é uma escolha que implica ‘custos’. Embora o despendido em dinheiro equivalha a contribuições mensais estipuladas em 1% dos seus vencimentos, diante de salários avaliados por estes profissionais como baixos, é uma diminuição que precisa ser vista como necessária, além de requerer ganho.

É válido então ressaltar, entre os motivos da vinculação à associação, a luta pelo reconhecimento enquanto profissional e por sua valorização. Uma conquista sobre a qual já fizemos menção, que se deu recentemente, em nível nacional, foi o reconhecimento da profissão do ACS. Porém, a luta pela regularização do vínculo

empregatício e pela obtenção dos direitos trabalhistas, como carteira de trabalho assinada, é uma reivindicação ainda não alcançada. Por isso, estar unido na associação, para a maioria dos associados é estratégia para a luta: “Nos dá direito a reivindicar juntos com os colegas” (FH35); “[...] já pensou se fossem 200 agentes de saúde, saindo todo mundo, todos os dias, pra ir brigar por uma coisa que a gente quer de melhor?” (FH2); “Tem que se reunir pra ter força, pra poder batalhar e enfrentar, conseguir alguma coisa com nossas reivindicações” (FH59).

Entretanto, para uma minoria, inexistem vantagens de ser associado: “Eu ainda não descobri porque sou sócia, pois a associação não nos oferece absolutamente nada” (FH31); “Sou da associação porque a maioria é sócio. Mas eu não gosto de associação, pois não resolve nada de nada” (FH27).

Comentários complementares, relativos à associação e ao sindicato, bem como à própria participação de seus sócios e seus dirigentes, ainda se fazem necessários. Porém, temporariamente, os adiamos. Acrescentamos, no entanto, que Brito e Domingos Sobrinho (2001) consideram a organização dos agentes comunitários de saúde do município de João Pessoa, em uma associação, como um exemplo de visibilidade conseguido pelo grupo.

A AACS-JP, sociedade civil de direito privado, sem fins lucrativos, foi fundada em 16 de abril de 1999. Ao longo de sua breve história, ‘muita história’. Acontecimentos relatados e acompanhados. Apresentamos uma breve exposição dos mesmos, embora dando importância a este movimento e reconhecendo que esta entidade, assim como o Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde, criado no ano de 2002, são mediadores na construção da identidade destes profissionais.

Ao nosso ver, a organização do Sindicato resulta de todo um empenho dos profissionais e da direção da associação local, em articulação com associações de

outros municípios, em torno de uma causa principal: a precarização do trabalho. Associação e sindicato dão visibilidade aos agentes do presente estudo, inclusive distinguindo-os dos ACSs dos demais municípios paraibanos.

Convém destacar que, desde sua fundação, o presidente tem sido o mesmo. Reeleito por duas vezes. O estatuto não trata do assunto. Nas nossas observações e entrevistas não registramos comentários acerca do mesmo, o que inferimos ser decorrente da satisfação com a sua gestão e, ao nosso ver justifica sua eleição para a presidência do Sindicato, cuja fundação ocorreu no ano de 2002. Outra inferência é que o seu capital cultural é interpretado como fator que aumenta a capacidade de mobilização da categoria.

Ainda sobre a visibilidade, se pensado, como Bourdieu, que ninguém faz nada sem interesse, a aceitação da presença e do acompanhamento do pesquisador, para o desenvolvimento do presente estudo, parece ser, para os agentes comunitários de saúde, uma possibilidade de efetivá-la. Sobre esta expectativa, assim se posiciona um agente comunitário por ocasião da apresentação da proposta da pesquisa, em uma assembléia da AACS-JP: “Até que enfim, alguém se preocupa em acompanhar de perto e saber o que a gente tá fazendo” (FH79).

Outros discursos com esta mesma idéia, além das facilidades de inserção do pesquisador no campo, inclusive de acesso à documentação da associação, parecem indicar ser coerente tal inferência.

E a senhora pensa em fazer algum livro sobre o agente de saúde? Seria bom (FH44).

De que forma você acha que esse seu trabalho pode nos ajudar, no futuro? Assim em relação aos governantes (FH59).

Acho importante esse seu trabalho sobre agente de saúde, porque já nos dá, assim... uma moral. E quem sabe, a gente se abrindo, abre uma porta pra saúde (MH72).

Eu adorei fazer essa entrevista. Que traga bons frutos pra gente. E pra senhora também (FH79).

Que esse seu trabalho seja não só pra você [...] E vá ter um retorno pra nós [...] Tenha certeza que a partir do seu, outros setores da universidade vão vir em busca de nós (FH3).

Neste sentido, nos preocupamos com as expectativas que foram criadas. O seguinte registro demonstra como nos sentíamos à medida que a coleta de dados avançava:

Eu venho pensando em poder sugerir algumas coisas para a Secretaria de Saúde. Algo mais que os dados da pesquisa. Sugerir com argumentos. Se vai dar resultado, eu não sei. Tenho refletido: vou terminar e dizer: ‘missão cumprida’. Eu não só terei obtido as informações, como apresentarei o trabalho, serei avaliada. Venho me encaminhando para conseguir o título de doutora em educação. Isso vai ser bom pra mim, profissionalmente. E os agentes? Que dedicaram tanto tempo a mim... falaram, confiaram, conversaram tanto sobre o seu trabalho. E as outras pessoas da equipe? Em troca, o quê? [...]. Sem falar em tantas pessoas, em famílias que, embora indiretamente, passaram a ser observadas, e que vêm abrindo suas portas para mim (DIÁRIO DE CAMPO).

Esta nossa inquietação resulta das próprias características do grupo focalizado. Além disso, de nosso próprio interesse pela temática, desde a escolha dos nossos objetivos e dos sujeitos que nos interessaram conhecer. Ousamos concluir que o método é mais que participação, como avalia Santin (1998). É compromisso. Necessidade de propiciar uma contrapartida. Esperamos que os próprios dados sobre as representações de objetos sociais inerentes ao cotidiano do ACS venham

nos possibilitar mais que a articulação entre uma prática e uma teoria.

Diante deste movimento associativo e do modo como nele se dá a inserção de seus agentes (no sentido mais amplo do termo), podemos fazer referência ao habitus do agente comunitário de saúde, levando em conta que este se trata de um

[...] terreno comum em meio do qual se desenvolvem os empreendimentos de mobilização coletiva, cujo êxito depende forçosamente de um certo grau de coincidência e acordo entre as disposições dos agentes mobilizados e as disposições dos grupos ou classes [...] (BOURDIEU, 1999, p. 52).

Após a análise dos dados, relendo o Diário de Campo, identificamos que muito sobre o dito traduz as falas das lideranças, nos fazendo inferir ser o movimento associativo dos ACSs uma identidade de resistência, conforme descreve Calhoun (1997, p. 17 apud CASTELLS, 2000, p. 24)

[...] criada por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim, trincheiras de resistência e de sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade, ou mesmo opostos a estes últimos, conforme propõe.

Segundo Castells, a construção das identidades se dá em contextos marcados pelas relações de poder. A identidade destinada à resistência leva à formação de comunas ou comunidades. Ele avalia que ela é provavelmente o tipo mais importante de identidade de nossa sociedade. “Ela dá origem a formas de resistência coletiva diante de uma opressão que, do contrário, não seria suportável

[...]” (CASTELLS, 2000, p. 25).

A identidade de projeto, na sociedade em rede, se é que pode se desenvolver, se origina a partir da resistência comunal. Quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a transformação de toda a estrutura social.

3.5.3 AUTO-REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE AGENTES COMUNITÁRIOS