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Avós e cuidados com os(as) netos(as)

3 CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

3.2 Avós no Brasil contemporâneo

3.2.2 Avós e cuidados com os(as) netos(as)

Alguns autores (LINS DE BARROS, 1987; DESSEN; BRAZ, 2000; VITALE, 2003; SILVA; SALOMÃO, 2003; RAPOPORT, 2003; LOPES; NERI; PARK, 2005; MOREIRA; BIASOLI-ALVES, 2007; ARAÚJO; DIAS, 2010; CARDOSO, 2011) têm destacado os avós, especialmente as mulheres-avós, dentre as formas de cuidado e educação complementar e dentre as pessoas, no âmbito da família, que vêm

participando ou compartilhando dos cuidados e educação das crianças, especialmente da criança pequena ou bebê.

Para Vitale (2003), o nascimento dos primeiros netos corresponde, geralmente, a uma etapa da vida em que os avós estão ativos e saudáveis, dependendo das circunstâncias de suas trajetórias de vida. O papel de avô/avó vem experimentando grandes mudanças; ao invés do estereótipo de passividade, dependência e desinteresse, os avós do século XXI têm uma imagem ativa, interessada e independente (MORAGAS, 1997 apud RUSCHEL; CASTRO, 1998).

Corsaro (2011) aponta que mudanças relacionadas à longevidade, aposentadoria, seguridade social, tecnologia moderna, padrões de vida etc. influenciaram as inter-relações entre gerações e a modernização no papel dos avós.

O autor refere:

(...) mais pessoas vivem durante tempo suficiente para se tornarem avós e desfrutarem de longo período de vida nesse papel. Os avós podem manter contato mais facilmente com seus netos; eles têm mais tempo para dedicar a eles; têm mais dinheiro para gastar com eles; e são menos propensos a sustentar seus próprios filhos (CHERLIN; FURSTENBERG, 1986 apud CORSARO, 2011, p. 43).

De acordo com Weichold (2009), em contexto internacional, 20% dos adultos com idades entre 40 e 85 anos que residem na Europa e 40% dos que residem na Ásia e na África cuidam dos netos regularmente. Nesse sentido, os avós apoiam seus netos e filhos – e estes últimos acabam por economizar na educação e cuidado das crianças e adolescentes.

Ser avó ou avô por um longo período da vida, independentemente da idade, tem possibilitado maior convívio entre as gerações e permitido o desempenho de variados papéis nas relações com os netos (LOPES; NERI; PARK, 2005; CARDOSO, 2011). Com a chegada de uma nova criança, os avós podem assumir o papel de ajudar e ensinar os pais de seus netos a exercerem as funções parentais de cuidado e educação (LINS DE BARROS, 1987). Os avós podem se tornar parceiros dos pais na educação e cuidado das crianças e adolescentes nos casos em que a convivência entre avós e netos é constante. Outros podem preferir deixar esse papel para os pais e ter com seus netos uma relação de caráter mais lúdico (VITALE, 2003).

Azevedo e Rabinovich (2012) realizaram uma pesquisa sobre retratos da avó na literatura infantil contemporânea, na qual as avós aparecem como representantes das gerações anteriores, fontes de heranças simbólicas – familiar, intelectual, cultural - e transmissoras de tradição e cultura contribuindo para a formação intelectual e identitária de seus netos. Da mesma maneira, Trigo (1998 apud SOCORRO; DIAS, 2007) afirma:

Como avó, a importância de seu papel reside na capacidade de transmissão de sabedoria e experiência de vida; na transmissão de continuidade e longevidade familiar. Atua como suporte afetivo, educacional e financeiro aos netos e demais membros da família (p. 46).

Como observa Cardoso (2011, p. 98), “(...) os avós são os agentes de movimento de socialização dos papéis materno e paterno na família. (...) Com o nascimento dos netos, o ciclo familiar ganha novos contornos, sendo a presença dos avós intensificada nas relações familiares”.

Oliveira (2007 apud CARDOSO, 2011) nomeia as funções desempenhadas pelos avós em três tipos: participativos, cuidadores voluntários e cuidadores involuntários e relaciona os papéis atribuídos aos avós nas famílias com o contexto cultural e social no qual a família se encontra. Nas famílias contemporâneas, o papel dos avós com relação à educação e cuidado dos netos é variável: muitos coabitam com seus netos, há avós que cuidam e educam por um período do dia, há outros que são cuidadores integrais, ou nos finais de semana, e aqueles que os encontram eventualmente (VITALE, 2003).

Estudos (Atias-Donfut e Segalen, 2001; Lins de Barros, 1987, 2001; Coutrin

et al. 2006, 2007; Lopes, Neri & Park, 2005; Peixoto, 2000, 2004) revelam

que situações de cuidados e criação dos netos pelos avós vêm caracterizar famílias de camadas médias e populares brasileiras (CARDOSO, 2011, p. 23).

Lopes, Neri e Park (2005) e Araújo e Dias (2010) citam algumas situações mais comuns em que os avós assumem o cuidado dos netos: quando ambos os pais trabalham fora; desemprego dos pais ou dificuldades financeiras necessitando da ajuda dos avós; gravidez e despreparo para cuidar do filho; divórcio e retorno com os netos para casa dos pais; recasamento de pais separados e não aceitação por parte das crianças e/ou do cônjuge; incapacidade dos pais decorrente de

dificuldades/doenças; morte precoce dos pais;envolvimento dos pais em situações ilícitas e/ou problemas judiciais, entre outros.

Para Lins de Barros (1987), a relação dos avós com a família dos filhos não está livre de tensões: o cuidado e educação das crianças e adolescentes é o cerne dos conflitos quando os avós questionam as formas atuais, “modernas”, de se educar. Ao mesmo tempo, os filhos também se sentem invadidos pelas intervenções de pais e sogros na educação e cuidado de seus próprios filhos.

Ao mesmo tempo em que se consideram explorados e cumprindo uma função até certo ponto semelhante à de empregadas, principalmente quando os netos são pequenos, as avós percebem que as próprias mudanças da sociedade impeliram a família, antes mais centrada nos pais e filhos, para uma abertura em relação aos parentes, principalmente em relação à geração anterior, isto é, a eles mesmos. A visão que tem deste processo – caracterizado por eles pela interferência constante dos filhos no seu dia-a-dia e por sua presença na casa ou nas relações internas à família conjugal dos filhos – aproxima as relações familiares de um modelo de família extensa, apesar de as famílias conjugais não viverem juntas (LINS DE BARROS, 1987, p. 135).

Lopes, Neri e Park (2005) indicam posições distintas quanto ao cuidado dos netos. Enquanto alguns avós aceitam de bom grado o cuidado dos netos para si, outros não hesitam em dizer não para esse tipo de pedido. Fatores diversos podem influenciar o posicionamento dos mesmos. Estas decisões “refletem posições que não devem ser julgadas, mas compreendidas como exemplos da heterogeneidade que caracteriza a experiência de envelhecer e de posicionar-se nas relações familiares” (LOPES; NERI; PARK, 2005, p. 9).

A vivência e o significado do papel de avó são influenciados por variáveis como classe, raça, idade, número e idade dos netos etc., de acordo com a cultura e o tempo social e histórico (DIAS, 2002). Kipper e Lopes (2006) apontam para a ausência de estudos que tenham investigado o tornar-se avó.

Socorro e Dias (2007) encontraram em sua pesquisa a repetição da frase “ser avó é ser mãe duas vezes”, acompanhada de sentimentos de satisfação e felicidade por parte das avós. O ser avó é associado à renovação, renascimento e momento de reviver a própria maternidade. Para muitas avós, a chegada dos netos pode significar preencher um vazio deixado, entre outras coisas, pela saída dos filhos de casa (KIPPER; LOPES, 2006).

Segundo Lopes, Neri e Park (2005), os avós relatam nutrir pelos seus netos um amor “incomensurável” e muitas vezes considerado como o maior amor já vivido.

Para Weichold (2009), dentre os relacionamentos intergeracionais, tornar-se avô ou avó pode oferecer aos indivíduos mais velhos uma sensação de bem-estar emocional, reconhecimento e produtividade. As crianças são percebidas como fonte de renovação, como perpetuação e continuação de si mesmos e da família. Assim, os avós buscam conciliar a participação na vida dos netos com suas atividades e vidas pessoais, encontrando equilíbrio entre as atividades próprias e a dedicação aos netos (LINS DE BARROS, 1987; VITALE, 2003). Conforme Peixoto (2001 apud VITALE, 2003):

(...) raros são os casos de avós que não cuidam, em algum momento, de seus netos, a maioria dos avós possuem disponibilidade e voluntariamente cuidam de seus netos; todavia, alguns são obrigados a cuidar dos netos pela situação de dependência dos filhos; outros consideram isso um trabalho específico e só ajudam quando solicitados (p. 95).

Em pesquisa realizada nas cidades de Paris e do Rio de Janeiro sobre solidariedade familiar, foi analisado e comparado o apoio dado pelos avós em algumas atividades domésticas, especialmente com relação ao cuidado e educação dos netos. Em ambas as cidades, foi observado que tarefas como cuidar das crianças, levar até a escola ou ao médico, dentre outras, são comumente exercidas pela avó quando a mãe é uma profissional atuante e não possui uma empregada doméstica ou babá. A autora verificou que a coabitação entre gerações é uma prática comum entre as famílias brasileiras, fator que pode estimular a solidariedade familiar (PEIXOTO, 2000 apud CARDOSO, 2011).

Por sua vez, Oliveira, Vianna e Cárdenas (2010) entrevistaram avós e netos para entender a relação desses grupos de idade no período da infância dos netos. As avós relataram proximidade emocional com os netos, frequentemente cuidando, protegendo, educando, brincando, ajudando em algumas atividades como fazer a tarefa de casa e levar e buscar na escola.

Na literatura verificou-se diferença no sentimento com relação às avós maternas e paternas: as avós de linhagem materna tendem a ser mais próximas/íntimas das famílias de suas filhas e consequentemente mais envolvidas com seus netos; têm a confiança das filhas e, desta forma, se tornam cuidadoras dos netos com maior frequência (KIPPER; LOPES, 2006; ARAÚJO; DIAS, 2010; OLIVEIRA; VIANNA; CÁRDENAS, 2010).

Laviola (2010), em estudo realizado no âmbito do NEGRI, ao investigar discursos de mães pertencentes às camadas médias sobre o bebê, sua educação e cuidado observou pouca mobilização pelos direitos dos bebês e pelas políticas de creche e uma maior preferência pelo cuidado e educação no espaço doméstico, realizado pela própria mãe, avó ou babá. Dentre as oito mães entrevistadas, quatro estavam em período de licença maternidade cuidando do próprio bebê; um bebê ficava sob os cuidados da uma babá; dois bebês com as avós maternas; e um bebê acompanhava os pais e avós maternos no trabalho, ficando a maior parte do tempo sob os cuidados da avó materna. Ao todo, quatro bebês estavam sendo cuidados pelas próprias mães, três pelas avós e apenas um pela babá. A autora observou que todas as mães entrevistadas, exceto uma, tiveram ajuda da mãe ou da sogra no cuidado com os bebês nos primeiros dias em casa após o parto. Dentre as mães entrevistadas que já haviam retornado ao trabalho após licença maternidade, três escolheram a avó materna para cuidar do bebê (LAVIOLA, 2010).

Laviola (2010) mencionou ainda um ponto curioso percebido em sua pesquisa: certa rejeição em deixar o bebê sob os cuidados da sogra. As entrevistadas alegaram razões diversas para tal rejeição: oferecimento de cuidados diferentes daqueles que a avó materna ofereceria; idade avançada; opção em não deixar nem com a sogra nem com a mãe; um certo “ciúme” por parte da mãe do bebê. No mesmo sentido, mães pesquisadas por Oliveira (2007) mencionaram a interferência das sogras, e não das mães, pais ou sogros, na vida familiar, principalmente na educação dos filhos e no aconselhamento do casal.

Alguns autores (ROSSETI-FERREIRA e colaboradores, 1994 apud BHERING; SARKIS, 2007; SORJ; FONTES; MACHADO, 2007) sugerem uma diminuição, nos últimos anos, da rede de apoio de pessoas na família e de parentes e vizinhos. Alertam que a disponibilidade de familiares, especialmente de avós, tem diminuído uma vez que as novas gerações de mulheres brasileiras, que estão se tornando avós, são muito diferentes das gerações anteriores: são mulheres com maior escolaridade e inserção profissional e que, portanto, devem continuar engajadas no mundo do trabalho. Rosseti-Ferreira e colaboradores (1994 apud BHERING; SARKIS, 2007) relacionam essa diminuição da rede de apoio com a maior procura por creches. Entretanto, outras pesquisas apontam justamente o contrário.

Baseada em sua pesquisa sobre o apoio social dado às mães ao longo do primeiro ano de vida do bebê, Rapoport (2003) afirma que os avós, a creche e o pai do bebê são os principais provedores de apoio desde a gestação até o primeiro ano de vida dos bebês. Para Oliveira (2007), os familiares são a principal fonte de apoio materno, destacando-se o companheiro, os avós e os tios maternos.

Silva e Salomão (2003) realizaram pesquisa com mães adolescentes e avós maternas do bebê na qual estas últimas relataram ter desempenhado papéis de cuidado/apoio; ensino/orientação; em certos casos o mesmo papel de uma mãe; além dos papéis de avaliação e controle. Nesse sentido, Rocha-Coutinho (1998 apud CARDOSO, 2011) destaca a “solidariedade feminina” no cuidado do bebê:

(...) observou nas mulheres entrevistadas para sua pesquisa que a solidariedade feminina nas gerações parece ser cada vez mais constante, quando, em tempos de pós-modernidade, as mulheres mais jovens necessitam trabalhar e ao mesmo tempo querem ter filhos, solicitando, para tanto, a ajuda de suas mães (p. 100).

A ajuda e apoio das avós junto a suas filhas ou noras durante a gestação e principalmente nos primeiro dias ou meses após o nascimento dos netos parece ser comum uma vez que é relatado em diversas pesquisas (ROCHA-COUTINHO, 1998 apud CARDOSO, 2011; SILVA; SALOMÃO, 2003; RAPOPORT, 2003; KIPPER; LOPES, 2006; OLIVEIRA, 2007; MOREIRA; BIASOLI-ALVES, 2007; LAVIOLA, 2010; KOSMINSKY, 2009). Kosminsky (2009), por exemplo, relata em seu artigo que sua mãe esteve presente dando apoio após o nascimento de cada um dos seus quatro filhos e que ela mesma também ajudou suas filhas após o nascimento dos netos.

Nesse sentido, a ativa presença de mulheres-avós na educação e cuidado dos netos, especialmente nos primeiros meses de vida, e a influencia dessas avós na frequência ou não frequência desses à creche, nos impulsionaram a entrevistá- las. Assim, apresentaremos no próximo tópico a análise das entrevistas realizadas com quatro avós cujos netos têm entre 0 e 3 anos de idade.