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Método: hermenêutica de profundidade

2 TEORIAS E MÉTODO

2.3 Método: hermenêutica de profundidade

A HP é um referencial metodológico geral, proposto por John B. Thompson em seu livro Ideologia e cultura moderna (1998), para a análise cultural de produções simbólicas socialmente estruturadas que foi utilizado como referência para a organização desta pesquisa e do texto da dissertação.

Thompson (1998) propõe uma “concepção estrutural” de cultura que engloba o caráter simbólico da vida social. Ou seja, para o autor e para nós, os padrões de significado associados às formas simbólicas são compartilhados na vida cotidiana dentro de contextos sociais estruturados – contextos esses que “envolvem relações de poder, formas de conflito, desigualdades em termos de distribuição de recursos e assim por diante” (THOMPSON, 1998, p. 22).

As formas simbólicas são aqui entendidas como ações, falas, imagens e textos recebidos, reproduzidos, alterados e colocados em circulação. Podem ser de ordem linguística, não linguística ou mista e devem ser consideradas pelos pares como significativas e reconhecidas em contextos socialmente estruturados. Na presente pesquisa consideramos os discursos das avós de bebês de 0 a 3 anos como formas simbólicas estruturalmente situadas e que merecem descrição e interpretação.

Nas palavras de Thompson (1998), as formas simbólicas:

(...) são construções significativas que são interpretadas e compreendidas pelas pessoas que as produzem e recebem, mas elas também são construções que são estruturadas de maneiras definidas e que estão inseridas em condições sociais e históricas específicas (p. 364-365).

Vale ressaltar as cinco características fundamentais que distinguem as formas simbólicas: a dimensão intencional (são expressões de um sujeito para outro sujeito com certo objetivo ou propósito); a dimensão convencional (a sua produção, circulação e recepção envolve regras ou convenções); a dimensão estrutural (exibem uma estrutura articulada); a dimensão referencial (representam, dizem respeito e referem-se a algo) e por último a dimensão contextual (estão sempre

inseridas em contextos sócio-históricos específicos, dentro dos quais e por meio dos quais são produzidas, transmitidas e recebidas).

A perspectiva de análise cultural proposta por Thompson (1998) é fundamentada no estudo da maneira como as formas simbólicas são produzidas, transmitidas e recebidas, investigando os contextos e processos socialmente estruturados e historicamente específicos. Em outras palavras, a HP “é o estudo da construção significativa e da contextualização social das formas simbólicas” (THOMPSON, 1998, p. 363).

Thompson (1998) enfatiza a importância de investigar o contexto da vida cotidiana:

Muitas vezes as formas simbólicas são analisadas separadamente dos contextos em que são produzidas e recebidas pelas pessoas que rotineiramente dão sentido a essas formas e as integram a outros aspectos de suas vidas. Negligenciar esses contextos da vida cotidiana, e as maneiras como as pessoas situadas dentro delas interpretam e compreendem as formas simbólicas que elas produzem e recebem, é desprezar uma condição hermenêutica fundamental da pesquisa sócio- histórica, especificamente, que o campo-objeto de nossa investigação é também um campo sujeito em que as formas simbólicas são pré- interpretadas pelos sujeitos que constituem o campo (p. 364).

O método objetiva descrever e interpretar as maneiras como as formas simbólicas são produzidas, apreendidas e interpretadas pelos sujeitos que as formulam e as recebem, portanto Thompson (1998) sugere a reconstrução desse processo por meio de entrevistas, ou outros tipos de pesquisa etnográfica, como a observação participante.

O autor alerta que essa reconstrução já é um processo interpretativo, ou seja, uma tentativa de entendimento do cotidiano, “uma interpretação das opiniões, crenças e compreensões que são sustentadas e partilhadas pelas pessoas que constituem o mundo social” (THOMPSON, 1998, p. 364). É o ponto de partida para buscar outros aspectos das formas simbólicas, aspectos que surgem da constituição do campo-objeto.

A metodologia da HP como um todo prevê três etapas: análise sócio-histórica, análise formal ou discursiva e interpretação/reinterpretação (Figura 01). Thompson (1998) refere que “essas fases devem ser vistas não tanto como estágios separados de um método sequencial, mas antes como dimensões analiticamente distintas de um processo interpretativo complexo” (p. 365).

A primeira etapa da hermenêutica de profundidade é a análise sócio-histórica. Nesta etapa, objetiva-se reconstruir as condições sociais e históricas de produção, circulação e recepção das formas simbólicas.

A tarefa da primeira fase do enfoque da HP é reconstruir as condições e contextos sócio-históricos de produção, circulação e recepção das formas simbólicas, examinar as regras e convenções, as relações sociais e instituições, e a distribuição de poder, recursos e oportunidades em virtude das quais esses contextos constroem campos diferenciados e socialmente estruturados (THOMPSON, 1998, p. 369).

Figura 01 - Formas de investigação da hermenêutica. Hermenêutica da vida cotidiana Interpretação da Doxa

interpretação da doxa

Fonte: adaptada de Thompson (1998, p. 365).

O autor afirma que as condições e os contextos podem ser examinados diferentemente, dependendo das circunstâncias e dos objetos de cada pesquisa, mas sugere quatro aspectos típicos dos contextos que atingem, cada um, um nível de análise: as situações espaço temporais; os campos de interação; as instituições sociais; a estrutura social; e os meios técnicos de transmissão.

Referencial Metodológico da Hermenêutica de Profundidade Análise sócio- histórica • situações espaço- temporais; • campos de interação; • instituições sociais; • estrutura social; • meios técnicos de transmissão. Análise formal ou discursiva • análise semiótica; • análise de Conversação; • análise sintática; • análise narrativa; • análise argumentativa. Interpretação/ reinterpretação

No NEGRI, temos realizado a análise do contexto sócio-histórico via revisão de literatura de acordo com o objeto da pesquisa. Nesta dissertação, analisamos o contexto sócio-histórico por meio de revisão da literatura que aborda a educação e o cuidado de bebês. Neste caso, entendemos que a literatura sobre a EI brasileira, incluindo os temas EI e creche, nos orientou devidamente nesta tarefa, a de situar o contexto social no qual são produzidos discursos sobre bebê e creche. Para dar mais ênfase a este aspecto, quando as formas simbólicas são discursos produzidos em contexto de entrevista, selecionamos pessoas que convivem com crianças pequenas e/ou com o tema em sua vida cotidiana.

A análise formal ou discursiva, segunda fase da hermenêutica de profundidade, propõe o estudo das formas simbólicas produzidas, circuladas e recebidas nos campos sociais. No caso desta pesquisa, essas formas simbólicas são os discursos que estimulamos e registramos, ou seja, a análise da transcrição das entrevistas com as avós, seu contexto de produção e conteúdo. As entrevistas, por serem construções complexas, apresentam uma estrutura articulada que necessita de análise própria.

Formas simbólicas são produtos contextualizados e algo mais, pois elas são produtos que, em virtude de suas características estruturais, têm capacidade, e têm por objetivo, dizer alguma coisa sobre algo. É esse aspecto adicional e irredutível das formas simbólicas que exige um tipo diferente de análise, uma maneira diferente de olhar as formas simbólicas (THOMPSON, 1998, p. 369).

As entrevistas foram transcritas e foi feita a seleção dos trechos que constituíram o corpus. O corpus “é o conjunto dos documentos tidos em conta para serem submetidos aos procedimentos analíticos. A sua constituição implica, muitas vezes, escolhas, seleções e regras” (BARDIN, 1977, p. 96-97).

Esta fase tem por objetivo analisar a organização interna das formas simbólicas, seus padrões, relações e características. De acordo com Thompson (1998), ela pode ser realizada por meio de diferentes tipos ou métodos de análise como análise discursiva, semiótica, entre outras. Temos adotado a análise de conteúdo seguindo as orientações de Bardin (1977) e Rosemberg (1981). Portanto, depois de constituído, o corpus teve seu conteúdo descrito por meio de categorias.

A última etapa da hermenêutica de profundidade,

sócio-histórica e análise formal ou discursiva. Busca sintetizar e explicitar criativamente o que está representado ou o que é dito para chegar a possíveis significados.

A fase de interpretação é facilitada pelos métodos da análise formal ou discursiva, mas é distinta dela. Os métodos da análise discursiva procedem através da análise, eles quebram, dividem, desconstroem, procuram desvelar os padrões ou efeitos que constituem e que operam dentro de uma forma simbólica ou discursiva. A interpretação constrói sobre esta análise, como também sobre os resultados da análise sócio-histórica (THOMPSON, 1998, p. 375).

Nesta última etapa deve-se chegar a uma construção criativa de significados, esclarecimentos sobre o que as formas simbólicas representam e o que elas dizem sobre o que.

Seguindo a proposta da HP como método e organização do texto, no próximo capítulo daremos início à análise que propomos do contexto sócio-histórico de produção dos discursos de avós sobre o bebê e a creche.