• Nenhum resultado encontrado

2 TEORIAS E MÉTODO

2.2 Estudos Sociais da Infância

2.2.2 O enfoque estrutural

Aprofundar-nos-emos, agora, um pouco mais no enfoque estrutural por se tratar da abordagem com o qual o NEGRI se identifica, conforme assinalado. Jens Qvortrup, representante deste enfoque e referência na Sociologia da Infância, liderou diversas pesquisas11 na Europa.

Em um de seus textos publicados em português, Nove teses sobre a infância como fenômeno social, Qvortrup (2011) apresenta as principais ideias que orientam os novos paradigmas doa Sociologia da Infância segundo o enfoque estrutural e que são muito úteis para a compreensão desse aporte.

A primeira tese apresentada no artigo afirma que a infância é uma forma particular e distinta em qualquer estrutura de sociedade, independente de características individuais da criança. Neste caso, pode ser comparável ao conceito de classe social, pois a infância também está organizada em relação a outros grupos sociais dominantes, como a adultez. No NEGRI adotamos a expressão relações de idade para dar conta da dimensão relacional de forma equivalente a relações de classe, de gênero ou de raça.

A segunda tese postula que a infância não é uma fase de transição, mas sim uma categoria social que permanece na sociedade independente da quantidade de crianças que entram e saem no transcorrer do tempo e de configurações específicas que assuma.

Em outras palavras, a infância tanto se transforma de maneira constante assim como é uma categoria estrutural permanente pela qual todas as crianças passam. A infância existe enquanto um espaço social para receber qualquer criança nascida e para incluí-la – para o que der e vier – por todo o período da sua infância (QVORTRUP, 2010c, p. 637).

A terceira tese propõe pesquisar a infância, categoria variável histórica e culturalmente, buscando compreender exatamente as mudanças de concepção em

11 “Infância como fenômeno social”, patrocinada pelo European Center (Viena) e realizada em

dezesseis países; “Crianças e bem-estar social”, realizada na Dinamarca entre 1997 e 2002; “Bem- estar das crianças”, “A criança moderna e o mercado de trabalho flexível. Institucionalização e individualização das crianças à luz das mudanças no estado de bem-estar social” e “Crianças como novos cidadãos e o ‘melhor interesse da criança’ – um desafio para as democracias modernas”, realizadas na Noruega entre os anos de 2001-2005, 2003-2008 e 2005-2007, respectivamente. Além dessas pesquisas, presidiu o grupo de pesquisa “Sociologia da Infância” da Associação Internacional de Sociologia (ISA), publicou diversos artigos, editou livros e participou de conselhos editoriais de periódicos da área.

relação às crianças/ à infância. Para o autor, pesquisar a criança individualmente é deixar de dar ênfase ao lugar da criança na sociedade.

Qvortrup (2010a) explora esta terceira tese no artigo A tentação da diversidade – e seus riscos, no qual se posiciona sobre a questão epistemológica da diversidade e da interseccionalidade: opina que esses tipos de estudos falham em mostrar a força do grupo social infância como um todo à medida que fragmentam a criança ou a infância em categorias como classe econômica ou social, gênero e etnicidade.

Para o autor, a Sociologia da Infância não deve num primeiro momento pesquisar as diferenças entre as crianças, mas a categoria infância. Considera que as pesquisas devem adotar uma perspectiva geracional uma vez que as crianças, enquanto grupo social, são ignoradas pelos adultos. Para firmar sua posição, Qvortrup (2010a) declara:

Meu principal argumento é que, antes de tomar o caminho da verificação de nossas diversas infâncias, precisamos chegar a um acordo quanto ao que é a infância como categoria. Infância como categoria pressupõe uma pluralidade de infâncias, que são agrupadas sob a categoria. (...) A Infância é parte de uma ordem geracional, como Leena Alanen utilmente a denominou, que tem a idade adulta como segmento oposto e dominante (p. 1132-1133).

Se, no NEGRI, compartilhamos desta tese, temos apontado a particularidade dos bebês na concepção de infância sustentada pelos Estudos Sociais da Infância ou pela Sociologia da Infância. Conforme Rosemberg (2003), a criança da Sociologia da Infância tem idade e não coincide com a idade do bebê.

Sua quarta tese destaca a infância como parte integrante da sociedade e de sua divisão de trabalho. Esta tese concebe a criança como participante ativa que, além de influenciar a vida de todos a sua volta, tem seu espaço na divisão social de trabalho uma vez que diversas especialidades se dedicam ao trabalho ligado às crianças (professores, psicólogos, pesquisadores, pediatras, babás etc.).

Outros autores, além de Qvortrup (2010a), destacam este aspecto. Por exemplo, Nancy Folbre (1994) segue esta linha de raciocínio ao apontar que, se por um lado, o desenvolvimento econômico tem aumentado o custo de se criar crianças/ter filhos para os pais, especialmente para as mães, por outro lado, as crianças movem a economia, geram emprego, são futuros trabalhadores, consumidores etc. Porém, os altos custos ficam sob a responsabilidade da família

mesmo sendo um ganho para a sociedade em geral. Oldman (1994) enfatiza a diminuição do cuidado das crianças dispensado pelas famílias e um aumento de trabalhos especializados no mercado de cuidado de crianças – chamados pelo autor de “childwork”; isto é, trabalhos economicamente rentáveis e cada vez mais comercializados. Na atualidade, as crianças passam menos tempo com a família que gerações anteriores e mais tempo com pessoas com as quais se mantém relação comercial. Ocorre, pois, interação da infância com os outros setores da sociedade. O autor comenta, ainda, sobre o perfil das pessoas que trabalham com crianças: são geralmente mulheres que recebem salários baixos e são lideradas por homens. Para Rosemberg e Mariano (2010), a demarcação da infância amplia o mercado de trabalho (para adultos) e o de consumo (para adultos e crianças) nas sociedades ocidentais contemporâneas.

A quinta tese de Qvortrup reitera que as crianças são co-construtoras da infância e da coletividade; elas são inventivas, ativas, criativas; são influenciadas e influenciam a sociedade.

A sexta tese postula que a infância está exposta, econômica e institucionalmente, às forças sociais, como os adultos, embora de modo particular. Ou seja, de modo equivalente ao que ocorre com adultos, qualquer evento ou situação de ordem política, econômica, social, ambiental etc., causa algum impacto na vida das crianças, apesar de os adultos não estarem atentos a esse fato e da legislação não levar as crianças em consideração. Para o autor, todo acontecimento político, econômico ou social, em nível micro ou macro, repercute e influencia indiretamente ou de forma mediada a vida das crianças (QVORTRUP, 2003). Para nós do NEGRI, além disso, acrescentamos os movimentos sociais e as práticas e discursos sociais que são orientados por concepções de relações de poder que situam a infância e as crianças em posição hierarquicamente inferior à dos adultos.

A sétima tese refere-se à dependência convencionada das crianças e as consequências de tal dependência para sua “invisibilidade” em descrições históricas e sociais, assim como para o baixo investimento de políticas públicas para a infância. Essa “invisibilidade” pode ser atestada no plano teórico, nas estatísticas e documentos de pesquisa governamentais, no plano das políticas públicas. “Por exemplo, a insistência em utilizar a família como unidade de observação quando buscamos saber sobre condições materiais impede-nos de perceber a situação agregada das crianças, comparada com outros grupos na sociedade” (QVORTRUP,

2011, p. 208-209). Se não se coletam dados sobre a situação de desigualdade dos diferentes grupos etários com relação a outros grupos, não se obtém argumentos para reivindicar políticas para o grupo social das crianças.

A saber, as sociedades ocidentais tendem a ver as crianças como seres dependentes que precisam ser protegidos. Pela alegação de que as crianças não possuem capacidade, competência e responsabilidade, sua liberdade é restringida socialmente12 como se fosse para seu próprio bem, quando, na realidade, tal

restrição tende a proteger os adultos da perturbação da presença das crianças (QVORTRUP, 2003). Rosemberg (1976, p. 1466) complementa: “O exercício do poder adulto sobre a criança é mediatizado pela educação formal e informal, que, além de manter a relação de dependência da criança, tende a prolongá-la cada vez mais”.

A oitava tese afirma: não os pais, mas a ideologia familiarista constitui uma barreira contra os interesses e o bem-estar das crianças. Essa afirmação diz respeito ao fato de que os pais, as famílias, são “exclusivamente” responsabilizados por suas crianças; em outras palavras, a sociedade em geral não se interessa nem se responsabiliza pelos diretos e bem-estar das crianças.

Do mesmo modo, segundo Oldman (1994), a familialização é “um processo que reduz as crianças ao seu papel na relação pai/mãe-filho(a) com todas as conotações de uso-valor emocional, socialização e invisibilidade numa instituição essencialmente ‘privada’” (OLDMAN, 1994, p. 43, tradução nossa). A ênfase na criança na família tira de foco a análise de outros aspectos importantes da infância e evita a análise de todos os aspectos da relação entre infância e adultez. Para nós, do NEGRI, esta dimensão é particularmente notável quando relacionada à criança pequena, ao bebê.

Na nona e última tese, Qvortrup (2011) afirma que a infância é uma categoria minoritária clássica, objeto tanto de atitudes marginalizadoras quanto paternalizadoras. Para o autor, a infância é considerada um grupo minoritário em comparação ao grupo dominante, os adultos, que possuem status e privilégios diferenciados, e que recebe tratamento desigual e diferencial por suas características físicas e culturais. Isto pode ser subsumido na expressão de Rosemberg (1976), de que nossas sociedades são adultocêntricas.

12 Não podem sair sozinhas ou andar sozinhas nas ruas das grandes cidades, devendo obedecer aos

Em suma, Qvortrup (2010c) adota uma perspectiva geracional, com a idade adulta sendo oposta à infância, com pesquisas voltadas para as inter-relações geracionais e para a situação da categoria infância com relação à adultez.