• Nenhum resultado encontrado

É amplamente aceito na literatura o reconhecimento do papel da argumentação como mediadora do desenvolvimento do pensamento crítico-reflexivo (RAPANTA, GARCIA- MILA, GILABERT, 2013; LEITÃO, 2000, 2007; JIMENEZ-ALEXANDRE, 2007; KUHN, 1991). Tal papel mediadorocorre à medida quea argumentação permite deslocar o pensamento do indivíduo para o plano reflexivo. Quando se argumenta, toma-se as próprias concepções sobre o mundo (conhecimento, crenças) como objeto de pensamento e se avalia as bases em que estas se apoiam e os limites que a restringem (LEITÃO, 2007; KUHN, 1991).

Para o caso deste trabalho, esta relação se assume a partir da postura cognitivo- discursiva de Leitão (2000, 2008), para quem a argumentação é uma atividade social, discursiva e situada, que envolve a negociação de divergências e implica um processo que favorece a revisão e reconstrução de perspectivas dos indivíduos. Os processos de justificação de pontos de vista, consideração e resposta a posições contrárias, necessariamente leva o sujeito a voltar para si e refletir sobre seu próprio pensamento (LEITÃO, 2007).

Partindo desta compreensão, Leitão (2000, 2007, 2008) propõe uma unidade de análise desenhada para capturar o processo de revisão que ocorre de forma natural no discurso. Esta unidade compõe-se de três movimentos: argumento, contra-argumento e resposta, os quais permitem evidenciar a natureza dialógica e dialética que esta lhe outorga à argumentação. A partir desta perspectiva, cada movimento tem uma funcionalidade. O argumento explicita a concepção do falante sobre seu ponto de vista. O contra-argumento traz a dúvida ou objeção sobre o ponto de vista colocado (próprio ou de outro), isto é, exerce o papel da oposição. Por fim, a resposta, que é a reação do proponente de um argumento à oposição emergente, tendo

inerentemente, um componente avaliativo que permite capturar as possíveis transformações nas concepções dos sujeitos sobre o que pensam ou sobre o que acreditam.

Quando a argumentação é levada para a sala de aula, geralmente se busca favorecer, no espaço de aprendizagem, o uso sistemático destes movimentos quando os alunos são solicitados para identificar, produzir e avaliar argumentação. Neste caso, em particular, aprofundou-se sobre a capacidade para avaliar a argumentação de outros, vista como uma ação que repercute no desenvolvimento do pensamento crítico-reflexivo.

3.4.1 Avaliação das argumentações e os argumentos

Antes de se aprofundar no processo de avaliação das argumentações e os argumentos, se precisa estabelecer uma diferenciação entre estes dois conceitos. A literatura relacionada sobre teoria de argumentação realiza uma distinção entre como compreender a argumentação, e o argumento. As diferenças entre estes dois conceitos radicam, fundamentalmente, em que a argumentação é considerada um processo dialógico de ideias opostas com respeito a dilemas de diferentes âmbitos, e envolve tanto o argumentador como a prática de argumentar (i.e estratégias de argumentação). Por enquanto, o argumento é definido como o produto do processo e prática argumentativa, e obedece a uma estrutura lógica (JOHNSON, 2000; RAPANTA, GARCÍA-MILA, GILABERT, 2013).

A ação de avaliar está presente na argumentação tanto na produção de argumentos, como na avaliação de argumentos de outros. Qualquer destas duas situações implica que um sujeito revise e reflita sobre suas posições e sobre as posições dos outros, isto é, que tome como alvo de análises as próprias concepções sobre o mundo (LEITÃO, 2007) e ao fazê-lo, estabeleça critérios que orientem seu julgamento.

Avaliar a argumentação requer pensar sobre o próprio conhecimento (HALPERN, 2014; KUHN, 1999, 1991), sobre como se está argumentando, assim como selecionar os aspectos a avaliar e definir critérios que garantem a validez de uma dita avaliação - avaliar realmente o que se quer avaliar (RAPANTA et al., 2013).

A avaliação, segundo Lipman (2003), é por excelência uma atividade de cunho metacognitivo, visto que, o pensamento estaria tanto constituído como avaliado por critérios. Segundo o mesmo autor, os critérios são as ferramentas ou regras usadas para construir juízos, avaliar uma situação, fato específico ou guias que ajudam em um ato de deliberação.

Nesta direção, avaliar a argumentação requer um exame objetivo e sistemático através de critérios que envolvem não só a qualidade do argumento, ou da informação, senão também

o contexto em que esta acontece. Deste modo, quando se avalia, leva-se em consideração tanto o grau de solidez do raciocínio (GOVIER, 2010; SAÍZ, RIVAS, 2008; HALPERN, 2014) como as circunstâncias particulares em que a argumentação ocorre (pessoa e contexto), e, portanto, as características de comunicação e discussão crítica e regrada (VAN EEMEREN, GROOTENDORST, 2004).

Estas características de discussão crítica e regrada se correspondem com a finalidade de resolver um conflito de opinião através do exame metódico de diferentes posições ou opiniões, sob condições contextuais que devem ser satisfeitas para orientar e guiar o discurso argumentativo para que este não seja falaz6 (VAN EEMEREN, 2007). Segundo este autor, as regras em uma discussão crítica proporcionam o procedimento de definição dos princípios gerais do discurso argumentativo e são desenhadas para prevenir obstáculos que possam interferir na resolução de um conflito de opinião.

Na presente proposta, tanto o grau de solidez do raciocínio, como as características de comunicação e discussão regrada, serão levados em consideração para caracterizar as transformações na competência para avaliar a argumentação dos outros. Especificamente parte- se dos critérios de aceitabilidade, relevância e suficiência propostos por Govier (2010) para avaliar os argumentos, e de critérios pragmáticos relacionados com a situação comunicativa e discursiva propostos por van Eemeren et al. (2008).

Compreende-se por avaliação do argumento, segundo Govier (2010) e Halpern (2014), a determinação da solidez de um argumento produzido, resultado da veracidade da informação, a relação entre o ponto de vista, as razões e justificativas, assim como a suficiência destas razões para suportar a perspectiva defendida. Por critérios pragmáticos, assumem-se a presença de condições de comunicação crítica como coerência no discurso, uso de estruturas argumentativas válidas, cumprimento de regras estabelecidas em uma situação comunicativa.

A adaptação realizada por Leitão (2012) do Modelo de Debate Crítico consiste em uma experiência de aprendizagem que privilegia sistematicamente tanto a produção como a avaliação da argumentação, contribuindo desta forma com situações explícitas de avaliação. No marco desta proposta pedagógica, Ramírez (2012) através de um estudo de caso de estudantes de psicologia, analisou as transformações no uso de critérios de avaliação da argumentação, como indicador de desenvolvimento do pensamento reflexivo, quando os participantes que passam por este Modelo são demandados para avaliar a argumentação de seus colegas. Esta autora concluiu que os estudantes apresentaram ganhos progressivos no uso de critérios,

6 Por falaz neste caso se define segundo van Eemeren (2007) como movimentos que violam uma regra específica

especialmente os pragmáticos (avaliação do compromisso pragmático dos participantes com a situação de debate), e comprovou-se a incorporação em menor proporção de critérios dialéticos no exame interno dos argumentos (incorporando-se critérios relacionados com a aceitabilidade).

O primeiro aspecto de interesse para tomar a avaliação da argumentação como foco, reside em dar continuação ao estudo de Ramírez (2012), aprofundando nas análises da transformação (incorporação - mudança-continuidade) dos critérios de avaliação com o passar do tempo e as diferentes configurações que estes adquirem em diferentes situações (contextos). Isto, por considerar que a existência de elementos que continuam e adquirem uma relativa estabilidade é um dado empírico que permite observar o que um indivíduo internalizou de uma experiência (VYGOTSKY, 1978), ou seja, o que foi desenvolvido a partir de uma experiência de aprendizagem (MDC, no presente estudo). Assim como, contribuir nas potencialidades que o modelo tem como espaço que promove o desenvolvimento do pensamento reflexivo.

Um segundo aspecto que guia o interesse por estudar a avaliação é a escassa evidência encontrada na literatura revisada, em relação ao estudo do uso de critérios para avaliar a argumentação de outros. Pode-se dizer que a avaliação, prioritariamente, tem sido examinada em situações propriamente de produção de argumentos.

A maioria das pesquisas encontradas foca em avaliar a argumentação produzida por estudantes em diferentes níveis educativos utilizando estratégias e experiências de aprendizagem que promovem sua prática na sala de aula, especificamente, centram-se na estrutura e qualidade do argumento, assim como na efetividade da experiência sob modelos pré- teste-pós-teste imediatamente após a finalização da fase de sua implementação (ABRAIM et al., 2014; MILLER et al, 2014; NUSSBAUM, SINATRA, 2003). Poucas pesquisas exploram a competência para avaliar a argumentação, e, os existentes assinalam que esta é uma habilidade que os estudantes apresentam dificuldades (GOLDSTEIN, CROWELL, KUHN, 2009).

Larson, Britt e Kurby (2009) examinaram a capacidade de estudantes de ensino fundamental e de primeiros períodos de educação superior, para avaliar a qualidade estrutural de argumentos. Os resultados deste estudo indicaram que os estudantes têm muita dificuldade para avaliar a conexão entre claims e razões, isto é, para estabelecer a relevância do argumento (GOVIER, 2010). Por sua vez, estes autores realizaram uma intervenção baseada na apresentação de uma tutoria explicativa e de feedback imediato, para melhorar esta dificuldade, obtendo como resultado que estes dois elementos requer maior tempo de apresentação para aumentar a probabilidade de sua efetividade e uma eventual transferência a outras situações.

Outro estudo, realizado por Gaviria e Corredor (2011), explorou os efeitos de um treinamento prévio na argumentação e dos objetivos pragmáticos de um diálogo argumentativo, em relação à forma em que estudantes universitários avaliam as evidências e as explicações apresentadas nele. Deste estudo se concluiu que os participantes com alto treinamento na argumentação avaliam argumentos de acordo com a característica pragmática do diálogo – conhecimento sobre o acordo ou desacordo existente entre os interlocutores do diálogo – avaliando melhor as evidências do que as explicações nas situações de desacordo. Os autores sugerem a realização de estudos em ambientes naturais, por exemplo, de argumentações on- line que reproduzam sequências de argumentação mais representativas de interações argumentativas, já que estes resultados dependeram de situações fragmentadas que não permitiram concluir se o argumento avaliado cumpriu o propósito dentro do diálogo.

Goldstein, Crowell e Kuhn (2009) desenharam um instrumento para medir a capacidade de avaliação da força dos contra-argumentos de estudantes de sexta e sétima séries, os quais participaram de uma intervenção para melhorar sua habilidade de produção de argumentos. Neste estudo, solicitou-se aos estudantes que selecionassem entre um contra-argumento fraco e um contra-argumento forte para responder a um ponto de vista formulado. As autoras encontraram que os participantes não evidenciaram uma melhora significativa no reconhecimento de contra-argumentos mais fortes para debilitar a afirmação o ponto de vista inicial.

Os estudos citados evidenciam a complexidade da competência para avaliar a argumentação, sendo necessário que os sujeitos se envolvam em situações explícitas de avaliação que contribuam com seu desenvolvimento, não sendo suficiente a exposição a situações de produção que já exigem um nível de avaliação e revisão do material sobre o qual se argumenta (LEITÃO, 2007).