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Existe um consenso que o pensamento crítico e a argumentação são processos de pensamento de ordem superior (HALPERN, 2014; HELSDINGEN et al. 2011; LEITÃO, 2000; ENNIS, 1989; KUHN, 1991). Embora se tenha a clareza sobre isso, persiste ainda a discussão sobre a natureza genérica (HALPERN, 1998; SIEGEL, 1985; PAUL, 1985) ou específica (MACK PECK, 1984) que estes podem ter. Esta polaridade se instaura no sentido do nível de alcance que estes processos têm em diferentes domínios de conhecimento ou para transcender contextos (transferência).

Os teóricos que consideram que estes processos são de natureza geral, supõem que as formas de pensamento transcendem o domínio de conhecimento particular no qual ele é manifestado, ou seja, estes atuam de forma similar através de diferentes domínios, e, portanto, para seu desenvolvimento não precisam de um conhecimento específico (GRACYK, 1992; PAUL, 1986 apud FISHER, 1991; SIEGEL, 1985). Seguindo esta ideia, uma pessoa que seja boa argumentadora e pense de forma crítica em uma área ‘X’, consequentemente, será em qualquer outro contexto ou área de conhecimento.

Por enquanto, para quem defende a ideia que o pensamento crítico e a argumentação envolvem aspectos de natureza específica, considera que os desempenhos dos sujeitos estão atrelados a uma situação (contexto) e conhecimento disciplinar específico, por considerarque cada campo disciplinar é diferente um do outro, e, necessariamente, toda habilidade está ligada a esta especificidade (MCPECK, 1984). Esta afirmação implica que uma pessoa, que, por exemplo, é boa argumentadora para tópicos na área relacionada com ciência duras, não teria iguais desempenhos numa área diferente (i.e., psicologia), assim, neste caso a relevância é dada para o contexto e o conhecimento específico.

Existe uma terceira posição em que este trabalho se ancora: tanto aspectos genéricos como específicos são necessários para compreender a natureza do pensamento crítico e da argumentação, isto é, não são mutuamente excludentes, e, portanto, o foco deveria estar orientado para analisar como estes interagem, em vez de continuar considerando-os como polaridades. Nas palavras de Kuhn (2012) e Brown (1997), o desenvolvimento de uma habilidade não acontece de forma abstrata e sem ter algo em que pensar; deve ter um caráter situado, que facilite a permanência e transferência para outros contextos.

Neste mesmo sentido, Andrew (2010) argumenta que deve existir um equilíbrio entre aspectos genéricos da argumentação como a geração, identificação, estruturação, refinamento,

solidez de argumentos, aspectos de natureza específica como as controvérsias, conteúdo próprio das disciplinas e domínios de conhecimento. Este equilíbrio, segundo ele, é requerido para promover o desenvolvimento destas competências nos cursos e experiências de aprendizagem de ensino superior.

As abordagens anteriores têm gerado consequências no plano teórico e aplicado, especificamente, no desenho de programas educacionais e nas formas de orientar as pesquisas de campo. Assim, segundo Ennis (1989), estes programas podem ser classificados em quatro tipos, no que diz respeito à posturaque se assume sobre a natureza do pensamento crítico e da argumentação, enquanto programas ou experiências educativas gerais, de imersão, infusão e mistos.

Os programas gerais são construídos acreditando na ideia de que o pensamento crítico e a argumentação são de natureza genérica, e, portanto, seu desenvolvimento pode ter lugar em cursos independentes de unidades de instrução, separados dos currículos das escolas e universidades ou como um complemento deles. Os cursos de imersão seriam os opostos dos gerais, já que, seguindo a ideia da especificidade, consideram que o requerido é submerso no tema, ou seja, aprofundar-se nele, sem explicitar na instrução elementos sobre as características do pensamento crítico ou a argumentação.

Os cursos de infusão e mistos consideram aspectos tanto de natureza geral como específica do pensamento crítico e da argumentação. Os de infusão mobilizam em profundidade conteúdo curricular ou disciplinar, explicitando elementos e características do pensamento crítico e da argumentação. Porém, os programas mistos se diferenciam dos de infusão por combinar conteúdo de uma disciplina específica com outros que se possam relacionar, explicitando também aspectos relativos a pensamento crítico e argumentação.

Por sua vez, autores como Halpern (1998) e Saíz e Rivas (2008) assinalam a importância de desenhos instrucionais que promovam levar o aprendido em um contexto instrucional a outros domínios ou contextos, especialmente para o mundo real e para situações fora da aula, razão pela qual dão prioridade para o trabalho com situações quotidianas que diminuam o gap existente entre o ambiente acadêmico ou escolar e a vida quotidiana. Estes autores coincidem em afirmar que quando este aspecto ocorre, os estudantes aprendem a se concentrar ativamente nas estruturas dos problemas ou argumentos, mais do que nas características da superfície de um domínio específico. Para Halpern (2014, 1998), esta ideia de trabalhar com elementos da vida quotidiana é coerente com o ponto de vista da cognição situada, já que, proporciona um contexto acreditável para os exercícios da aprendizagem.

O impasse está precisamente na existência de evidência a favor para as diversas tipologias. Por exemplo, a meta-análise realizada por Abrami et al. (2014) com 341 estudos quase experimentais na qual observou o impacto da instrução no desenvolvimento e melhora das habilidades, bem como disposições do pensamento crítico e o desempenho estudantil, foi encontrado tamanho de efeito significativamente positivos para diferentes tipos de intervenções educativas.

Esta meta-análise evidenciou que tanto os cursos com orientação genérica (tamanho do efeito g= 0,26 p<, 05); imersão (tamanho do efeito g = 0,23 p <, 05), infusão (tamanho do efeito

g = 0,29 p <, 05), e os cursos mistos (tamanho do efeito g = 0,38 p<, 05), geraram melhoras

nos sujeitos em diferentes sub-habilidades como a realização de inferências, análise, produção e avaliação de argumentos, e disposições do pensamento crítico como flexibilidade, compreensão da opinião dos outros, entre outras. Estes achados não evidenciaram uma diferença significativa entre estes tipos de instrução, portanto, não é possível afirmar categoricamente que uma tipologia é melhor que outra, ainda que os cursos com caraterísticas mistas apresentassem um melhor resultado.

Por sua parte, Niu, Behar-Horenstein e Garvan (2013) revisaram 40 estudos na meta- análise e encontraram que as intervenções em pensamento crítico em ensino superior apresentam resultados com tamanhos de efeito estatisticamente significativos, mas esta significância é baixa (tamanho do efeito de 0,195, com p-valor inferior a 0,01) o que significa que as diferentes intervenções revisadas (baseadas em resolução de problemas, estudos de caso, imersão, holísticas) geram mudanças relacionadas com as sub-habilidades de pensamento crítico em estudantes universitários, mas também acharam que a disciplina a que o estudante pertence (i.e. área da saúde ou ciências sociais) e a duração da intervenção são fatores que explicam parte da variabilidade dos efeitos dos tratamentos. Como conclusão, os resultados desta meta-análise sugerem que os cursos incorporados em currículos e de duração de doze semanas, ou mais, evidenciam melhores resultados. Fato que apoia a ideia de desenhos instrucionais mistos e integrados (DUMITRU, 2012).

A evidência existente apoia tanto as intervenções educativas caracterizadas de genéricas, como também as específicas, aquelas que combinam os dois aspectos, conferindo um papel relevante ao processo educativo e instrucional (instrumentos culturais) para o desenvolvimento dos processos superiores (i.e., pensamento crítico, argumentação), independente de sua natureza. Neste sentido, é plausível pensar o pensamento crítico e a argumentação no marco de uma relação entre aspectos de natureza genérica e específica como não excludentes, como foi já argumentado por Perkins e Salomon (1989), para os quais as

habilidades cognitivas gerais funcionam de maneira contextualizada, e por sua vez, são ferramentas para aprofundar-se no conhecimento de domínio específico. Podem-se considerar como chave, pensar nesta relação em que os aspectos genéricos e específicos não são mutuamente excludentes, o fato que ninguém pensa sem ter algo em que pensar (conteúdo), assim como, tampouco pode-se ter conteúdo ou adquirir este sem refletir, analisar, avaliar, sem pensar sobre ele.

A discussão parece orientar-se mais, para a análise das formas em como estes aspectos estão presentes e interagem no desenvolvimento dos processos ou habilidades superiores dos sujeitos e como são o pensamento crítico e a argumentação. Assim como, para as características das aulas enquanto estratégias e modelos que promovam a participação ativa dos estudantes, como é a resolução de problemas aplicados, discussão e diálogo de ideias, debates e tutorias, as quais segundo a literatura parecem ser as de maior efetividade para cumprir com o objetivo do desenvolvimento de ditos processos (ABRAIM et al., 2014; ABRAIM et al., 2008; COHEN, 2004).

Levando em consideração estes aspectos, a adaptação realizada ao Modelo de Debate Crítico usada na DIP (LEITÃO, 2012) pode ser classificada como uma experiência de aprendizagem mista (ENNIS, 1989) por atingir a dois objetivos. O primeiro favorece a construção de conhecimento sobre conteúdos curriculares, e o segundo, contribui para o desenvolvimento de competências crítico-argumentativas de produção e avaliação de argumentos (LEITÃO, 2012). Estas características permitem que através do modelo se mobilizem aspectos genéricos da argumentação (produção e avaliação), e, específicos (conteúdo disciplinar) de forma inter-relacionada, acreditando que a argumentação é um processo que perpassa diferentes domínios de conhecimento, mas que precisa de um processo instrucional situado e de conteúdo específico (KUHN, 2012) que facilite alcançar generalizações a outros contextos de utilização e domínios de conhecimento (URIBE, LÓPEZ, 2008).

Da mesma forma, espera-se que a experiência de aprendizagem que implementa a adaptação do MDC favoreça o desenvolvimento do pensamento reflexivo (para nosso caso da ação para avaliar a argumentação dos outros) e sua continuidade no tempo e em diferentes situações. As razões que levam a pensar neste sentido são as características deste modelo como: a) a mobilização de conteúdos disciplinares que por sua vez envolvem polémicas sociais (aspecto que pode aproximar aos estudantes com vivencias cotidianas), e b)a prática sistemática em argumentação, característica que o converte em um modelo em que as práticas do ensino dialógico estão presentes, portanto a participação dos estudantes é ativa, se tem um propósito

para cada ação que se implemente na aula, se privilegia o trabalho entre pares e a construção colaborativa, e sobre tudo, se confronta, questiona e se mobilizam diferentes perspectivas ou pontos de vista sobre um tema que se trate.

Levando em consideração as características do Modelo de Debate Crítico e a premissa de considerar a argumentação como um processo em que aspectos genéricos e específicos não são mutuamente excludentes, é de interesse desta pesquisa identificar que elementos da avaliação da argumentação de outros teriam um caráter genérico ou específico e como estes interagem nas diferentes situações e com o passar do tempo. Isto é, qual é o nível de alcance dos critérios para avaliar diversas situações e quais seriam próprios de uma situação específica.