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2 O PAPEL DO ESTADO AVALIADOR NA ELABORAÇÃO E

3.2 Avaliação em larga escala: conceito e concepção

Ampliando nosso olhar, podemos inserir a avaliação no sistema das políticas públicas. Não é preciso muito esforço para notar que a avaliação teve uma interface muito grande com tais políticas desenvolvidas na última década no país. Os anos 90 foram marcados pela apropriação das ferramentas avaliativas por parte das políticas públicas liberais, o que gerou, na outra ponta, certa recusa a tais ferramentas e à própria avaliação- em especial a avaliação de sistemas ou de larga escala. Entre o seu uso como ―remédio‖ para todos os males educacionais e a sua simples recusa, vem sendo construída uma posição menos dicotômica e mais construtivista, que pretende apropriar-se das ferramentas avaliativas sob outro conceito do que seja avaliar. (FREITAS et al, 2011a, p. 10)

No capítulo anterior observamos que a partir dos anos 1990 iniciativas de avaliação em larga escala no âmbito nacional, inspiradas pelo cenário internacional, começam a ser gestadas e com elas experiências estaduais e municipais passam a ser desenhadas. Por avaliação em larga entende-se ―instrumento de acompanhamento global de redes de ensino com o objetivo de traçar séries históricas do desempenho dos sistemas, que permitam verificar tendências ao longo do tempo, com a finalidade de reorientar políticas públicas‖. (FREITAS et al, 2011a, p. 47)

Freitas (2007) infere que desde a década de 1930 já se abordava o assunto avaliação educacional, mesmo não sendo o enfoque das discussões realizadas. Através de estudos acerca do aparato normativo e do planejamento do Estado Brasileiro, o autor sinaliza o

caminho percorrido pelo tema medida-avaliação, e defende a ideia de que a partir disso, foram traçadas as primeiras análises, culminando na instituição da medida-avaliação-informação, cuja ênfase se dá na análise de resultados que possam auxiliar em futuras intervenções.

Durante o período da Ditadura Militar percebeu-se a intensificação no trabalho de planejamento educacional, visando à época o controle social. Nesse ínterim a avaliação ganhou espaço, uma vez que os militares ensejavam observar todo o processo, e ao fim, avaliar os resultados alcançados (FREITAS, 2007). A princípio, privilegiavam-se os registros de expansão da rede, dados como número de carteiras, salas e escolas. Admitia-se que o problema era o acesso, portanto, tais dados eram as pistas para a resolução dos problemas educacionais. Com a reabertura política, constrói-se um novo ideal de sociedade, na qual a educação é tida como alavanca social.

Nesse cenário, cria-se no Brasil uma proposta de avaliação, em larga escala, que tem sido conduzida pelo governo de modo a criar a ilusão que estas avaliações possam, além dos alunos, avaliar as escolas, seus professores e gestores. Esse tipo de avaliação centralizada acaba por desconsiderar o fato de que o dado do desempenho do estudante apreendido a partir da aplicação da prova padronizada, bem como os fatores a ele associados não são suficientes para que a avaliação sirva a seu propósito de origem. É preciso que a escola se reconheça nesse dado, sinta-se pertencente ao processo, pense sobre o dado e ressignifique as práticas futuras.

A avaliação educacional adquiriu novas facetas, a partir desse período, sendo chamada também de avaliação externa ou em larga escala. As três nomenclaturas têm por princípio atualmente ―a finalidade de verificar a qualidade do ensino. [...] o objetivo é estabelecer normas e padrões gerais e assegurar, por meio de amostras, e de maneira periódica, uma espécie de ‗termômetro‘ nacional do rendimento escolar‖ (DEPRESBITERIS; TAVARES, 2009, p. 36).

O caráter externo diz respeito ao emissor da avaliação ser sujeito alheio a realidade escolar, enquanto em larga escala, por tratar de uma amostra significativamente ampla, na qual podem ser inseridos no mesmo rol, escolas, redes municipais e estaduais. As nomenclaturas diferem, entretanto com o mesmo propósito: inserir-se na escola a fim de aferir sua qualidade.

Em meados dos anos 1990, o Sistema Brasileiro de Avaliação da Educação Básica e os seus primeiros exames se consolidaram, os resultados foram apresentando as debilidades de sistemas, redes e escolas, razão pela qual foram sendo buscadas soluções para corrigir tais problemas a partir dos próprios resultados.

Inicialmente o SAEB compreendia escolas públicas e privadas, gerando resultados agregados por estado, regiões e nacionalmente. Porém, o modelo pelo qual os resultados eram apresentados não supria determinadas necessidades. De acordo com Vieira (2008):

Face à diversidade e singularidade dos diferentes sistemas educacionais existentes no país, a forma como o SAEB vinha sendo realizado até 2003 não atendia às demandas de informações, principalmente dos municípios e escolas que não se reconheciam nos resultados. (p.115)

Para solucionar a questão, em 2005 o SAEB foi ampliado através da Portaria Ministerial nº 931, constituindo-se em um sistema composto por duas avaliações, a Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB) e a Avaliação Nacional do Rendimento no Ensino Escolar (ANRESC). Desta maneira, o SAEB, cujo nome permaneceu por conta de sua tradição, passou a atender as demandas de informações com indicadores específicos.

Os dois sistemas atuam em conjunto, pois enquanto a ANEB mantém os objetivos do SAEB, na continuidade da série histórica dos dados de proficiência dos alunos de redes públicas e privadas, a ANRESC, foi criada no intuito de tornar a avaliação mais detalhada, em complemento à avaliação já feita pelo SAEB. Conhecida como Prova Brasil, esta avaliação expandiu o alcance dos resultados, pois passou a oferecer dados detalhados, individualizando cada escola, respeitando sua localidade e sendo possível comparações dentro da mesma rede das secretarias de educação (municipais e estaduais).

A Prova Brasil constitui-se como uma avaliação de diagnóstico desenvolvida pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP/MEC). Seu objetivo é avaliar a qualidade do ensino oferecido pelo sistema educacional brasileiro por meio de testes padronizados aliados a questionários socioeconômicos.

Em 2007, foi criado o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) pelo INEP como uma iniciativa de identificar o perfil de qualidade das escolas. Os dados relacionados ao fluxo escolar (aprovação, evasão e abandono) e as médias de desempenho na avaliação nacional (Prova Brasil) são organizados em um índice que varia de 0 a 10. A ideia é unir dois fatores importantes para medição da qualidade educacional brasileira, possibilitando a equiparação entre estados, municípios e até entre escolas. Enquanto um mensura a aprovação e assiduidade do aluno, o outro tenta desvendar se o mesmo está aprendendo durante o tempo que permanece na escola.

Com metas estabelecidas até 2021, o IDEB concilia resultados da Prova Brasil, obtido pelos estudantes no final das etapas de ensino, ou seja, 5º e 9º anos do Ensino Fundamental, em Língua Portuguesa e Matemática, juntamente com informações sobre rendimento escolar.

O IDEB como indicador educacional oferece elementos de controle sobre a relação ensino- aprendizagem no país, servindo como diagnóstico e um norte para ações políticas com foco na melhoria do sistema educacional, detectando as escolas com alunos que apresentam baixo rendimento, bem como monitorando o desempenho dos alunos nessas escolas. Franco, Alves e Bonamino (2007) sustentam que por suas características e aspectos metodológicos, o IDEB infere sobre a qualidade da educação, ao pressupor que o aluno aprenda e passe de ano.

Diante de suas características, o SAEB poderia representar a consolidação da primeira fase do Estado-avaliador no Brasil. A diferença em relação a outros países é que, segundo os autores, no caso destes, a primeira fase estava associada a processos de accountability e políticas de avaliação, no caso do contexto brasileiro isso só aconteceu a partir de 2005, momento em que houve ampliação da abrangência do SAEB. (BAUER et al, 2015)

Schneider e Rostirola (2015) explicam que diante das mudanças no sistema de avaliação a partir de 2005, o papel do Estado passou a ser o de regulação e controle. Diante disso, a inserção no

[...] segundo estágio do Estado-avaliador, assim caracterizado em vista de alguns países, após o desenvolvimento de seus sistemas próprios de avaliação, terem aderido a programas internacionais de avaliação comparada, parece ter seguido caminhos pouco convergentes com as tendências internacionais. Isso porque, enquanto na Europa e nos Estados Unidos as avaliações comparadas internacionais ganharam vulto somente após a consolidação dos sistemas nacionais, no Brasil ocorreu o contrário: foram as avaliações internacionais e, em alguns casos, em perspectiva comparada, que serviram de referência para a criação de um sistema próprio de avaliação. Por conta disso, consideramos que, no Brasil, o segundo estágio do Estado-avaliador desenvolveu-se pari passu ao primeiro, confundindo-se ou mesmo, em alguns momentos, antecipando-se a este. (p.502)

O investimento na accountability passou a ganhar espaço no país com a divulgação dos resultados por escola e redes, disponibilizados com a criação da Prova Brasil. Com a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), foi possível observar o ―fortalecimento dos processos de consolidação da accountability” (FERNANDES; GREMAUD, 2009, p. 231).

Esse tipo de avaliação vem ganhando destaque inclusive na legislação. O Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado para o período 2014-2024, destaca o IDEB na meta 7, levando este a consolidar-se como uma política de Estado (NARDI, 2014).

Importante registrar que outras iniciativas dessa natureza também buscaram espaço no Brasil, Programme for International Student Assessment (PISA), adotado em nosso país desde o ano 2000 com o intuito de avaliar as áreas de Leitura, Matemática e Ciências. O PISA

tem ocorrido desde então, a cada três anos. Trata-se, segundo Carvalho (2009), ―de uma avaliação comparada internacional das performances das escolas que vem se afirmando, ao longo da presente década, como um dos principais meios de ação da OCDE no campo educativo‖ (p. 1010). O intuito é que o Programa seja reconhecido como ―ponto de passagem obrigatório para um debate e uma decisão política centrados em evidências científicas‖ (p. 1029).

O PISA se constitui como importante iniciativa no processo de adesão a lógica da avaliação em escala pelo Brasil, embora não tenha sido a única ―em termos de estudos comparados internacionais‖ (CASTRO, 2002, p. 6). A partir da década de 1990, o país foi convidado a participar de várias iniciativas dessa natureza com o objetivo de ―conhecer e produzir indicadores seguindo parâmetros técnicos já consolidados em estudos internacionais comparados.‖ (CASTRO, 2002, p. 3).

Afonso (2013) sinaliza que essas evidências se deslocam em duas direções, por um lado se referem a elementos do segundo estágio do Estado avaliador, por outro lado também podem indicar ―o desdobramento de uma terceira fase que estaria, nesse caso, caracterizada pela ampliação de agências de avaliação em conexão internacional‖ e o ―incremento de políticas de avaliação comuns no âmbito de blocos regionais como a União Europeia (UE) ou o Mercado Comum do Sul (Mercosul)‖ (p. 278). Nóvoa (2010) explica que, de fato, vivenciamos atualmente ―lógicas de contrato e redes de trabalho, fortemente respaldadas por dados, avaliações, resultados, pontos de referência, boas práticas e aprendizagem mútua‖ (p. 36).

Em 2016, o governo Dilma, divulgou uma Portaria ministerial que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SINAEB). O objetivo era apoiar a Lei de Responsabilidade Educacional e a própria avaliação do PNE. Freitas (2016) explica que a proposta teria nascido no próprio INEP, a partir de estudo realizado com o intuito de dar subsídio a essa proposta12. Por ser uma Portaria acabou por se materializar como ato isolado do Ministério sem debate com a comunidade educacional.

Freitas (2016) afirma que o estudo inicial da Diretoria de Avaliação da Educação Básica (DAEB) procurou retomar orientações que nos remetem à criação do SAEB. Para além dessa questão, apresentaria como avanço, o alargamento dos fatores a serem avaliados na Educação Básica.

12

Após o impeachment da então presidenta Dilma Rousseff, o vice-presidente em exercício, Michel Temer, assume o governo e revoga a Portaria em questão, o que não impede a percepção do espaço que as iniciativas de avaliação desenvolvidas no Brasil têm adquirido, mesmo com a revogação da portaria.

O SAEB apresentou desdobramentos nos estados e municípios que passaram a propor sistemas avaliativos próprios. A partir de pesquisa sobre iniciativas municipais de avaliação Bauer et al (2015) identificaram 1.573 municípios que desenvolveram avaliações próprias ―concebidas, em geral, por profissionais integrantes das redes de ensino, sejam técnicos (77%) ou professores e/ou gestores da rede (82%)‖. (p. 4) A pesquisa mostra ainda que entre os anos de 2005 a 2013, esse número cresceu, houve 1.257 novas iniciativas. Apesar de ainda se apoiarem em assessorias externas para a elaboração, o SAEB se constitui como a referência da maioria delas.

A exemplo dos municípios que construíram propostas próprias de avaliação, o estado do Ceará também desenvolveu a sua. De acordo com Vieira (2014), quando tratamos de políticas ―[...] estamos nos referindo basicamente ao que se faz ou o que está sendo feito, as propostas e iniciativas desenvolvidas pelo Poder Público ou por este financiadas‖ (p.2). No Ceará o Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica, como uma política de estado se consolidada atualmente como repercussão do Sistema Nacional de Avaliação.

No início dos anos 1990, e após a participação em experiências nacionais e internacionais pontuais, o estado conseguiu aplicar sua primeira avaliação em 1992. Assim como o SAEB, o SPAECE foi ampliando sua abrangência. De acordo com Lima (2007), o foco do SPAECE está associado aos objetivos do SAEB: desenvolvimento de uma cultura avaliativa no âmbito das escolas e gestores da Educação do estado, acompanhamento dos resultados e a análise das dificuldades de aprendizagem diagnosticadas pela avaliação para a série foco da avaliação. Quando os resultados são computados a SEDUC emite boletins de resultados da escola, uma espécie de resposta às instituições avaliadas. O processo de criação da experiência avaliativa cearense será explorada nos capítulos empíricos.

Como se vê, não basta a coerência técnica e do conteúdo da avaliação, existe um lado político envolvido. Freitas et al (2011a) explica que toda avaliação que se constitua sem legitimidade política não será bem aceita e terá o uso de seus resultados comprometidos. É preciso, portanto, repensar a materialização hierárquica das avaliações em larga escala nas escolas públicas brasileira, onde a discussão em torno do processo ainda não se consolidou de forma democrática e participativa, e sim permeada por tensões diversas e divisões excludentes entre o setor que pensa a avaliação e o que aplica.

Outro aspecto político que permeia a concepção de avaliação em larga escala no Brasil diz respeito a regulação. Para Dias Sobrinho (2002) é vocação de toda política pública ―regular‖ no sentido abrangente do termo. No entanto, como discutido no capítulo anterior, o termo ―regulação‖ foi desenhado no interior das políticas públicas neoliberais, cuja aplicação maior, no Brasil, se deu no governo Fernando Henrique Cardoso, para expressar uma mudança na ação no próprio Estado, o qual não deveria intervir no mercado, a não ser como um ―Estado Avaliador‖.

Essa discussão é importante porque considera que as forças políticas que assumem o poder em determinado momento histórico têm a expectativa de poder materializar na prática determinado tipo de mudança ou regulação. Como isso, o que será realizado e aplicado vai depender da natureza de cada política pública. Os sistemas de ensino e seus mais diversos espaços se tornam campo de disputa de propostas políticas e concepções dos processos educacionais.

Fazendo frente às políticas neoliberais, tem-se o clamor popular por políticas mais democráticas e participativas de modo a criar condições propícias para a contrarregulação. As políticas de avaliação em larga escala encontram-se nesse cenário de disputas diversas e projetos políticos e educacionais contraditórios.

Sobre esse contexto marcado por uma cultura avaliativa expressa por números, Sordi e Ludki (2009) explicam que

Esta forma de entender a avaliação e se acostumar com sua feição classificatória e de vê-la como um ato de comunicação com ares de neutralidade, no qual alguém assume a prerrogativa de dizer o quanto vale o trabalho do outro, sem que a este outro seja dada a oportunidade de se manifestar sobre o processo vivido e suas eventuais idiossincrasias, acaba por esvair desta prática o seu sentido formativo. Isso interfere no imaginário social que associa a avaliação práticas repetidas de exames externos que geram medidas, que viram notas que se transformam em signos que se distribuem em mapas que permitem comparar, selecionar e, eventualmente, excluir pessoas/instituições. O discurso da avaliação perde potência quando os sujeitos da relação e em relação desconhecem a natureza multifacetada deste fenômeno e tendem a valorizar resultados obtidos em circunstâncias pontuais, desconsiderando os processos em que se ancoraram. (p. 316)

Os autores refletem sobre o fato de que esse processo avaliativo ―mais afasta do que aproxima; que mais pune do que ensina, que mais ameaça do que acolhe, que mais conclui do que contextualiza, que mais rotula do que explica‖ (p.316). Diante disso, chama atenção para a necessidade de se reagir a esta cultura para que se possa materializar um bom projeto educativo.

Desta aprendizagem decorrem outros desdobramentos que podem beneficiar a escola e os profissionais que nela atuam, especialmente em função das mudanças nas políticas públicas de educação fortemente regidas pela lógica economicista. A avaliação vem ganhando centralidade na cena política e os espaços de sua interferência têm sido ampliados de modo marcante, ultrapassando o âmbito da aprendizagem dos alunos. Por tratar- se de campo fortemente atravessado por interesses, diante dos quais posturas ingênuas não podem ser aceitas, compete aos profissionais da educação desenvolverem alguma expertise para lidar com a avaliação. (p.316)

Diante das imposições governamentais que na maioria das vezes chegam às escolas como decisões de cima para baixo e sem discussão com os setores interessados, é necessário que os educadores se posicionem sobre o assunto e reflitam esse posicionamento na sua prática cotidiana.

O tema aqui em discussão é fecundo e tem sido abordado pela literatura da área a partir de diferentes perspectivas e olhares. O próximo tópico apresenta as principais questões exploradas pela produção científica atual no que se refere ao contexto até aqui explorado.