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2 O PAPEL DO ESTADO AVALIADOR NA ELABORAÇÃO E

2.2 Estado-avaliador: a experiência brasileira

O Brasil Colônia apresentou como característica o modelo agrário exportador dependente, constituindo ―economia pré-capitalista‖, sob o domínio do senhor de engenho, que ―reeditava a tradição medieval‖, desenhando um cenário em que o Estado e suas leis permaneceram marginais. Desse modo, ainda que o Estado nacional, instituído no contexto do Brasil independente, seja ―textualmente apresentado com fundamentos liberais‖, ele foi marcado por práticas que o caracterizavam como ―instrumento da dominação patrimonialista‖. (ANDRADE; GOMES, 2012, p. 134)

Os autores seguem explicando que com a Independência do Brasil legitima-se a criação de um Estado nacional com o intuito de impulsionar

[...] a dominação do senhor rural no campo econômico, sendo que, sem tal emergência da organização político-administrativa, tornar-se-ia impraticável resguardar-se dos efeitos nocivos inerentes às relações econômicas no âmbito da Colônia, sob o crivo da dependência. O aparelhamento do Estado, assim, significou a constituição de uma estrutura necessária para o enfrentamento das adversidades impostas pelo mercado, incluindo a

definição de regras e a organização de espaços decisórios, com função regulatória, para que os senhores rurais pudessem mobilizá-los, estrategicamente, em seu favor. O sentido com que o princípio da autonomia da nação foi incorporado às práticas sociais explicita a necessidade de desenvolver suportes econômicos protecionistas, que, ao passo que justifica a existência de práticas de dominação patrimonialista, também garante sua perpetuação. Aliás, uma conformação administrativa que atendia a esse cunho político também foi materializada na forma unitarista adotada pelo país no ―pós-Independência‖, em que se instituiu um governo central com amplos poderes sobre as províncias e as municipalidades, ainda que esse formato não significasse a pretensão de homogeneidades constitutivas da nação. (ANDRADE; GOMES, 2012, p. 136)

Durante o Império, a configuração estatal estava associada a um poder central exercido pelo imperador sob a organização das províncias. Essa centralidade de decisão durante o Império gradativamente abre espaço para as oligarquias estaduais, o que significou a manutenção dos interesses da elite agrária ainda que em uma nova fase. A esta última deu-se o título de República Velha.

Com a Revolução de 1930, o cenário começa a sofrer alteração, conforme analisa Azevedo (2003, p. 90), ―o rompimento institucional representou a perda do monopólio político das oligarquias tradicionais e a incorporação de novos atores sociais, como os segmentos médios urbanos e o emergente setor empresarial‖.

A partir do primeiro governo Vargas, o processo de industrialização do país é posto em relevo, dando origem a mecanismos de proteção de setores da economia nacional e investimentos na construção de uma burocracia estatal com novas características para regular a economia brasileira. A criação de empresas estatais para impulsionar o desenvolvimento industrial também ganha destaque. Surge nesse quadro uma série de órgãos federais para gerir a economia e setores especializados para a regulação de segmentos específicos da economia.

Esse cenário impulsiona a adoção de novas técnicas administrativas de regulação da economia para criação e acumulação de capital produtivo, além de coordenação dos investimentos por meio de empresas estatais e privadas. Sobre o contexto em questão, Andrade e Gomes (2012) explicam que

Com todos os limites e condicionantes que podem ser creditados à Era Vargas, o processo nela/por ela desencadeado impactou quase todo o século XX. As fases que reúnem fatos históricos marcantes desse período, iniciando pela ditadura Vargas (1937-1944), pela hegemonia populista (1945-1964), pelo regime militar (1964-1985) e pela redemocratização (1985-), demonstram processos de reestruturação do Estado, verificando-se, especialmente no Estado Novo, tendências de centralização por meio do estabelecimento de formas institucionais de controle das diferentes oligarquias regionais. (p.136)

Dado esse cenário, percebe-se que o desenvolvimento ocorreu centrado, essencialmente, no Estado e, consequentemente, na forma como este pensou e organizou o desenvolvimento econômico por meio da parceria entre capital estatal e privado. Assim, os autores chamam atenção para a necessidade de considerarmos o formato em que o Estado brasileiro foi gestado e os diferentes modos como sua ação foi pensada, estas foram desenhadas, por ―ciclos de centralização e descentralização‖, situação que desencadeou formas diferenciadas de atendimento à demanda educacional, o que acaba por justificar a relação entre a concepção/lógica de ação do Estado e a interpretação/ avaliação do contexto educacional brasileiro.

Diante dessas novas configurações, a emergência de formas de regulação ganha destaque. O caso Brasileiro se materializa de forma diferente daqueles visualizados nos Estados Unidos e Europa, em que, na passagem do Estado liberal para o Estado regulador, nos primeiros houve disputa entre os grupos sociais resultando assim numa forma particular de organização da burocracia do Estado, já no Brasil, por outro lado, o singelo conflito social não se materializou como obstáculo. A luta/disputa de poder se restringiu aos grupos que detinham acesso aos canais de circulação de poder político e controle da máquina do Estado. (MATTOS, 2006)

Segundo Evans (1979), o Estado regulador brasileiro nasce e se desenvolve associado a regimes autoritários, exemplo desse fato seria o período histórico marcado pela ditadura militar, período caracterizado pela supressão dos direitos políticos. Outra característica mencionada pelo autor foi a concentração dos canais de circulação de poder político na figura do presidente da República, tornando-se o responsável pelas políticas executadas pelos órgãos e empresas estatais.

Para Evans (1979), esse cenário reforçou no país a dependência econômica e a exclusão social. Isso porque as políticas públicas, definidas de forma hierárquica, eram resultado das relações de poder entre as elites locais e multinacionais, e beneficiaram esses grupos em detrimento das classes historicamente excluídas.

Os anos que se seguem são marcados pela criação de agências reguladoras independentes, privatizações de empresas estatais, fortalecimento de processo de terceirizações e pela regulação da economia segundo técnicas administrativas de correção de "falhas de mercado", em substituição a políticas de planejamento industrial representou uma clara descentralização do poder do presidente e de seus ministros, ao mesmo tempo em que se tentaram criar novos mecanismos de participação de diferentes setores da sociedade civil com

viés democrático, originando uma nova fase do Estado Regulador no Brasil. (MATTOS, 2006)

Na primeira fase do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) nasce a reforma do modelo de administração pública voltado para gestão pautada nas características gerenciais como resposta estatal à política econômica global. O modelo gerencial, como já mencionado no tópico anterior, se materializa como contraproposta ao modelo de administração pública burocrática que inicialmente foi adotada com o intuito de romper, superar, à administração patrimonial.

Para responder às exigências dessa nova ordem em acessão, o Estado acaba por se apoiar na racionalização. De acordo com Secchi (2009)

A preocupação com a eficiência organizacional é central no modelo burocrático. Por um lado, os valores de eficiência econômica impõem a alocação racional dos recursos, que na teoria weberiana é traduzida em uma preocupação especial com a alocação racional das pessoas dentro da estrutura organizacional. Por outro lado, o valor da eficiência administrativa induz à obediência às prescrições formais das tarefas, em outras palavras, preocupações do ―como as coisas são feitas‖. (p.5)

Com base nesse movimento ideológico, no Brasil, a partir da década de 1990, o Estado, ao buscar sintonia com o mundo globalizado, instituiu estratégias no campo da educação, encontrando como alternativa, se materializar como avaliador. Com FHC o Estado deixar de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social para se consolidar como regulador desse desenvolvimento. Com a proposta de universalização do ensino fundamental, projetos de avaliação institucional para acompanhamento desse acesso e busca da qualidade ganham destaque. Dias Sobrinho (1999) diz que, nesse contexto, a avaliação é instrumento utilizado como forma de garantir as reformas neoliberais no âmbito da educação.

As ―novas funções do Estado‖ decorrente do cenário apresentado no tópico anterior e estendido nesse tópico a partir da perspectiva brasileira, envolvem desde a realização de pequenas reformas políticas até a formulação de uma nova organização social. Nesse contexto, ―a educação brasileira passa por um momento de efervescência. Medidas implementadas por meio de Decretos-lei passaram a modificar a organização da educação no país‖. No que tange à implantação das reformas, o Banco Mundial destaca a necessidade de encorajar nos países periféricos, o ―fortalecimento de instituições de governança‖, de apoio à iniciativa privada e à reforma do ―mercado de trabalho‖, com o propósito de garantir seu ―crescimento sustentável‖ de longo prazo. (SINGH, 2005, p.2).

Entre as reformas empreendidas, destaca-se a cultura de resultados que passaram a permear as ações educacionais. Esta tende a provocar mudanças no ensino público a partir da inserção de incentivos e prêmios oferecidos por fundações. No Brasil, atualmente, há vários tipos de prêmios concedidos às chamadas ―boas práticas educativas‖.

No Brasil, o uso de ―testes padronizados, de aplicação externa, com foco nos estudantes, nas escolas, nas redes e ou nos sistemas de ensino‖ ocorreu, pela primeira vez em 1976, por iniciativa da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (CAPES). O objetivo na época seria o de avaliar os professores que atuam no ensino superior (DURLI; SCHNEIDER, 2011, p. 172).

Apoiados na justificativa de que o país ―carecia de informações sobre o processo de ensino e o impacto das políticas educacionais‖ (OLIVEIRA, 2012a, p.150), o Sistema Nacional de Avaliação começa a ser gestado alguns anos depois da primeira experiência mencionada. Tinha inicio, com isso, uma nova fase na gestão pública no Brasil voltada para o controle institucional, corte de gastos e ao aumento da eficiência da prestação de serviços. Oliveira (2012) segue explicando que essa nova fase teria o sistema de avaliação como ―base da regulação empreendida pelo Estado-avaliador‖ no país (p.150).

O SAEB nasce na década de 1990, e se desenha como exemplo da imersão do Brasil na lógica do Estado-avaliador. O SAEB abriu espaço para a realização de avaliações que passaram a fornecer informações, dados que se configuraram como instrumento para o aprimoramento das políticas educacionais conforme modelo adotado em países mais avançados.

Corroborando com os pressupostos de Estado que se materializa com base na regulação e avaliação, iniciativas de avaliação da Educação Básica foram desenvolvidas por estados e municípios brasileiros ao longo da década de 1990, algumas delas precursoras do SAEB, exemplo do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará, criado em 1992, fato que será aprofundado no próximo capítulo.

Uma vez que os cenários internacional e nacional foram aqui apresentados, nos propomos a discutir no próximo tópico a repercussão desses cenários no processo de construção da experiência cearense.