• Nenhum resultado encontrado

2 O PAPEL DO ESTADO AVALIADOR NA ELABORAÇÃO E

2.3 Repercussões do cenário nacional: os desdobramentos cearenses

O Ceará foi marcado, historicamente, por elementos de uma cultura clientelista e coronelistista. Segundo Farias (1997), foi a partir do Projeto de Mudanças do governador Tasso Jereissati, no ano de 1987, que houve um processo de distanciamento da ―administração

pública em relação às antigas lideranças oligárquicas‖, embora ainda que de forma sensível. Percebeu-se uma continuidade política nas gestões que assumiram após sua saída, porém, ―embora tenha havido crescimento econômico, este não significou melhoria substancial na qualidade de vida da maioria dos cearenses‖. (Banco Mundial, 2003, p. 15-16).

Apesar das limitações mencionadas, as medidas dos governos, desde 1987, voltaram- se para a busca de resultados. Em 2001, o Governo do Estado do Ceará, por meio da Secretaria da Educação Básica (SEDUC), em parceria com a Fundação Brava5 e o Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG)6, implementou uma experiência no campo da gestão escolar, denominado Programa de Modernização e Melhoria da Educação Básica. O foco era a melhoria dos indicadores educacionais.

O programa mencionado disponibilizava aos gestores ferramentas de gestão, com o objetivo de contribuir para a construção de bases necessárias para a realização do gerenciamento do ensino e aprendizagem, entendido como a execução do projeto pedagógico da escola7. Esse programa foi desenvolvido em duas vertentes: 1) Proposta Pedagógica que objetivava a melhoria dos indicadores de desempenho; 2) Programa 5S que se materializava apoiado em cinco sensos: ―utilização, ordenação, limpeza, saúde e autodisciplina‖, visando uma maior organização, ―economia de tempo, dinheiro, materiais e melhor utilização dos talentos humanos, além da saúde física, mental e ambiental‖, otimizando assim, a gestão escolar nas ―áreas patrimonial, recursos humanos, físicos e financeiros‖. Considera-se ainda, nessa vertente, o estabelecimento de metas para a conservação do patrimônio físico e redução das despesas, evitando os desperdícios e elaborando um plano de ação anual (VIDAL et al, 2005, p. 20).

O programa apresentava como foco o gerenciamento do ensino e aprendizagem com o intuito de melhorar os indicadores educacionais, garantindo o desenvolvimento de competências e habilidades previstas na proposta curricular da escola, dos Parâmetros Curriculares Nacionais e Referenciais Curriculares Básicos do Ceará. Entendendo que as escolas utilizavam repetitivamente diferentes ferramentas, instrumentos e procedimentos de gestão, a SEDUC, com apoio das duas instituições parceiras mencionadas, propôs um único

5

A Fundação Brava foi a instituição que financiou o Programa de Modernização e Melhoria da Educação Básica do Ceará mediante contratação de consultores.

6 O Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG) foi o órgão contratado pela Fundação Brava para prestar

consultoria e apoio técnico a Seduc, Crede e escolas. 7

Iniciado com um grupo piloto de 23 escolas, em 2003, o programa foi reestruturado e passou a ser disseminado em 703 unidades escolares que eram sistematicamente acompanhadas pelas equipes da Seduc/Crede e INDG até 2006.

instrumento de planejamento e gestão de resultados: a Gestão Integrada da Escola (GIDE)8, que direcionava e incentivava a escola a se responsabilizar pela promoção do sucesso de seus alunos9.

A GIDE elegeu como metas pedagógicas o ―aumento da aprovação e redução do abandono, a melhoria dos indicadores do SPAECE e aumento da aprovação em exames vestibulares e/ou concursos públicos‖ (CEARÁ, 2005, p. 18). Além dessa ferramenta de gestão, as escolas públicas da rede dispunham do Sistema de Acompanhamento do Desempenho e da Rotina Escolar (SADRE) que possibilitava a interação on-line de todas as escolas com a Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação (CREDE) e a SEDUC.

Foi nesse cenário que iniciou-se a implantação da Gestão por Resultados no Ceará (GPR) legitimada no Plano de Governo de 2003-2006, denominado Ceará Cidadania, Crescimento com Inclusão Social, do Governador Lúcio Alcântara. Sobre essa questão da Gestão por Resultados ou Result Based Management (RBM), oriunda do Canadá, é um modelo de administração governamental que utiliza instrumentos e práticas de planejamento, com o intuito de implementar processo de monitoramento e avaliação, bem como operacionalização de suas ações com o objetivo de subsidiar o alcance das metas e resultados desejados. (HOLANDA; ROSA, 2004)

De acordo com Aucoin (1995), Result-Based Management (RBM) ou Gestão por Resultados (GPR), está associada a implantação de uma ―nova prática focada na maior eficiência e eficácia do uso do recurso público e a maior responsabilização dos gestores públicos nas prestações de contas do uso dos recursos públicos‖. Para Holanda e Rosa (2004), ―GPR é um modelo em que o setor público passa a adotar uma postura empreendedora, voltada para o cidadão como cliente e buscando padrões ótimos de eficiência, eficácia e efetividade, com ética e transparência.― (p.6-7)

Ainda para os autores, o modelo dá ênfase nos impactos e benefícios sobre a vida da sociedade, rompendo com os aspectos burocráticos e operacionais da gestão tradicional. O

8 A Gestão Integrada da Escola (GIDE) foi uma decorrência do processo de formulação estratégica da Seduc

com o objetivo de melhorar a comunicação entre a Seduc/Crede/Escola com foco na escola. Visava também evitar a sobreposição de instrumentos de gestão e o retrabalho na Comunidade com a adoção de um único instrumento de gestão focado em resultados. O trabalho foi desenvolvido a partir de uma análise minuciosa do Projeto Político Pedagógico (PPP), do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE) e das ferramentas disponíveis no Programa de Modernização e Melhoria da Educação Básica (PMMEB) que conviviam simultaneamente nas escolas cearenses, provocando expressiva insatisfação por parte dos gestores pelo fato de ter que elaborar três documentos distintos. Para maiores informações, ver Ceará (2006).

intuito é a criação de uma cultura de desempenho de excelência em todos os níveis da administração do Estado.

Conforme Ulrich (1999), a GPR significa decidir a partir do que foi aprendido com o caminho e resultados anteriores. Envolve também bom planejamento diante dos recursos disponíveis, melhorando os programas e serviços, sendo responsável e prestando contas aos cidadãos e aos parceiros.

Para Meyer (2003), ―os inputs são necessários para a produção de produtos (outputs) que, por sua vez, ensejam efeito de médio prazo (outcomes)‖ que levam a impactos ou resultados de longo prazo. Este encadeamento de eventos é chamando de ―cadeia de resultados, uma sequencia causal para estimular o alcance de um objetivo desejado‖. A gestão por resultados também se configura como uma consequência, ―uma ramificação do Estado Avaliador‖. (p. 7)

O Governo Lúcio Alcântara (2003-2006) buscou racionalizar o recurso público, fazendo mais com menos. As estratégias utilizadas foram três: A primeira diz respeito a ―adoção de medidas para o equilíbrio fiscal com estratégias para a elevação das receitas próprias e, para a redução ainda mais das despesas correntes‖ (HOLANDA; PETTERINI; BARBOSA, 2006, p. 26-32). A segunda se refere a busca por uma reorganização e modernização da estrutura administrativa, instituindo: i) ―a Secretaria da Controladoria – SECON‖ com o intuito de racionalizar e controlar a aplicação dos recursos públicos; ii) ―um novo modelo de gestão centrado em eixos de atuação‖; iii) ―a criação do Comitê de Gestão por Resultados e Gestão Fiscal (COGERF), que buscou sedimentar o Modelo da Gestão por Resultados no Ceará‖. (HOLANDA, MEDEIROS, MACHADO NETO, 2006, p.117).

A terceira estava associada às operações de crédito com agências multilaterais, ―mesmo estando com suas despesas correntes sob controle, a situação era agravada pelo cronograma de amortizações do serviço de sua dívida, fortemente concentrado nos cinco anos seguintes‖ (HOLANDA, MEDEIROS, MACHADO NETO, 2006, p.117). Em 2005, o Ceará, recebeu assistência técnica na implantação de uma política da Gestão por Resultados no estado. Este foi um mecanismo que alavancou a concepção da GPR.

O ciclo do modelo de GPR adotado no Ceará resumiu-se em três etapas básicas: ―planejamento, implementação, e monitoramento e avaliação‖. A etapa do planejamento foi a fase que teve duas instâncias: a) A primeira foi a ―definição dos Resultados Estratégicos de Governo, e o estabelecimento de metas e de seus indicadores, por eixo de atuação do Plano de Governo‖. Nessa fase, foram estudados os principais Resultados de Governo, que representam os ―compromissos maiores que o Governo assume com a população a partir dos quais, ele, o

Governo, poderá ser cobrado‖ e indicadores cujo acompanhamento de sua evolução ―sinaliza se as políticas governamentais implementadas estão gerando resultados desejáveis.‖ (ROSA et al, 2006, p.61-67).

Para a concretização dessa etapa foi elaborado o marco lógico do plano de governo, que foi estruturado em quatro eixos: i) Ceará Empreendedor; ii) Ceará Vida melhor; iii) Ceará Integração; e iv) Ceará a Serviço do Cidadão. Cada um destes eixos agrupou os resultados estratégicos do Governo, com os respectivos indicadores de acompanhamento e avaliação.

Para Holanda e Rosa (2004) a segunda instância ocorreu a partir de 2005, momento em que os planos estratégicos das Secretarias de Estado estavam em processo de elaboração. A participação ganhou foco durante essa etapa, já que estavam todas as secretarias envolvidas. Em 2006 e 2007, foram realizados cursos de capacitação de todos os servidores diretamente ligados às áreas de planejamento de cada secretaria estadual e órgãos afins. Essas foram ―expostas aos conceitos de GPR e seu marco lógico‖. Foi também o ―momento de avaliar a quantidade e a qualidade dos recursos, bem como a estrutura gerencial, tendo em vista conduzir o processo de realização do produto da forma mais eficiente e eficaz.‖ (p. 8).

A terceira etapa constituiu-se em Monitoramento e Avaliação. Segundo Holanda e Rosa (2004), esta fase representa ―um conjunto de atividades que gera o aprendizado para a melhoria atual e futura de critérios de alocação de recursos.‖ A razão destas atividades é o acompanhamento, pelo gestor, das metas, resultados e impactos alcançados. Em relação ao monitoramento, a partir de 2006 o Governo avançou no acompanhamento dos órgãos através da inclusão obrigatória, pela SECON, de ―um capítulo de análise do Desempenho da Gestão por Resultados, nos relatórios de prestações de contas anuais ao Tribunal de Contas do Estado‖. (p.14)

A partir de 2007 novas iniciativas pedagógicas foram desenvolvidas e a gestão por resultados foi fortalecida com o Governo Cid Gomes (2007-2014) que assume o Estado com o Plano de Governo O grande Salto que o Ceará Merece. Por meio da Lei nº 13.875, de 07 de fevereiro de 2007, define seu modelo de governar, ―Gestão por Resultados como administração voltada para o cidadão, centrada notadamente nas áreas finalísticas, objetivando padrões ótimos de eficiência, eficácia e efetividade‖. E, este modelo visa à concretização de uma ―gestão pública empreendedora, inovadora, ética, transparente e voltada para resultados.‖ (CEARÁ, 2007, p. 74).

Em 2008, uma nova experiência de gestão escolar se materializa na rede estadual do Ceará, dirigida para as escolas de educação profissional que estavam sendo inauguradas, esse modelo de gestão tem seus fundamentos no documento intitulado Tecnologia Empresarial

Socioeducacional (TESE), que por sua vez, constitui-se em um instrumento de apoio à gestão produzido pelo Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação (ICE)10, adotado nos Centros de Ensino Experimental de Pernambuco e a partir de 2004 no Centro de Ensino Experimental Ginásio Pernambucano, em Recife e que foi adaptado da Tecnologia Empresarial Odebrecht (TEO) para aplicação na educação pública de nível médio (LINHARES (2015); LIMA, (2014); MAGALHÃES, (2008)).

Segundo Lima (2014), a TESE incorpora conceitos e princípios propostos pelo Relatório Delors de 1996 e visa à geração de resultados e a formação de um ciclo virtuoso, que servirá de realimentação de todo o processo educacional. A escolha por esse modelo de gestão pretende ―dar suporte para que a escola modifique seus processos em prol da qualidade da prática educativa, priorizando essa vertente como um dos elementos estratégicos da gestão escolar socialmente responsável‖ (CEARÁ, 2010, p.5).

Nas escolas cearenses, esses modelos de gestão com foco nos resultados, se expressa através da adesão à cultura avaliativa proposta pelo Estado Avaliador. Ainda nos anos 1990 o estado avança no sentido de propor avaliações próprias, entretanto são nos anos 2000 que podemos observar seus reflexos.

Alavarse, Bravo e Machado (2012) em estudo pertinente ao tema, revelam-nos dados importantes: dos 27 estados da federação, 18 já implantaram avaliações próprias, sendo que desses, 13 foram implementadas na década de 2000. Os autores afirmam que ―[...] essas iniciativas foram efetuadas na esteira do fortalecimento da avaliação como diretriz da política educacional no governo federal tanto no que se refere ao tempo histórico, como também à forma constituinte dos sistemas‖ (p. 6-7). Essa questão será mais aprofundada no próximo capítulo

De acordo com Machado (2012) as avaliações desenvolvidas pelos governos estaduais estão ―obtendo um lugar privilegiado na relação com as escolas e com a gestão das mesmas‖ por se localizarem geograficamente mais próximas que o governo federal. Porém, os autores ponderam que essa proximidade pode, também, provocar situações que abalam o clima positivo do processo, como iniciativas de burla dos resultados e insegurança no fornecimento das informações e dados confidenciais.

Convém salientar, como modo de concluir este capítulo, que buscamos apresentar os pontos principais da política educacional brasileira, indo ao encontro da eminência da

10

Esse manual apresenta um modelo de gestão que se caracteriza pela incorporação de preceitos da administração e gestão de instituições privadas no âmbito da gestão pública. Embora com roupagem diferente, esse modelo de gestão também tem como objetivo o foco nos resultados.

avaliação educacional das últimas décadas. Com o crescimento das práticas neoliberais no campo político, econômico e social, a educação passou a sentir fortemente o viés regulador e fiscalizador do Estado, que aperfeiçoou seus mecanismos de avaliação. Tais práticas invadiram também o cenário estadual, com o desenvolvimento de sua principal política de avaliação: o SPAECE. Nos últimos dez anos o sistema cresceu em abrangência, ganhando destaque com as premiações e com o desenvolvimento da gestão por resultados.

Para compreender de forma mais aprofundada como tem se desenhado os impactos dessa lógica e das avaliações na gestão escolar e no trabalho docente, construímos o próximo capítulo Avaliações em larga escala no Brasil.

3 AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA NO BRASIL

A avaliação é uma categoria pedagógica polêmica. Diz respeito ao futuro. Portanto, mexe com a vida das pessoas, abre portas ou as fecha, submete ou desenvolve, enfim é uma categoria permeada por contradições. O lugar que a avaliação ocupa na atividade pedagógica a coloca no topo das atenções de estudantes e professores. Marcada pelas relações que estão presentes no interior da escola, relações essas que revelam estreita conexão entre esta escola e a sociedade que a cerca, a avaliação emerge na sala de aula ora como fonte de desenvolvimento, ora como ameaça. Curiosamente atinge todos os atores, a depender do lugar em que se inscrevam no processo de avaliação, ora como sujeitos avaliadores, ora como objetos de avaliação. (FREITAS et al, 2011a, p. 7)

Conforme abordado no capítulo anterior, compreendemos que a Educação é um fenômeno regulado pelo Estado, assim também como a própria escola pública, que recebe a maior parte da população em idade escolar. A avaliação que tem como fim a escola também expressa, portanto, a concepção de Estado que se desenha em dado momento histórico, logo não apresenta consenso no que se refere ao seu conceito, aplicabilidade e repercussões.

Para fins desse estudo corroboramos com a ideia de Luckesi (2002) quando aborda a diferença entre o conceito de Avaliar e Examinar. Para o autor Avaliar é um ato diagnóstico e inclusivo, com o objetivo de reorientar e ressignificar uma experiência com o intuito de produzir o melhor resultado possível, portanto não devendo apresentar caráter classificatório e seletivo. Essa perspectiva é diferente do ato de examinar, que se materializa como prática classificatória, seletiva e excludente, centrada no julgamento de aprovação ou reprovação, dirigindo-se a classificação estática do que é examinado.

É comum, no entanto, observar professores e professoras, em sua prática escolar cotidiana, associar exames com avaliação, esquecendo que o exame é apenas mais um instrumento possível de utilização no decorrer de um processo avaliativo continuo.

A prática avaliativa se materializa atualmente influenciada por esses elementos. Outro aspecto que se faz importante observar é a relação de poder que se desenha no interior das escolas a partir dessa prática. Bourdieu (1989) explica que ―o poder simbólico, poder subordinado, é uma forma transformada, quer dizer, irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder‖ (p.15). A avaliação como fruto desse jogo de poder também se configura como mecanismo que conduz a manutenção ou a eliminação de parcela dos alunos que estão no interior da instituição escolar. Sobre isso, Bourdieu e Passeron (1975) afirmam que a seleção é espaço privilegiado para perceber as relações de troca, em uma sociedade de classes, existentes entre sociedade e educação.

Esse capítulo se propõe a refletir, portanto, sobre o conceito de avaliação, suas dimensões, tipologia, propósitos, finalidades e seus desdobramentos como avaliação em larga escala. Pretende-se discutir as proximidades e distanciamentos do que se espera do processo de avaliação educacional e o que tem sido proposto como avaliações em larga escala. Sobre essa última, abordar-se-á seu conceito, histórico, forma como esta tem sido abordada nos trabalhos científicos sobre o tema e as repercussões de sua presença no chão da escola.