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Fluxograma 4 – Sujeitos da pesquisa

2 AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR

2.2 Avaliação no Brasil – herança da pedagogia tradicional

O sistema escolar brasileiro caracteriza-se por uma pedagogia tradicional construída historicamente com raízes no ensino dos Jesuítas, cujas regras educacionais foram estruturadas no Ratio Studiorum, documento publicado em 1599, de caráter universalista e elitista segundo Saviani (2011), já que deveria ser

adotado indistintamente por todos os jesuítas, mas voltado para a educação da elite colonial, tendo êxito inquestionável, ao ponto de desempenhar um papel de grande relevância na educação moderna. Segundo a análise do autor,

As ideias pedagógicas expressas no Ratio correspondem ao que passou a ser conhecido na modernidade como pedagogia tradicional. Essa concepção pedagógica caracteriza-se por uma visão essencialista do homem, isto é, o homem é concebido como constituído por uma essência universal e imutável. À educação cumpre moldar a existência particular e real de cada educando à essência universal e ideal que o define enquanto homem. (SAVIANI, 2011, p. 56 e 57).

Segundo Luckesi (2001), o modelo de aprendizagem, e, consequentemente, de avaliação da aprendizagem na educação brasileira atual, está ligado ao modelo de sociedade liberal conservador, que originou três pedagogias diferentes, mas relacionadas entre si: a pedagogia tradicional, a pedagogia renovada ou escolanovista e a pedagogia tecnicista.

Conforme destaca Saviani (2008, p. 18), na pedagogia tradicional a “escola se organiza, como uma agência centrada no professor, o qual transmite, segundo uma gradação lógica, o acervo cultural aos alunos. A estes cabe assimilar os conhecimentos que lhes são transmitidos.”

A herança pedagógica no Brasil se caracteriza, também, pela pedagogia tradicional vigente entre 1759 e 1932, que trazia consigo as vertentes religiosa e leiga, haja vista a imensa concorrência entre os princípios iluministas e a educação de alicerce religioso dos jesuítas.

Assim, podemos considerar que a hegemonia católica no campo da educação não chegou a ser abalada nem mesmo quando se aglutinavam os conflitos entre as elites, bafejadas pelo ideário iluminista, e o clero, assim como entre o clero secular, sujeito ao imperador pelo regime padroado, e os ditames da Cúria Romana, como se deu desde a ascensão de Pombal até o final do Império Brasileiro. (SAVIANI, 2011, p. 178).

A pedagogia tradicional da educação brasileira se traduz, portanto, no pressuposto epistemológico inatista (BECKER, 2018), pois julga que o homem já nasce predeterminado em sua essência, por dom divino ou por determinação natural. Então, cabe a escola moldá-lo a essa essência que o define como ser humano, por isso, nessa acepção o aluno é uma tabula rasa, na qual a escola deposita seu conhecimento, concebendo o professor como sujeito ativo, autoridade máxima e incontestável na sala de aula; e o aluno como o objeto, portanto, passivo do processo de ensino e aprendizagem.

Nessa lógica, Becker (2018, p. 3) assevera que

O professor acredita no mito da transferência do conhecimento: o que ele sabe, não importa o nível de abstração ou de formalização, pode ser transferido ou transmitido para o aluno. Tudo o que o aluno tem a fazer é submeter-se à fala do professor: ficar em silêncio, prestar atenção, ficar quieto e repetir tantas vezes quantas forem necessárias, escrevendo, lendo, etc, até aderir em sua mente, o que o professor deu.

Surge, então, a concepção da escola nova (1932 a 1969) que também influencia até hoje a educação brasileira, diferente da vertente inatista antecedente, concebe o aluno como sendo moldado pelo exterior, de acordo com suas necessidades educativas. A nova doutrina, portanto, “estimula a atividade espontânea, tendo em vista as necessidades de cada criança individualmente considerada.” (SAVIANI, 2011, p. 247).

Sob a ótica do autor, o movimento do escolanovismo chega em contraposição à escola tradicional, como explica

Compreende-se então que essa maneira de entender a educação, por referência à pedagogia tradicional tenha deslocado o eixo da questão pedagógica do intelecto para o sentimento; do aspecto lógico para o psicológico; dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos; do professor para o aluno; do esforço para o interesse; da disciplina para a espontaneidade; do diretivismo para o não-diretivismo; da quantidade para a qualidade; de uma pedagogia de inspiração filosófica centrada na ciência da lógica para uma pedagogia de inspiração experimental baseada principalmente nas contribuições da biologia e da psicologia. (SAVIANI, 2008, p. 21).

A pedagogia renovada ou escolanovista, portanto, manifesta-se no pressuposto epistemológico empirista (ou behaviorista), na qual o conhecimento é derivado das sensações que o meio provoca nos sentidos do sujeito. Nessa perspectiva, o polo do ensino, representado pelo professor, passa a segundo plano, enquanto o polo da aprendizagem, representado pelo aluno, passa para o primeiro plano, em vista disso

o polo do ensino é desautorizado e o da aprendizagem é tornado absoluto. A relação vai perdendo sua fecundidade na exata medida em que se absolutiza um dos polos. Em outras palavras, a relação torna-se impossível na medida mesma em que pretende avançar. Ensino e aprendizagem não conseguem fecundar-se mutuamente: a aprendizagem por julgar-se auto- suficiente e o ensino por ser proibido de interferir. O resultado é um processo que caminha inevitavelmente para o fracasso, com prejuízo imposto a ambos os polos. (BECKER, 2018, p. 6).

Nessa perspectiva, o professor considera a aprendizagem como uma ação externa realizada sobre o aluno, ou seja, ao planejar as estratégias pedagógicas adequadas a determinados conteúdos, se “oferecer explicações claras,

textos explicativos consistentes e organizar o ambiente pedagógico, o aluno terá as condições consideradas ideais para aprender.” (HOFFMANN, 1993, p. 142).

Se apesar de todos os cuidados do professor, mesmo assim o aluno não aprender, o problema não é seu e sim do aluno, seja porque não se esforçou o suficiente, seja porque está desinteressado ou outras razões diversas, como argumenta Hoffman

Observa-se, nessa visão, um compromisso do educador, alienado de uma relação de aproximação com o pensar do aluno: o professor “dá” sua aula, o aluno “pega” as explicações, cumpre as tarefas. A hipótese que enuncio é que tal visão de conhecimento behaviorista veicula-se a uma prática avaliativa de observação e registro de dados. (1993, p. 142-143, grifo da autora).

Com essa postura, o professor revela uma conduta autoritária frente à relação professo-aluno, uma vez que no processo avaliativo investe tão somente em dados observáveis e mensuráveis, sem considerar o aspecto subjetivo da aprendizagem, em oposição a “uma relação que exige o diálogo do professor e do aluno sobre suas maneiras de compreender o mundo.” (HOFFMANN, 1993, p. 144).

A pedagogia tecnicista, por sua vez, está “centrada na exacerbação dos meios técnicos de transmissão e apreensão dos conteúdos e no princípio dos rendimentos” (LUCKESI, 2001, p. 30). Desse modo, o centro do processo de ensino e de aprendizagem não está nem no professor, nem no aluno, ambos são relegados a segundo plano.

Para Saviani (2011, p. 344-345) a pedagogia tecnicista concebe a “educação como formação de recursos humanos para o desenvolvimento econômico dentro dos parâmetros da ordem capitalista” e, no que toca às características pedagógicas, por intermédio de novos recursos tecnológicos, métodos e técnicas de ensino.

Nesse contexto, cabe situar o papel dos sujeitos da ação educacional ante às intenções da pedagogia tradicional, da escola nova e do tecnicismo:

Se na pedagogia tradicional a iniciativa cabia ao professor que era, ao mesmo tempo, o sujeito do processo, o elemento decisivo e decisório; se na pedagogia nova a inciativa desloca-se para o aluno, situando-se o nervo da ação educativa na relação professor-aluno, portanto, relação interpessoal, intersubjetiva - na pedagogia tecnicista, o elemento principal passa a ser a organização racional dos meios, ocupando professor e aluno posição secundária, relegados que são à condição de executores de um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais. (SAVIANI, 2011, p. 382).

Face ao exposto, considera-se a avaliação da aprendizagem como o instrumento mais forte de manifestação do modelo conservador do sistema educacional, haja vista suas características de autoritarismo presentes no dia-a-dia de sala de aula, como advoga Luckesi

Em função de estar no bojo de uma pedagogia que traduz as aspirações de uma sociedade conservadora, ela exacerba a autoridade e oprime o educando, impedindo o seu crescimento. De instrumento dialético se transforma em instrumento disciplinador da história individual de crescimento de cada um. Da forma que vem sendo exercida, a avaliação educacional escolar serve de mecanismo mediador da reprodução e conservação da sociedade das pedagogias domesticadoras; para tanto, a avaliação necessita da autoridade exacerbada, ou seja, do autoritarismo. (2001, p. 41).

Hoffmann (1993), por seu lado, afirma que o sistema avaliativo nesse modelo educacional apenas discrimina, seleciona e classifica o aluno e não contribui para a resolução das dificuldades dos discentes e docentes, por ser impreciso em detectar deficiências, assim como em corrigi-las. Isso acontece porque

As posturas conservadoras e resistentes acabam por impedir que haja diálogo efetivo entre os professores e destes com os alunos, com as famílias. Não se dá, dessa forma, a reflexão conjunta e o aprofundamento teórico necessário para evoluir nessa problemática. (p. 44).

Por essa razão, Luckesi (2011, p. 77) defende uma pedagogia construtiva2, pois “o ser humano é um ser ‘aprendente’ e, para aprender, necessita

que, de fato, aquele que o ajuda tenha uma decisão firme e clara de investir nele, custe o que custar”; e, sabendo disso, ultrapasse a crença vigente, na qual o homem é um ser estático, logo, o educando deve estar pronto e ser responsabilizado por seus resultados bons ou maus; partindo para uma visão transformadora, na qual o homem é considerado um ser em movimento e o aluno, um ente em constante desenvolvimento.