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5.2 Integrar o pensamento crítico à rotina das instituições educacionais

5.2.7 A avaliação do pensamento crítico

Lipman (2008, p. 221) afirma que a pergunta feita com mais frequência por professores preocupados com o desenvolvimento do pensamento crítico é “como posso saber quando estou ensinando a pensar de modo crítico e quando não estou?” Nesta seção eu parto de uma questão semelhante à de Lipman, “como podemos saber se estudantes (e docentes) estão exercendo o pensamento crítico de modo adequado ou, pelo menos, estão preocupados com o modo com que raciocinam?”, e a finalizo com uma segunda: “por que avaliar a qualidade do exercício do pensamento crítico em escolas e universidades?”

Como podemos saber se estudantes (e docentes) estão exercendo o pensamento crítico de modo adequado ou, pelo menos, estão preocupados com o modo com que raciocinam? Lipman (2008, p. 222-4) elenca uma série de elementos os quais chama de “comportamentos de raciocínio prático”, e que são demonstrações de aplicação do pensamento crítico no cotidiano de instituições educacionais. Os comportamentos aos quais Lipman faz referência dizem respeito aos aspectos que compõem a sua definição de pensamento crítico: assim, estudantes estariam exercendo o pensamento crítico à medida que demonstrassem a capacidade e a inclinação para autocorreção do pensamento, fossem sensíveis aos diferentes contextos em que a análise de razões ocorre, buscassem se orientar por critérios adequados à área da investigação, e fossem capazes de realizar julgamentos arrazoados, isto é, que tivessem o hábito de sustentar suas posições e decisões com boas razões.

De maneira geral, entendo que o emprego de muitas das estratégias e princípios de investigação que examinei nesta tese sugerem que docentes e estudantes estão exercendo o pensamento crítico. Acostumar-se a explicitar as razões pelas quais alguém sustenta o próprio ponto de vista, e solicitar aos colegas as suas razões para justificar posições diferentes são bons sinais de atenção aos processos de pensamento que ocorrem em uma sala de aula. Assimilar e exercer a derrotabilidade, isto é, conceber pontos de vista diferentes e, especialmente, elaborar condições nas quais as ideias de um sujeito podem estar equivocadas, ou necessitar de revisão, é outra indicação de que o pensamento crítico está sendo exercido.

Entendo que um critério importante para verificar se o pensamento crítico tem sido exercido em uma sala de aula é a metacognição. Se observarmos docentes e estudantes refletindo sobre suas próprias ideias, ou, mais especificamente, sobre os processos mentais que costumam utilizar quando investigam os temas das aulas e outros assuntos fora da escola ou universidade, então temos indícios de que eles estão empregando processos de pensamento complexos, associados ao Sistema 2, sobre o seu próprio raciocínio. Como discuti nesta tese, engajar-se apropriadamente em processos metacognitivos é um dos elementos mais importantes – e difíceis de se atingir plenamente – do pensamento crítico.

A metacognição também faz com que estudantes e docentes reconheçam a potencial força dos vieses cognitivos nos processos de raciocínio e tomada de decisão, e tomem certas precauções a respeito. Perguntar-se a si próprio, à maneira de Houdini, “qual é o meu ponto de vista sobre esse assunto, e o quanto ele é importante para mim?” e, com isso, dispor-se a testar as suas conclusões externamente (consultando o consenso de especialistas, buscando informações recentes sobre a área em questão, trocando ideias com os colegas, etc) é também uma estratégia importante, e um exemplo de aplicação de pensamento crítico em sua forma mais plena.

Ter o hábito de examinar intuições, e não aceitá-las irrefletidamente é outro exemplo do exercício do pensamento crítico. Aceitar, sem pensar com cuidado, a primeira resposta que vem à mente sobre assuntos complexos é um modo de ceder à força de nosso Sistema 1, enquanto por as intuições e preconcepções a teste é um exemplo de aplicação apropriada do pensamento crítico. Desse modo, um sinal importante de que há preocupação com a maneira de pensar de estudantes e docentes é quando a turma se recusa a aceitar, sem posterior exame, suas primeiras impressões sobre os tópicos que discutem, e cria o hábito de fazer isso com frequência.

Não é necessário que entendamos o exercício do pensamento crítico como uma questão de “tudo ou nada” – como destaquei em alguns pontos desta pesquisa. O pensamento crítico é melhor entendido como uma questão de grau, e assim pode ocorrer mais, ou menos, adequadamente em diferentes circunstâncias e com distintos temas. Por isso, assumo que sempre que houver preocupação por parte de estudantes e docentes em deliberar sobre e aprimorar a qualidade dos próprios processos de raciocínio, podemos afirmar que o pensamento crítico está sendo exercido na aula.

Uma segunda questão importante sobre o tema desta seção é “por que avaliar a qualidade do exercício do pensamento crítico em escolas e universidades?” Ao propor essa questão, pressuponho que o pensamento crítico deva ser de alguma maneira avaliado, e a principal razão para isso, em linhas gerais, é para que estudantes possam refinar cada vez mais as suas capacidades de avaliação de razões e o seu espírito crítico.

Luckesi (2001, p. 174) argumenta que “a avaliação da aprendizagem tem por objetivo auxiliar o educando no seu crescimento”, e entendo que isso é especialmente relevante quando tratamos de avaliar o exercício do pensamento crítico em escolas e universidades. Se temos inclinações cognitivas que normalmente nos afastam do pensamento crítico, então precisamos encontrar um apoio externo, nas instituições educacionais, para que possamos perceber a importância de pensar criticamente e fazer isso com a frequência e qualidade necessárias.

Em escolas e universidades, o pensamento crítico pode ser avaliado dentro do contexto de cada disciplina, quando os docentes solicitam aos estudantes que tratem das razões envolvidas em ideias de diferentes áreas do conhecimento, e dos processos de pensamento e investigação que conduziram as comunidades de especialistas até elas. Em ciências e biologia, em qualquer nível de ensino que essas disciplinas sejam discutidas, por exemplo, a avaliação do pensamento crítico pode fazer parte de uma abordagem mais ampla, que envolve o que Furman e Podestá (2009) chamam de “aprendizagem de ciências como um processo”.

Aprender ciências como um processo, segundo Furman e Podestá (2009, p. 41-45), significa ter como objetivo elementar das aulas o fomento de habilidades normalmente associadas a investigações científicas: busca e avaliação de evidências que sustentam uma proposição, análise da plausibilidade de argumentos que fundamentam proposições alternativas, capacidade de interpretar a força das conclusões com base na qualidade das razões que as amparam, e assim por diante. As autoras contrastam o ensino de ciências como processo com o que foca nos produtos científicos, isto é, nas informações das diferentes áreas do conhecimento (“como o vírus HIV pode ser transmitido de uma pessoa a outra?”, “qual é o nome do autor de A Origem das Espécies?”, etc), que tende dar um valor maior às respostas “adequadas” dos estudantes em comparação à qualidade da deliberação deles sobre os temas em questão. Produtos científicos certamente são importantes, mas é necessário ir além: precisamos pensar adequadamente sobre eles.

Ao promover a aprendizagem de ciências como um processo, e avaliá-la como tal, os professores reforçam que os objetivos de suas aulas não são apenas o entendimento de informações científicas, mas principalmente o fortalecimento de habilidades e disposições de pensamento crítico, com os quais os estudantes podem fazer uso mais razoável das informações com que têm contato nas instituições educacionais e fora delas. Dessa forma, os estudantes são expostos às ideias científicas e têm as ferramentas intelectuais para pensarem sobre elas da maneira mais adequada possível. Os professores, por sua vez, podem ter uma percepção não somente do domínio dos fatos científicos pelos estudantes, mas fundamentalmente do quanto eles são capazes de pensar criticamente sobre ciências e sobre as ideias com que trabalham nas aulas.