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AVANÇOS E LIMITES NOS CAMINHOS À QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL DAS

Aspecto relevante ao se pensar a condição da mulher na sociedade e, especificamente, no mundo do trabalho, se refere ao processo de qualificação do público feminino. Historicamente, o acesso à educação formal aconteceu para meninas e mulheres de forma tardia em relação ao público masculino. No caso do Brasil, de acordo com Beltrão e Alves (2009), a preocupação com a formalização da educação feminina acontece apenas na primeira metade do século XIX, a partir da Independência e consequente configuração mais complexa da sociedade brasileira (imigrações internacionais e maior diversificação econômica). “[...] Os primeiros legisladores do Império estabeleceram que o ensino primário deveria ser de responsabilidade do Estado e extensivo às meninas, cujas classes seriam regidas por professoras.” (BELTRÃO; ALVES, 2009, p. 127.)

Ao público feminino cabia a educação primária, fortemente embasada em conteúdo moral e social, objetivando o fortalecimento do papel da mulher como esposa e mãe. A educação secundária ficava massivamente restrita a formação em cursos de magistério, voltados para formação de professoras para os cursos primários. Todavia, durante quase todo

o século XIX, as mulheres permaneceram excluídas dos graus mais elevados de instrução. Mesmo com o decreto imperial de 1881, que facultou a mulher a matrícula em cursos de nível superior, é importante frisar que a exclusão feminina dos cursos secundários inviabilizou o ingresso efetivo de mulheres nas universidades até a primeira metade do século XX.

Custódio e Bonini (2019) apontam que as mulheres, no Brasil passaram a ocupar vagas nas universidades de forma significativa apenas na década de 1960. A esse período e as décadas que o seguem, é possível observar, como afirmam Melo, Lastres e Marques (2004), que a taxa de participação das mulheres do mercado de trabalho sofre significativa crescente (o emprego feminino cresceu em 92% entre as décadas de 1970 e 1980). Entre 1985 e 1995, a taxa de crescimento do emprego das mulheres foi de 3,68%, superando os 2,37% de crescimento do emprego total (MELO, 2000 apud MELO; LASTRES; MARQUES, 2004). A relação qualificação x empregabilidade permite observar que o aumento da população feminina economicamente ativa tem relação direta com o crescimento do seu nível de qualificação.

Apesar do ingresso mais tardio nas universidades, no Brasil, no ano de 2001, as mulheres já representavam 56,3% do total de alunos matriculados e 62,4% do total de alunos que concluíram o ensino superior (CUSTODIO; BONINI, 2019). Países da Europa ocidental e Estados Unidos só alcançaram esse percentual de participação no ano de 2010. Em 2017, a participação feminina nas universidades brasileiras correspondia a 57% dos postos em cursos nas universidades, realidade semelhantes a países em maior grau de desenvolvimento como Itália e Austrália. A média global é de 52%.

De acordo com o Censo da Educação Superior elaborado pelo INEP7, no ano de 2018, 57% dos alunos matriculados em cursos de graduação (presencial e à distância), foram do sexo feminino. No estado do Rio Grande do Norte, esse quantitativo é um pouco menor (53,8%), mas ainda assim, mais expressivo que o quantitativo do sexo masculino. No tocante ao número de concluintes, afirma-se a mesma tendência, 60,5% dos alunos concluintes dos cursos de graduação no país, em 2018, são do sexo feminino. No Rio Grande do Norte, as concluintes do sexo feminino correspondem a 57% do total no mesmo período.

As mulheres, que adentraram na força economicamente produtiva a priori com baixa qualificação e remuneração (em caráter de complementação da renda familiar), passam na

7 INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Sinopse

Estatística da Educação Superior 2018. Brasília: Inep, 2019. Disponível em: http:portal.inep.gov.br/basica- censo-escolar-sinopse-sinopse. Acesso em: 20 fev. 2020.

história recente a alcançar melhores qualificações, especialmente através do ingresso nas universidades.

No Brasil, a formação em nível superior tem grande relevância no mercado de trabalho, seja pela maior valorização de trabalhadores mais qualificados, seja em razão do nível de remuneração mais elevado. Pesquisa realizada pelo IBGE8 aponta que no último trimestre de 2019, a média salarial da população ocupada com instrução de nível superior ou equivalente, foi de R$ 4.925,00 reais, maior média salarial sobre a relação população ocupada x nível de instrução (a média nacional entre todos os níveis de instrução é de R$ 2.261,00 reais).

Entretanto, a ocupação dos cursos nas universidades, e consequentemente do mercado de trabalho, não acontece de forma isonômica entre homens e mulheres no que diz respeito a inserção nas diversas áreas de conhecimento e, portanto, nos campos de atuação profissional. Soares, Melo e Bandeira (2014), em seu estudo sobre o trabalho das mulheres brasileiras a partir dos censos demográficos de 1872 a 2010, afirmam sobre o censo 2010 que:

[...] Havia, neste censo, a expectativa de mudanças nas estatísticas de nível superior concluído segundo as áreas de concentração e sexo, visto que vinte anos atrás as mulheres passaram a ser maioria no ensino superior. No entanto, os 11 resultados foram modestos, mantendo a formação feminina concentrada nas áreas de Educação, Humanidades e Saúde. Dessa maneira, presume-se que as mudanças no mercado de trabalho também foram (e serão) tímidas, visto que não se confirmou uma “revolução” nas carreiras como se poderia imaginar. (SOARES; MELO; BANDEIRA, 2014, p. 10.)

A questão lançada a partir deste quadro se refere ao efeito dessa realidade no mercado de trabalho. As estatísticas educacionais evidenciam um avanço na escolaridade feminina, entretanto, um progresso concentrado em áreas que são nichos femininos há décadas.

O Censo da Educação Superior de 2017, realizado pelo INEP9, aponta que, em se

tratando de paridade de gênero na educação superior, apesar de as mulheres representarem cerca de 60% entre alunos matriculados e concluintes em todo país, a distribuição entre os cursos ocorre de forma dissonante entre os estudantes do gênero feminino e masculino. O

8 BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia Estatística -

IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua Trimestral - PNADC/T. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pnadct/tabelas. Acesso em: 22 fev. 2020.

9 INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Censo da

Educação Superior - Divulgação dos Principais Resultados. Brasília: Inep, 2018. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/setembro-2018-pdf/97041-apresentac-a-o-censo-superior-u-ltimo/file. Acesso em: 13 mar. 2020.

Gráfico 4 evidencia como a distribuição por sexo entre os 20 maiores cursos em número de matrículas acontece de forma heterogênea entre homens e mulheres.

Cursos como pedagogia, que consta como o primeiro em matrículas femininas, ocupa a 19ª posição em número de matrículas masculinas. No sentido inverso, cursos como engenharia civil e engenharia de produção ocupam as posições 3ª e 7ª entre os homens, e 12ª e 19ª entre mulheres, respectivamente. Os cursos de graduação nas áreas de engenharia mecânica, engenharia elétrica, análise e desenvolvimento de sistemas (tecnólogo), sistemas de informação e ciência da computação, que ocupam posições significativas no ranking de matrículas masculinas, nem mesmo versam entre os 20 cursos com mais ocupação feminina.

Gráfico 4 - Distribuição por sexo entre os vinte maiores cursos em número de matrícula

Fonte: Censo da Educação Superior 2017 - INEP

Fonte: Censo da Educação Superior 2017 - INEP

Esses dados permitem atentar para o fato de que:

[...] a participação feminina no nível superior, apesar de ultrapassar a masculina, distribui-se heterogeneamente pelas áreas do conhecimento, configurando uma sub- representação das mulheres no conjunto de carreiras STEM. Correspondentemente, as mulheres apresentam reduzida atuação na força de trabalho STEM. (CUSTODIO; BONINI, 2019, p. 84.)

A implicação advinda deste fato é que a falta de diversidade na ocupação das diversas áreas da ciência se manifesta como um limite ao desenvolvimento desses saberes.

Okawati e Bonini (2019) em estudo a partir da base de dados do censo de educação superior do INEP entre os anos de 2009 e 2017, apontam que uma característica marcante dos cursos STEM em nosso país é a reduzida participação de estudantes do sexo feminino. De acordo com o Gráfico 5, durante o período pesquisado, essa participação girou em torno de 30%. Segundo os referidos autores, a baixa ocupação feminina nos cursos STEM ocorre em diversos países, excetuando-se a China, onde essa tendência foi invertida.

Gráfico 5 - Representatividade feminina nos cursos STEM no Brasil

Fonte: Okawati e Bonini, 2019.

Outro dado que afirma a mesma tendência sobre a presença de mulheres nos cursos STEM diz respeito ao percentual de mulheres matriculadas nas cinco instituições brasileiras com maior número de alunos na área de Computação. É possível observar, como demonstra o Gráfico 6 a seguir, que a presença feminina no ano de 2016 variou entre 12% e 22% do total de alunos ingressantes.

Gráfico 6 - Ingressantes nas cinco instituições com mais alunos na área de computação por sexo

Fonte: Gênero e Número10

No que se refere ao percentual de conclusão feminina nos cursos STEM no Brasil, Bonini, Okawati, Custódio e Silva (2019, p. 03.), em estudo realizado a partir do Censo do

10 NICOLIELO, Bruna. Mulheres reprogramam o gênero dos cursos superiores de tecnologia no Brasil.

Gênero e Número. 15 nov. 2017. Disponível em: http://www.generonumero.media/mulheres-reprogramam-o- genero-dos-cursos-superiores-de-tecnologia-no-brasil/. Acesso em: 19 mar. 2020.

Ensino Superior do INEP, apontam que, apesar do crescimento de 65,3% do número total de concluintes em cursos STEM entre 2009 e 2017 (passando de 129.863 para 214.820 estudantes concluintes), esse aumento não se replicou entre o número de concluintes do gênero feminino. Obedecendo a uma tendência global, no Brasil, a proporção de mulheres entre os concluintes nos cursos STEM girou em torno de 30% no mesmo período, como apontado no Gráfico 7, apesar das mulheres representarem maioria na população universitária geral.

Gráfico 7 – Percentual de mulheres concluintes em cursos STEM no Brasil

Fonte: Bonini; Okawati; Custódio; Silva, 2019.

Para fins de análise da força de trabalho feminina atuante em postos caracterizados como ocupações STEM no Brasil, Bonini, Okawati, Custódio e Silva (2019) realizaram ordenamento de empregos STEM a partir da Classificação Brasileira de Ocupações - CBO de acordo com critérios internacionalmente estabelecidos. A partir desta classificação, os autores verificaram que, entre os empregados que constituem a força de trabalho STEM em nosso país, a participação feminina nestes postos variou de 20,4% a 24,6% entre as regiões brasileiras no ano de 2015, como demonstrado no Gráfico 8.

Gráfico 8 - Representatividade Feminina na Força de Trabalho STEM no Brasil em 2015

Fonte: Bonini; Okawati; Custódio; Silva, 2019.

A realidade posta a partir deste cenário, tanto em termos de formação, quanto em termos de ocupação de postos de trabalho, demonstra que, em nosso país, as mulheres tem atuado com menor intensidade nos campos STEM. Em contrapartida, de acordo com U.S. Bureau of Labor Statistics, as áreas tecnológicas terão maior crescimento em número de empregos até 2030 (MICROSOFT, 2018). Nesse sentido, a sub-representação feminina nessas áreas finda por comprometer o potencial da força laboral STEM, uma vez que o talento de uma parcela significativa da sociedade permanece excluída de áreas onde a criação e aprimoramento de novas tecnologias apresentam-se como meio de desenvolvimento e prosperidade econômica. Para além, no atual contexto em que o uso dessas tecnologias perpassa as relações sociais e laborais, se faz mister que as mulheres estejam capacitadas para garantir uma inserção social mais igualitária entre os gêneros.

A partir deste panorama, pode-se concluir que, mesmo com acesso incondicional aos diversos cursos de nível superior, as mulheres se afastam de alguns campos de conhecimento, e portanto, de áreas específicas de atuação profissional. Suas preferências ainda recaem sobre ramos voltados ao cuidado, à saúde e às ciências humanas. A ascensão educacional das mulheres não confirma, por si só, uma mudança significativa na expansão das possibilidades de carreira. Surge, a partir disto, a necessidade de buscar compreender quais barreiras, diretas e indiretas, influenciam na não inserção de mulheres em carreiras consideradas masculinas, a exemplo das áreas STEM.

2.4 SUB-REPRESENTAÇÃO FEMININA EM STEM: ALGUNS FATORES