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A partir da análise dos dados coletados na pesquisa, foi possível extrair dois temas fundamentais ao estímulo da inserção de jovens mulheres nos campos STEM para o grupo pesquisado: o empoderamento e a representatividade. Dentro do conjunto de possibilidades de enfretamento as inúmeras questões que contribuem para a baixa ocupação feminina em STEM, ficou evidente a relevância dessas categorias para transposição dos entraves impostos. Considerando primeiramente o tema empoderamento, é relevante frisar que seu conceito é permeado por questões teóricas e conflitos políticos, sobressaindo-se, entretanto,

seu caráter coletivo, atrelado a transformações pessoais associadas a mudanças mais extensas e estruturais. De acordo com a perspectiva de Paulo Freire (2011 apud MARINHO; GONÇALVES, 2016), mesmo que as pessoas consigam desenvolver níveis de autonomia e independência, transformações mais amplas são necessárias para se falar em empoderamento, pois este compreende processos políticos, contextualizados e que visam mudanças sociais.

O conceito de empoderamento, quando associado à busca por mudanças na vida das mulheres implica em revisitar e desafiar estruturas e mecanismos de poder, buscando promover autonomia e superação da condição de desigualdade em que as mulheres ainda se encontram. Enquanto categoria relacionada ao debate de gênero, o conceito de empoderamento foi introduzido pelo movimento feminista nos anos 1970, no contexto da segunda onda do feminismo (SILVA; MOURÃO; GOELLNER; GOMES, 2020). O cenário de luta contra a opressão feminina e a favor da presença ativa da mulher no trabalho e na família propiciou o surgimento do debate da política interpessoal, pautada na máxima de que o pessoal é político. Essa afirmação desvelou a ideia de que as vivências pessoais femininas estavam inseridas em uma rede de relações de poder mais amplas e caracterizadas pela desigualdade, de modo que as experiências das mulheres eram produto disso, e não situações pontuais. Essa concepção permitiu o reconhecimento do caráter comum das demandas das mulheres, bem como a compreensão que essas demandas faziam parte de um contexto macro. Dentro da conjuntura de debate sobre essas formas de interação, tornou-se possível pensar a questão do empoderamento nas relações de poder estabelecidas entre homens e mulheres.

Para elaboração de um conceito mais preciso de empoderamento, autoras de estudos e pesquisas feministas se preocuparam em definir uma noção de poder, já que o uso do termo empoderamento está associado às relações de poder e toma o poder como elemento das relações sociais. Batliwala (1997 apud MARINHO; GONÇALVES, 2016, p. 82.)

(...) preocupada em estabelecer relação entre o conceito de poder e o de empoderamento, aborda e define o poder como controle sobre recursos materiais - terra, água, corpo, trabalho, dinheiro -,intelectuais - conhecimento, informação - e sobre a ideologia - criação, propagação e institucionalização de conjuntos específicos de crenças, valores, atitudes e comportamentos -.

Partindo deste conceito de poder e estabelecendo um paralelo com a contextualização apontada neste estudo, a presença ainda predominantemente masculina em campos como a política, a economia e as ciências, demonstram uma considerável e persistente disparidade de controle sobre as fontes de poder entre os gêneros na atualidade.

Na perspectiva dos estudos de gênero, o empoderamento é compreendido, portanto, como a busca pela obtenção de maior controle sobre as fontes de poder que permeiam as relações sociais, de modo que as mulheres possam figurar como protagonistas nos diversos campos da vida social e dar voz as demandas de seus pares. Nesse sentindo, o empoderamento feminino pode ser entendido como forma de buscar a superação da desigualdade de gênero.

Nessa direção, a inserção de mulheres nos campos STEM figura como forma de obtenção de espaço em áreas onde a desigualdade de gênero é consideravelmente enraizada. O controle ainda masculino sobre esses campos, permanece marginalizando mulheres no que se refere a tomadas de decisão e contribuição para a criação de novas tecnologias, consideradas indispensáveis ao desenvolvimento de uma sociedade sustentável. O acesso e usufruto desses saberes se configura como forma de obtenção de poder e autonomia para as mulheres.

Nessa medida, compreende-se que o jogo proposto, sob o objetivo de estimular a inserção de jovens mulheres nos campos STEM, deve retratar em seu corpo, conteúdos que possam contribuir para promoção do empoderamento. Compreende-se, portanto, que o estímulo à aproximação e reflexão crítica sobre os papéis de gênero, bem como sobre as raízes históricas e culturais das desigualdades vivenciadas por mulheres e homens, são aspectos considerados empoderadores e, deste modo, relevantes à desconstrução de estereótipos e preconceitos ainda reproduzidos em nossos dias. Promover empoderamento perpassa, portanto, evidenciar como as desigualdades de gênero se manifestam, além demonstrar que suas raízes não são naturais, mas sim construções históricas e sociais.

Em paralelo ao tema empoderamento, foi evidenciado, no estudo realizado junto as jovens mulheres estudantes do ensino médio, a significativa relevância da promoção da representatividade no processo de tomada de decisão de carreira no contexto das áreas STEM. A representatividade, por definição, está atrelada a qualidade de representativo, e por essa razão, vincula-se a seu conceito o caráter político da representação, configurada pela expressão dos interesses de um grupo de indivíduos, classe ou nação, personificada na figura do representante. Nesse sentido, aquele que fala pelo grupo o faz em nome das demandas e anseios dos representados.

Dentre os modelos de representação política apresentados por Bobbio (1998, p. 1102.) em seu texto Dicionário de Política, está o que o autor denomina de representação como espelho ou representatividade sociológica. Este modelo de representação é centrado mais sobre o efeito de conjunto do que sobre o papel de cada representante em si, ao conceber

o organismo representativo como microcosmos que produz fielmente as características do corpo político amplo.

O modelo de representação como representatividade se fundamenta pela proposta de garantir a participação política dos diversos grupos sociais. No âmbito da política institucional contemporânea, recursos como reservas de vagas de cargos públicos para grupos historicamente marginalizados nesse contexto tem sido aplicados nessa linha de entendimento, com o objetivo de garantir a participação política de grupos tradicionalmente excluídos do poder (ARCHANJO, 2011).

O conceito de representatividade presente na maior parte das produções acadêmicas encontradas pela pesquisadora restringem sua conceituação aos aspectos relacionados a representação em seu caráter político, limitado a organização das instituições representativas públicas e teorias políticas relativas a democracia. As produções sobre o conceito de representatividade em sentido amplo são muito escassas, restringindo-se a publicações em sites que abordam o tema em recorte contemporâneo.

O modelo de representação como representatividade, apresentado por Bobbio (1998), aproxima-se da compreensão do tema no contexto dessa pesquisa, porém não o abarca completamente. O termo representatividade, como apresentado no estudo junto as adolescentes pesquisadas, se refere ao que foi colocado como presença de figuras modelo (neste caso, presença de modelos femininos) nos diversos âmbitos da vida social, e neste caso específico, os campos STEM.

Nesse sentido, a representatividade extrapola a qualidade de organização de grupos que buscam ter seus interesses representados e garantidos, passando a condição de mecanismo de formação dos indivíduos que compõem esses grupos.

Nessa medida, apesar da origem ligada a perspectiva de representação política, o conceito de representatividade tem sido adotado pela sociedade civil no contexto de movimentos identitários, em especial, grupos compostos por minorias (mulheres, negro(as), LGBTQ+, etc.) (ANDRADE, 2020). Nessa direção, a concepção de representatividade tem ganhado novos contornos na atualidade, alcançando outros significados.

Como evidenciado nos dados gerados por esse estudo, para os sujeitos desta pesquisa, a representatividade se relaciona com o ato de se sentir representado por figuras com quem estabeleçam significativo grau de identificação (sejam por características físicas, de comportamento, socioculturais, ou neste caso, de gênero) em espaços de maior visibilidade, prestígio e poder. A ocupação desses espaços por figuras representativas identitárias alimenta o sentimento de pertencimento e fortalece a crença nas capacidades do

grupo representado, funcionando como parâmetro para suas próprias realizações. A ideia de representatividade apresentada neste estudo se constitui, portanto, como fator de construção de subjetividades e identidades.

Nessa medida, o valor da representatividade feminina se evidencia, por exemplo, quando uma mulher alcança patamares de sucesso, seja na política, na economia ou nas ciências, e a partir disto, difunde a ideia de que outras mulheres também podem alcançar tais conquistas, ao vincular a identidade feminina a realizações de sucesso em diferentes âmbitos (ANDRADE, 2020). Acessar figuras representativas femininas de sucesso exprime, ainda, um valor subjetivo na construção de uma nova identidade de gênero a partir da superação dos preconceitos e estereótipos que limitam as mulheres de forma contundente em suas realizações até os dias de hoje.

A importância da promoção da representatividade nos campos STEM foi notadamente destacada entre o grupo pesquisado, em especial, pelo reconhecido déficit relativo ao conhecimento de figuras femininas atuantes em STEM entre jovens mulheres estudantes do ensino médio. Considerando, portanto, a relevância de acessar e conhecer mais modelos femininos de sucesso nas áreas STEM para o estímulo a inserção de jovens mulheres nesse ramo, o jogo, proposto neste estudo, na forma de protótipo, buscará dedicar especial atenção a promoção de notoriedade a mulheres em STEM e seus diversos feitos nos campos da ciência, tecnologia, engenharias e matemática, compreendendo que essas figuras não são inexistentes, mas historicamente invisibilizadas. Um dos objetivos do jogo será, portanto, colocar em evidência mulheres que alcançaram sucesso em um campo predominantemente ocupado por homens e, dessa forma, apresentar as jogadoras uma faceta feminina que vai de encontro aos estereótipos de gênero historicamente construídos, promovendo assim, a criação de novas identidades femininas, mais diversas e poderosas. A finalidade será também demonstrar que os espaços de poder podem e devem ser ocupados pelas mulheres, e assim, buscar uma equalização do poder proporcionado, nesse caso, pelo conhecimento e domínio de novas tecnologias.

A promoção da representatividade através da apresentação de mulheres em STEM no contexto do jogo visará ainda propiciar identificação, a partir de modelos femininos que possam figurar como inspiração a jovens mulheres em fase de escolha de carreira. A intenção fundamental será, além de descontruir estereótipos e promover novas visões sobre as capacidades que mulheres podem desempenhar nesses campos, demonstrar como seus feitos foram e são relevantes para nossa sociedade até os dias de hoje, e que as contribuições femininas são indispensáveis ao desenvolvimento do humano genérico.