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O aparecimento do uso dos banhos de mar, que se encontra documentado para o ano de 1760179, é-nos indicado como prática já corrente pelos anos de 1776, como se pode concluir por uma Acta de Vereação que indica que a Vila era "frequentada de muita jente que a ella vinha comprar peixe e também aos vanhos do mar"180. Para os finais de Setecentos (1784), Robert Smith181 deu a conhecer a presença de monges beneditinos

178 Ap. Doe., A.D.P., doc. n.° 708. O negociante José Rodrigues da Costa Silveira, à semelhança de seu pai,

ocupou o cargo de Juiz na Confraria de N.a S * do Rosário (1824) e na do Santíssimo (1828) - Ap. Doo,

A.D.P., doo n.° 686; FARIA, Bernardino - Art. cit., in "A Povoa de Varzim", n.° 22, 2o ano, 1913, p. 6 e n.° 1,

3 ° ano, 1913, p. 7. Sobre a família Rodrigues da Silveira vd. o citado trabalho de Manuel AMORIM - Uma

família antiga..., in "O Notícias da Póvoa de Varzim", ano I, n.05 34-36, 38 e 41, de 15, 22 e 29 de Junho, 13

de Julho e 3 de Agosto de 1983.

179 AMORIM, Manuel - Introdução à História Local. Comunicação apresentada na Acção de Formação

"Património Natural e Cultural do Concelho da Póvoa de Varzim", Póvoa de Varzim, Câmara Municipal, 12 de Abril de 1997.

180 Informação de Fernando Barbosa contida no trabalho de Ernesto V. de OLIVEIRA e Fernando GALHANO - Casas de pescadores da Póvoa de Varzim, Porto, Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, 1957,

p. 37, nota 20; cf. BARBOSA, Jorge - Toponímia da Póvoa de Varzim, in Bol. Cult. "Póvoa de Varzim", vol. VII, n.°2, 1968, p. 271.

de Tibães na praia da Póvoa, onde, por motivos de saúde, vinham tomar os banhos. Este uso não era exclusivo dos religiosos da casa de Tibães, pois também as freiras do Convento de S. Bento de Avé Maria do Porto tomavam "vanhos" nesta Vila182. A Póvoa

acompanhava, e parece que assumiu com um certo pioneirismo, uma moda que, cerca de 1795, era igualmente visível na praia da Foz do Douro, com a presença de "diversas famílias que ali vão para banhos"183.

Mas foi a partir dos inícios de Oitocentos que na praia poveira, e noutras localidades, o gosto pelos banhos de mar teve um grande impulso, actividade que proporcionou a esta povoação, a partir da segunda metade do século, a feição de estância balnear de renome. Já pela segunda década era frequentada por gente (letrada)

do Porto184. Em 1823 um médico de Guimarães, de nome Manuel da Silva Monteiro

Portugal, refere que se deslocou à Póvoa "por ocazião dos banhos" para visitar o Fidalgo Gaspar Leite de Azevedo, seu doente, oferecendo-se na ocasião para vir trabalhar como médico em "tão populoza Villa"185.

Verificamos que entrado o século XIX, a procura dos banhos da Póvoa aumentou rapidamente, como se depreende da necessidade de criação de actividades de lazer disponíveis nessa época do ano. Uma informação curiosa, pela sua precocidade, indica- nos que em 1806 no novo edifício, ainda por inaugurar, da Casa da Câmara e Aposentadoria "se fizera hum theatro sem licença alguma [§] que nelle se fazem

reprezentaçoens igualmente sem licença"186. O facto do teatro ter sido montado sem

Varzim", vol. IV, n.°2, 1965, pp. 239-244.

182 Ap. Doe., A.D.P., doc. n.° 230, de 6 de Outubro de 1801: "Procuraçam bastante que fas D. Anna Coleta, recolhida em S. Bento do Porto, e a vanhos nesta Villa, ao Reverendo Cónego Manoel Joze de Freitas de Lamego".

183 Citado por BASTO, A. de Magalhães - Sumário de Antiguidades, Porto, 1963, in PACHECO, Hélder - Porto,

2a ed., Lisboa, Presença, 1984 (Col. "Novos Guias de Portugal"), p. 26.

184 Ap. Doc, A.D.P., doe. n.° 601, de 1819: o Doutor António Inácio Pereira de Sampaio, da cidade do Porto,

"que se achava a banhos nesta Vila", serviu de testemunha numa escritura de compra de terrenos.

185 A.M.P.V., Actas de Vereações, mç. 18, Iv. de 1818-1826, fis. 94-95.

186 Ap. Doc, A.M.P.V., B, doe. n.° 7: "Registo de huma ordem vinda do Governador das Justiças do Porto",

qualquer autorização levou à intervenção do Governador das Justiças do Porto, para que com o seu consentimento se pudesse dar continuidade às representações. Pelas informações que se lhe enviaram e "atendendo a não se ter prejudicado a obra" do novo edifício, a resposta veio de imediato autorizando o Juis de Fora a deixar "continuar as representaçoens durante o tempo dos banhos deste anno", mas devendo o mesmo assistir às "reprezentaçoins para que tudo se faça com ordem e decoro"187. Terminado esse tempo o teatro seria desmontado, ficando o edifício no seu antigo estado. Constatamos assim que as representações teatrais se constituíram desde muito cedo como uma das mais frequentes distrações que animavam a Vila na temporada dos banhos.

O testemunho de Almeida Garrett, de 1843, indicia-nos precisamente essa antiguidade da presença de teatros na Vila ao escrever que há "muitos anos, discorrendo um verão pela deliciosa beira-mar da província do Minho, fui dar com um teatro ambulante de actores castelhanos fazendo suas récitas numa tenda de lona no areal da Póvoa de Varzim - além de Vila do Conde. Era tempo de banhos, havia feira e concorrência grande; fomos à noite ao teatro: davam a Comédia Famosa não sei de quem, mas o assunto era este mesmo de Frei Luiz de Sousa"106. Na imagem que o

escritor reteve da Póvoa ficou a memória de grande animação, marcada pela realização de feira e pela presença de numerosa população banhista.

Pelos meados da primeira metade do século XIX a concorrência de gente que vinha a banhos era já bastante significativa. Os valores que nos permitem tal afirmação retiram- se de uma acta camarária que indica para a Vila uma população de cerca de 6000 habitantes que duplicava nos meses de Agosto, Setembro, Outubro e Novembro189 "com

187 Ap. Doc., A.M.P.V., B, doe. n.° 8: "Registo da ordem vinda do Governador das Justiças", com data de 19

de Setembro de 1806.

188 GARRETT, Almeida - Memória ao Conservatório Real de Lisboa (6 de Maio de 1843), in "Doutrinas de

Estética Literária" , 2a ed., Lisboa, 1961 (Col. "Textos Literários - Autores da Língua Portuguesa"), p. 33. 189 Devemos confessar que se inicialmente estranhámos a referência aos meses de Outubro e Novembro

as pessoas que a ela concorrem a tomar banhos das províncias do Minho, e Traz os Montes"190.

A vinda dos "banhistas" para a Vila implicava ainda o abastecimento das lojas ou vendas com maior fartura de géneros, de modo a poderem satisfazer uma população acrescida. Em 1814, numa escritura de dívida, especifica-se que o dinheiro pedido é, entre outras coisas, "para surtimento da loja de mercearia que tinha desprovida do neseçario e percizo para o tempo de banhos"191. Embora não haja referência à rua onde

se localizava essa loja, pensamos que ficava na Rua da Senra192.

Onde se instalavam os banhistas? Como seria de esperar, procuravam casas perto da Praia da Regouça, local onde tomavam os banhos. Nessa zona apenas três artérias os poderiam satisfazer: as ruas da Ariosa, Nova da Junqueira e da Senra. Aí conviviam, lado a lado, as modas de veraneio trazidas por novas gentes vindas de fora e os caracteres específicos da comunidade piscatória. Até que, e com a democratização da necessidade social de "ir a banhos", considerada moderna e civilizada™2, os pescadores

foram arrumados "à parte" e quase em exclusivo nos bairros sul e norte. Apenas no espaço urbano o convívio das duas realidades sócio-culturais se fazia já que o areal e o localidades. Pelos inícios da Regeneração, a Cascais "chegava o tempo glorioso de ser vHe de Corte durante os meses de Outubro e Novembro quando, vinda de Sintra, a família real aí se instalava para a estação de banhos" - SILVA, Raquel Henriques da - Cascais, Lisboa, Ed. Presença, 1988 (Col. "Cidades e Vilas de Portugal"), p. 56.

190 Acta de 10 de Setembro de 1824, cit. por BARBOSA, Fernando - Chafariz e Cruzeiro de S. Sebastião, in

"Ala-Arriba", de 14 de Maio de 1955; Ap. Doc, A.M.P.V., A, doe. n.° 47.

191 Ap. Doe., AD.P., doe. n.° 469: "Dinheiro a juro que dá Joze Antonio Alves Anjo desta Villa a Maria Jozefa da Conceição e seu marido Joze Antonio Alves desta mesma em 27 de Julho de 1814".

192 A partir de 1810 José António Alves aparece como proprietário da casa n.° 1 do lado esquerdo (sul-norte)

da Rua da Senra. De 1815 a 1830, para além da contribuição que paga pela casa, paga também sobre uma loja ou tenda, que deve ser a referida na escritura da nota anterior - cf. A.M.P.V., Livros de Arruamentos, 1810 a 1830.

193 Raquel Henriques da Silva explica tratar-se de "uma vocação muito oitocentista, civilizada segundo

valores recentes que tinham os seus avatares míticos na sociedade francesa do II Império - o veraneio tornava-se então uma necessidade social que se democratizava e o seu privilegiado palco rodava do campo para a beira-mar onde a racionalidade preventiva da nova medicina descobria milagrosos expedientes, alicerçados numa valorização laica do corpo e nas suas inexploradas virtualidades estéticas" - Ob. cit., pp.

mar onde tinham lugar era distinto194: as areias da Praia da Regouça recebiam os banhistas, enquanto a Praia da Ribeira pertencia aos pescadores e seus barcos, e nunca esteve acessível a novas práticas. Somos levados a reparar que a zona da Areosa - entre a Vila e o mar - era também logradouro da classe piscatória e aí sentia-se ainda pela primeira metade do século XIX a presença dos homens do mar e das suas lides. Consideramos no entanto esta zona, pela fixação do casario, dentro do espaço urbanizado.

Parece ter sido a Rua Nova da Junqueira a primeira a ficar ligada a essa ocupação da época de Verão, pois é lá que fomos encontrar a notícia mais antiga referente ao aluguer das habitações aos veraneantes. Em 1799, o proprietário António Fernandes da Rocha pagou 720 réis de contribuição sobre a casa sobradada "que costuma arrendar as gentes dos banhos"195, localizada ao fundo da rua, do lado esquerdo (orientação nascente-poente), já bem perto da zona da Areosa. O arrendamento manteve-se nos anos seguintes, tendo-se-lhe juntado uma outra casa em 1805-1806. Mas é o ano de 1808 que nos surpreende, ao serem alugadas nada mais nada menos que 23 casas nesta Rua da Junqueira, pagando os seus donos uma contribuição entre 100 e 2$400 réis "pelo lucro das cazas no tempo de banhos"196, lucro esse que dependia da qualidade da casa e do período de tempo em que esteva alugada.

56-57.

194 Situação que se afastava da realidade vivida na vila de Cascais, onde a Praia da Ribeira era o palco das

actividades piscatórias e de veraneio, albergando os barcos, as redes e as tendas - cf. Idem - Ibidem, p. 57.

1" A.M.P.V., Livros de Arruamentos, mç. 50, Iv. de 1799, fl. 34v.

195 Os proprietários eram José de Oliveira, Domingos Ribeiro, Joaquim António do Monte, José António do

Monte, Joaquim de Sousa Guerra, António Ribeiro Pontes, José Regufe, Rosa viúva de João Gonçalves Regufe, José Martins Moreira, Joáo da Costa Marques, João Ferreira Moreira, a viúva de Manuel António Craveiro, João Francisco Marques, António Fernandes da Rocha, Caetano José Pinto, Tomás António Pinheiro, Manuel Gomes Morim, Francisco da Costa Marques, José Francisco da Silva, a viúva de Bernardo Ribeiro, Manuel Lopes Ferreira e José Caetano Borges - A.M.P.V., Livros de Maneios, mç. 31, Iv. de 1808, fis. 22-24v. Jorge BARBOSA refere na sua Toponímia da Póvoa de Varzim a existência deste lucro obtido com as casas no tempo dos banhos e as respectivas ruas ocupadas no ano de 1808 - cf. Bol. Cult. "Póvoa de Varzim", vol. VII, n.°2, 1968, nota da p. 225.

No mesmo ano em que houve esta grande procura de moradas de casas na Rua Nova da Junqueira também a Rua da Ariosa e a Rua da Senra foram ocupadas por banhistas. Assim, na primeira rua 15 casas estiveram alugadas197, proporcionando aos seus donos elevados rendimentos, o que não é de estranhar já que a situação desta artéria fronteira à praia em muito contribuiu para a sua valorização. A Rua da Senra, ainda com uma forte marca rural, dada pela existência de campos e hortas e sendo um local onde habitavam vários lavradores, aparece apenas com duas casas arrendadas198, localizadas no seu topo poente, uma de cada lado, portanto bastante próximas da Areosa.

Já em 1809, o arrendamento de casas na época dos banhos sofreu uma descida considerável, sendo apenas seis as casas alugadas na Rua da Junqueira, onze na Rua da Areosa e só uma na Rua da Senra. No ano seguinte deu-se um aumento para onze e treze, respectivamente nas duas primeiras ruas e continuando a Rua da Senra com uma única habitação arrendada199. Para esta situação devem certamente ter contribuído as dificuldades provocadas pela 2.a Invasão Francesa. A partir do ano de 1810 deixamos de poder acompanhar esta evolução, já que os Livros de Maneios, fonte utilizada, não nos fornecem mais as indicações da contribuição paga sobre o lucro obtido pelo arrendamento dos edifícios.

Quanto ao valor que os banhistas pagavam pelas casas, a única informação de que dispomos é relativa à temporada que aqui passou em 1785, Fr. Luis de S.taTeresa, da

197 Os proprietários da Rua da Areosa eram José Rodrigues do Mateus, José Francisco Frasco, António José

Pintíeiros, José António Palfudo, António Francisco Michías, Manuel Gomes Crus, António Rodrigues do Mateus, Maria Francisca Correia, a viúva de António Monteiro, João António Pinheiro, José Pereira Marques, António José Cancujo, Manuel Pereira Marques, Domingos Francisco Cocello e António Fernandes Cazeiro e sua mãe. Reparámos que nesta rua a contribuição sobre o lucro das casas variava entre 1$600 e 300 réis, sendo de uma maneira geral mais elevada do que nas outras duas ruas - A.M.P.V., Livros de Maneios, mç. 31, Iv. de 1808, fis. 25-26.

198 Na Rua da Senra as casas pertenciam à viúva Antónia Correia e a José António Alves, os quais pagavam

sobre o lucro que obtinham, respectivamente 300 e 1S200 réis - A.M.P.V., Livros de Maneios, mç. 31, Iv. de 1808, fis. 26v-27v.

comunidade de Tibães. O monge beneditino pagou pelo aluguer da casa onde esteve instalado durante trinta e dois dias uma renda diária de duzentos reis, fazendo o total de seis mil e quatrocentos réis200.

A influência da moda dos banhos no urbanismo e na arquitectura do litoral norte e centro da Vila foi extremamente marcante, recebendo as ruas dessas duas zonas numerosos exemplares arquitectónicos cujos modelos e tipologias os aproximavam das construções de veraneio patentes em variadas estações balneares marítimas. Fenómeno cuja génese se encontra nos finais do século XVIII, remete as realizações arquitectónicas e urbanísticas que o definem para um tempo posterior ao limite cronológico do presente trabalho, quando de facto, e numa semelhança de vivências que aproximava a Póvoa, de Cascais, Espinho, Granja, Foz do Douro ou Vila Praia de Âncora, "o mar deixou de ser mero espectáculo à distância, transformou-se em praia, entendida como espaço de convivencialidade aristocrática e burguesa que as modas medicinais da época particularmente valorizavam"201. Se assim relata Raquel Henriques da Silva o nascimento de Cascais como estância balnear nos anos 70 do século XIX, atente-se na precocidade que o fenómeno assumiu na Póvoa de Varzim.