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3.1 A ESTRUTURA ORGÂNICA MUNICIPAL

A administração municipal da Vila da Póvoa de Varzim nos finais do século XVIII - inícios do XIX era feita sob a presidência de um Juiz de Fora, cargo concedido por D.

Maria I217, sendo o Senado formado por três Vereadores e um Procurador do Concelho.

As principais decisões tomadas nas reuniões - de carácter fiscal, económico, social, obras públicas, defesa, saúde pública, etc. - ficavam registadas nos acórdãos e posturas camarárias. O município tinha os funcionários característicos da época com as suas competências específicas: tesoureiro, escrivão218, alcaide219 e porteiro220. Almotacés221,

rendeiros das sisas e do Cabido222, depositários do cofre dos órfãos e do cofre das sisas

contavam-se ainda entre os cargos públicos existentes.

As transformações implantadas pelo Liberalismo no domínio da administração municipal recuperaram o cargo de Juiz Ordinário ou de Vara Vermelha para a presidência do município, em substituição do Juiz de Fora. Foi no entanto uma alteração de curta duração.

217 Por Provisão de 1782. Na ausência deste, as sessões camarárás eram presididas- pelo vereador mais

velho.

218 O ofício de escrivão da Câmara foi criado nesta Vila nos finais do século XVII; até então recorria-se aos

funcionários de Vila do Conde - cf. AMORIM, Manuel - A Póvoa Antiga..., p. 124. Luís José dos Santos Porto, morador na Rua da Amadinha, exercia o cargo em 1792; em 1830 pertencia essa função a José Ribeiro Contrão, da Rua Nova - A.M.P.V., Livros de Arruamentos, mçs. 49 e 51B.

219 Exercendo funções que se prendem com a execução da justiça, o cargo pertencia em 1792 a Francisco

José de Araújo, morador na Rua de S. Sebastião e em 1828 a João Bernardo Alves - QUADROS 5 e 7.

220 Tinha como função guardar as Casas da Câmara, anunciar à população as decisões municipais, ordens

régias, avisos do Corregedor da Comarca ou as penhoras - cf. AMORIM, Manuel - Ob. cit., p. 124.

221 Este cargo, trimestral, era ocupado pelos vereadores que cessavam funções ou pelos procuradores em

igual situação.

222 Estes funcionários arrendavam em praça pública a cobrança das rendas que revertiam para o Estado e

para a Igreja. O recebimento era executado através de cobradores ou recebedores. Em 1827, ocupavam o cargo de "administradores da renda do Cabido e Casa de Bragança" José de Sousa Guerra e Mateus Carneiro Flores; em 1825 Domingos Gomes Cruz era o rendeiro da Casa de Bragança - A.M.P.V., Livros de Arruamentos, mç. 51B.

Ao longo do período estudado, denota-se um nítido crescimento da classe burguesa que, como salienta Oliveira Ramos, acompanha o aumento do papel do funcionalismo e da importância das profissões liberais223. Apercebemo-nos da existência

de vários letrados entre a população poveira dos finais do Antigo Regime: advogados e médicos. Registemos apenas alguns dois nomes: Dr. José Joaquim Lopes Cruz e Dr. Manuel José da Silva Cruz. Os elementos burgueses - negociantes e letrados - começaram a ter um peso grande na governação da Vila; os nomes citados ocuparam

cargos de Vereador, Almotacé ou Procurador do Concelho224. Afinal, a afirmação da

burguesia não é nenhuma novidade, pois já nos séculos XVI e inícios do século XVII a vida pública estava dominada pelos mareantes a que se juntavam os ricos lavradores . E os abastados proprietários rurais continuam a marcar, ainda nos inícios do século XIX, forte presença na administração municipal, como já obervamos noutro local.

Constatamos a participação nos órgãos políticos do governo municipal de alguns nomes ligados às actividades mecânicas: ferreiro (mestres José Ruibal e Francisco José Baptista), alfaiate (mestre José António Alves Anjo) ou pintor (Francisco José Baptista).

223 Cf. RAMOS, Oliveira - O Porto e as origens do liberalismo: subsidies e observações, Porto, 1980, p. 7. 224 Ao contrário do que registou José Viriato Capela para o município de Braga, onde no período de 1750 a

1810 os cargos de vereador nunca foram ocupados por advogados ou licenciados, num assumir da vereação como "o reduto da nobreza antiga"; aos letrados bracarenses reservavam-se os cargos de Procurador do Concelho e de Almotacés - cf. CAPELA, José Viriato - Braga, um Município Fidalgo - As lutas pelo controle da

câmara entre 1750 e 1810, in "Arqueologia do Estado. Ias Jornadas sobre formas de organização e exercício

dos poderes na Europa do Sul, Séculos XIII-XVIII", Lisboa, História & Crítica, 1988, pp. 178-179.

225 Cf. no Capítulo I, a importância dos pilotos e capitães de mar. Na época quinhentista e seiscentista

participavam na eleição dos elementos da governação da Vila dois grupos sociais, um formado pelos eleitores do mar e o outro pelos da terra. Cada grupo escolhia três elementos responsáveis pela ordenação dos pelouros com os nomes daqueles que governariam por um periodo de três anos - cf. AMORIM, Manuel -

Os nossos antigos mareantes, in "O Notícias da Póvoa de Varzim", ano III, n.° 120, de 24 de Abril de 1985. O

processo eleitoral foi assumindo um carácter aristocrático com o avançar dos séculos XVII e XVIII, pautado pela redução do número de participantes nas eleições e pela restrição do universo dos elegíveis; a realização e controlo do processo eleitoral tornou-se função dos Corregedores e a designação dos titulares dos cargos municipais passou para as competências da Coroa - cf. MANIQUE, António Pedro - Processos eleitorais e

São os membros dos estratos economicamente mais elevados - os mais endinheirados dos negociantes, dos lavradores ou dos profissionais liberais e os oficiais de Milícias e Ordenanças - que controlam os aspectos políticos, administrativos e religiosos da vida local, assim como, pelos seus capitais, emprestavam de forma corrente

dinheiro a juros226. Os governos concelhios do Antigo Regime estavam invariavelmente

nas mãos dos elementos mais distintos e poderosos da terra, de onde se conclui, o seu carácter elitista cristalizado na existência de uma "nobreza municipal"227. Ao poder

económico, juntava-se a vasta influência e autoridade que os cargos municipais lhes proporcionavam, não raras vezes usados em proveito próprio.

Um aspecto que individualiza, de certa forma, a sociedade poveira prende-se com a quase ausência de famílias nobres. Apenas um edifício brasonado se destaca no conjunto do casario do núcleo antigo, a Casa dos Carneiros, pertencente ao fidalgo Manuel Carneiro da Grã Magriço228.