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2 O QUADRO DEMOGRÁFICO: O AUMENTO POPULACIONAL

Se os limites do território que acabamos de descrever não se modificaram no espaço de tempo de mais de um século, de 1707 a 1836, a população que o ocupava, essa, foi-se alterando e crescendo de forma mais ou menos contínua.

É nossa opinião que qualquer estudo que se debruce sobre os aspectos da história urbana de uma cidade ou vila em muito poderá complementar-se com uma apreciação do ritmo de evolução da sua população, o que permitirá estabelecer uma correlação entre o aumento populacional e a expansão urbanística, como procuraremos demonstrar.

As fontes de que dispomos para a demografia histórica tanto podem ser levantamentos de âmbito nacional, como regional (quando referentes só à província do Minho) ou cômputos de abrangência exclusivamente local. Em ambas as situações a

unidade espacial considerada é a freguesia de N.a S.a da Conceição, entenda-se a área

sob a jurisdição espiritual do pároco, e não o termo, nem a Vila no sentido de núcleo urbano. Do primeiro grupo, recolhemos nas corografias e nos recenseamentos, os dados numéricos respeitantes à povoação em estudo, ao mesmo tempo que traçamos algumas explicações genéricas sobre o alcance e limitações dessas mesmas fontes.

Referentes ao segundo grupo, utilizamos unicamente os dados de leitura imediata, como por exemplo, os fornecidos pelas Actas de Vereação e indicamos outras fontes que poderiam ser usadas (mas cujo levantamento e tratamento dos dados está ainda por fazer, não cabendo então no âmbito deste trabalho). Também para estas fontes referimos as possibilidades e informações que podem fornecer, assim como as limitações a considerar.

Abordar a questão demográfica é uma tarefa difícil para um período onde é grande a escassez de dados numéricos sobre a população portuguesa e a que se acrescenta a desconfiança que algumas fontes merecem. Apenas nos meados do século XIX, em

1864, foi realizado o primeiro recenseamento elaborado em moldes modernos, isto é,

incluindo dados demográficos, económicos e sociais20, o qual indica para a Póvoa uma

população de 10 012 habitantes21.

Os numeramentos existentes, até então, não abrangiam de uma forma sistemática todos os habitantes de determinada província, dado que não eram executados para fins demográficos, mas respondiam a objectivos de carácter fiscal, militar, eclesiástico ou mesmo corográfico, de que resultaram listagens de feição incompleta e qualidade duvidosa. Para além da imprecisão cronológica e da descontinuidade territorial desses levantamentos, acrescente-se, ainda, que o inquérito individual era frequentemente substituído pela informação em segunda mão. Importa, porém, esclarecer que esses "numeramentos" não tinham um carácter rigoroso nem valor estatístico, pois permitiam apenas "estimar, ainda que grosseiramente, os tributos a recolher e os efectivos a recrutar"22. Assim se justifica que, quanto à forma de apresentação dos quantitativos

20 Contabtlizou-se a população total, de todas as idades - cf. NAZARETH, José Manuel - Princípios e métodos de análise da demografia portuguesa, Lisboa, Ed. Presença, 1988, p. 178.

21 X Recenseamento Geral da População, no Continente e Ilhas Adjacentes. Tomo I, vol. 1°, Prédios e Fogos; População - Dados Rectrospectivos, Lisboa, Instituto Nacional de Estatística, 1964, p. 70.

22 SOUSA, Fernando de - História da Estatística em Portugal, Lisboa, Instituto Nacional de Estatística, 1995,

populacionais, surjam quer o total de almas (indivíduos maiores de 7 anos ou maiores de confissão), quer, de forma mais frequente, o total de agregados domésticos (fogos, vizinhos ou moradores), numa opção que reflecte um pleno assumir, tanto por parte do Estado, como por parte da Igreja, do entendimento do fogo como "a célula significativa, se não única da sociedade portuguesa"23. Verificamos que a situação mais frequente consiste nos dois valores - fogos e almas - aparecerem lado a lado.

A partir dos anos oitenta do século XVIII, foram realizados em diversas comarcas e regiões alguns levantamentos demográficos, económicos ou militares, levados a cabo por acção da Intendência da Polícia, da Academia Real das Ciências e do Corpo Real de Engenheiros24. Fornecem-nos uma diversidade de dados que podem abranger o número de fogos, o número de almas, os residentes por sexos (e o seu estado religioso), os clérigos e frades, as pessoas da casa e criados, o movimento de nascimentos, casamentos e óbitos, a classificação socioprofissional da população activa ou informações sobre o gado existente em cada fogo. Algumas dessas fontes, pela riqueza do seu conteúdo, permitiram chegar a resultados valiosos em termos de reconstituição socioeconómica, isto é, no campo das estruturas familiares e

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profissionais, de algumas povoações nos finais do século XVIII .

23 SOUSA, Fernando de - A população portuguesa em finais do século XVHI, m "Popt^ação e Sociedade -

Revista", n.° 1, Porto, CEPFAM (Centro de Estudos da População e Família), 1995, p. 41.

24 Vd. a listagem indicada por SOUSA, Fernando de - Art. cit., pp. 44-52.

25 Vd., entre outros, os seguintes estudos: MENDES, José Maria Amado - Trás-os-Montes nos fins do século XVIII, segundo um manuscrito de 1796, Coimbra, 1981; NAZARETH, José Manuel; SOUSA, Fernando de -

Salvaterra de Magos nos finais do século XVIII: aspectos sócio-demográficos, in "Análise Social", n.° 66,

Lisboa, 1981; Idem - A demografia portuguesa em finais do Antigo Regime - aspectos sócio-demográficos de

Coruche, in "Cadernos da Revista de História Económica e Social", n.° 4, Lisboa, Livraria Sá da Costa

Editora, 1983; Idem - A demografia portuguesa do Antigo Regime. Samora Correia em 1790, in "Estudos e documentos do ICS", n.° 17, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa, 1987. Nestes três últimos trabalhos as fontes usadas são levantamentos nominais da população feitos por engenheiros militares.

Sobre a província do Minho, chegaram-nos as informações recolhidas entre 1794 e 1795 pelo Tenente de engenharia Custódio José Gomes de Vilas-Boas; foram então contabilizados para a Póvoa de Varzim 1 082 fogos e 4 141 almas26.

Obedecendo a propósitos deliberadamente militares, efectuou-se em 1798, por ordem do Intendente Geral da Polícia Pina Manique, a contagem dos fogos a nível nacional, sendo o valor para a Póvoa de 1 175 fogos27.

Em 1801, por iniciativa de Rodrigo de Sousa Coutinho e José António de Sá, realizou-se o primeiro recenseamento geral português com vista a uma avaliação da população do Reino; embora elaborado com base nas informações paroquiais, estas foram recolhidas segundo critérios normalizados28. A qualidade dos dados obtidos é considerada não total, mas minimamente fiável, pois dependeram essencialmente da exactidão e rigor de cada pároco. As 4 666 almas que formavam a população poveira aparecem distribuídas por 1 151 fogos29.

26 Geografia e economia da Província do Minho nos fins do século XVHI. Plano de descrição e subsídios de Custódio José Gomes de Vilas-Boas. Recolhidos, anotados e publicados por António Cruz, Porto, Centro de

Estudos Humanísticos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1970, s/n.° p. Este levantamento não foi realizado em 1800 como refere António Cruz, pois na última década do século XVIII apenas se efectivou, para o Minho, um só recenseamento, que data de 1794-1795 - cf. SOUSA, Fernando de - A

população portuguesa em finais do século XVIII, pp. 49-51.

27 A população de Portugal em 1798. O censo de Pina Manique. Introdução de Joaquim Veríssimo Serrão,

Paris, Fundação Calouste Gulbenkian / Centro Cultural Português, 1970, p. 68.

28 SOUSA, Fernando de - História da Estatística em Portugal, pp. 120-121. Cada pároco ficou responsável

pelo preenchimento dos mapas dos seus fregueses, divididos por sexos e grupos de idade (incluindo um primeiro grupo de 1 a 7 anos), indicando também o total de nascimentos e mortes e o número de fogos. O critério utilizado para a contagem dos menores de sete anos - grupo que não constava dos róis de confessados que serviam de base aos numeramentos da população - baseava-se na contagem dos nascimentos ocorridos nos seis anos anteriores, subtraindo-se-lhes as mortes ocorridas e de que houvesse registo; recorria-se assim aos livros de baptismo e de óbito. Sobre esta fonte vd. o estudo de Fernando de SOUSA - A população portuguesa nos inícios do século XIX, in "População e Sociedade - Revista", n.° 2, Porto, CEPFAM, 1996, pp. 7-75.

29 Subsídios para a história da Estatística em Portugal. II - Taboas Topográficas e Estatísticas, 1801, Lisboa,

Importa agora saber quais os tipos de fontes de incidência geográfica local que podem fornecer dados demográficos. No caso da Póvoa de Varzim, a investigação no campo da demografia histórica para os séculos XVIII e XIX está ainda em parte por fazer, implicando num primeiro momento a inventariação das fontes, seguida da análise crítica e tratamento das mesmas, a partir da aplicação da metodologia adequada .

É já por demais aceite a grande importância que os livros dos registos paroquiais assumem para os estudos demográficos, ao permitirem conhecer a evolução e a composição social da população por freguesias. O volume e riqueza dos dados que fornecem encontram-se nas "indicações de ordem económica e social, de índole religiosa ou até política" que espelham as preocupações dos párocos na identificação dos fregueses: indicam-se, no caso dos óbitos, a profissão ou cargo, o local da

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