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A comunicação entre a área litoral e o centro antigo adquiriu uma nova dignidade com a urbanização de um espaço especialmente concebido para essa função, ao mesmo tempo que se criavam as bases para uma maior articulação e integração como um todo das duas zonas atrás descritas.

A Praça Nova do Almada (GRÁFICO 21) foi aberta para norte do eixo chamado

Calçada, ocupando campos sem edificações. A urbanização da Praça contou com 17 casas, antes integradas na Rua de S. Sebastião, ou antes na Rua da Calçada. Desde cedo percebemos que a documentação trata de forma indistinta Rua da Calçada e Rua de S. Sebastião, quando remete para o conjunto edificado na banda sul da Praça, como se pode comprovar com a seguinte explicação: a "Rua da Calssada que hé no Campo delia; ainda que noutro decumento de decima se trate pella Rua de Sam Sebastião"

Encontramos referências que nos remetem para o ano de 1791174 a existência de construção na Rua da Calçada que, como já vimos, desde o século XVI se assumiu como um eixo fundamental no conjunto da malha urbana.

O casario constituía um alinhamento linear de orientação nascente-poente que, iniciado pelo já analisado Terreiro de S. Sebastião, continuava pela Rua da Calçada/Praça Nova do Almada e terminava na Praça do Pelourinho. Com expressão enquanto "Praça" desde 1814, recebeu mais um edifício a partir do ano de 1828.

A Praça era mais urbanizada no seu lado sul-nascente, pois na sua parte terminal existiam portões de acesso a campos e cortinhas lavradias175. Pelas traseiras do casario, além dos quintais, com figueiras e canas, e dos lameiros, estendiam-se os vastos campos dos lugares dos Favais e Galé, atravessados pelos "arcos da agoa

173 Ap. Doe., A.D.P., doc. n.05 16, 21 e 292.

174 Ap. Doo, A.D.P., doe. n.° 39. Jorge Barbosa esclarece que a Calçada passou a desígnar-se "rua" desde

o segundo quartel do século XVIII, quando aí se edificaram as primeiras casas - cf. Toponímia..., in Bol. Cult. "Póvoa de Varzim", vol. VIM, n.° 2, 1969, p. 257.

publica" e pelo regato dos Favais e formados pelas leiras dos Cardos e campo do Prado176.

Na fronteira norte da Praça Nova edificaram-se os novos Paços do Concelho que continuaram rodeados por campos lavradios, o chamado "Cortelho das Trempes" e a "Cortinha da Lagoinha" que se estendia até ao sítio da Junqueira177. A praça com as Casas da Câmara constituíu-se como uma nova realidade assente na criação de um novo centro cívico.

A poente, formou-se a Praça do Pelourinho (GRÁFICO 22) que, também como a

anterior, só se destacou da Rua da Ponte, na opinião dos louvados que cobraram a décima, a partir de 1814, muito embora desde 1792 nos apareça citada na documentação178.

Foi formada com 12 habitações do topo nascente da Rua da Ponte. Importante núcleo de convergência de arruamentos, desenvolveu-se bastante até 1832, com a construção de mais 4 novas casas. Os edifícios alternavam com portões pertencentes a construções das Ruas dos Ferreiros e da Ponte e a campos1 .

Desta Praça partia para sul a Rua dos Ferreiros, ficando na esquina as "cazas ternas com seu quintal" pertencentes ao ferreiro Jozé Ruibal, que confrontavam "pello nascente com a Rua dos Ferreiros" e "do norte com a Praça do Pelourinho"180. De traçado paralelo, e recebendo as traseiras das habitações dos Ferreiros, corria "a rua que vai do Pelourinho" ou "da Ponte para Trás dos Quintais", denominada mais tarde Travessa ou Rua do Pelourinho181. Para poente entrava-se na Rua da Ponte e para

nascente abria-se a Praça Nova. A separar esta da Praça do Pelourinho estava a

176 Ap. Doc., A.D.P., does. n.°s 376, 826, 126, 279, 292, 348, 350, 434e 452. 177 Ap. Doo, A.D.P., does. n.05 364, 196 e 286.

178 Se em 1791 ainda se indicava o "sitio do Pelourinho", já no ano seguinte era mencionada como praça -

Ap. Doc, A.D.P., does. n.os 38, 61 e 67.

179 QUADRO 7.

imponente casa182 de José Vicente Ribeiro de Queirós e a ligação fazia-se, pelo norte

183 das casas, através da "travessa que da sahida à mesma Praça para o Pellourinho" .

Mais um elemento que nos permite comprovar a dinâmica urbana que marcou a

zona entre o Pelourinho e S. Roque foi a abertura da Rua das Trempes (GRÁFICO 33).

Contabilizada com 2 casas nos Arruamentos de 1828, em 1832 apresentava já 5 edifícios.

Seguia este caminho a par do regato das Trempes, entre campos e pelas traseiras dos Novos Paços, até à Rua da Amadinha. Em 1788 era já dada como "a quingosta das Trempes que vem do Bohido para a Junqueira" e em 1811 havia pelo menos "hua morada de cazas terrias citas na Rua das Trempes" .

Descritas as diferentes zonas que formavam o núcleo urbano podemos concluir que estamos na presença de três tipos diferentes de organização espacial pautadas por ritmos de crescimento diferenciado. A partir da análise da totalidade dos gráficos verificamos que ao longo do período abordado a Vila, tomada no seu conjunto, prolongou os seus arruamentos e as construções, passando de um volume aproximado de 790 casas para 1068.

A zona alta e antiga ficou marcada por um crescimento moderado, sem sobressaltos, em continuação da tendência que marcou igualmente a segunda metade

do século XVIII185, excepção feita à Rua de S. Sebastião que, por razões já apontadas,

181 Ap. Doc., A.D.P., does. nf f i141, 142, 690, 903 e908.

182 BARBOSA, Viriato - A Póvoa de Varzim (Ensaio da História desta Vúa), 2* ed., Póvoa de Varzim, 1972, p.

97.

183 Um documento curiosíssimo acerca da medição a que oficialmente se procedeu para rasgar a Praça do Almada. Anotado e publicado por Bernardino Faria, in "A Povoa de Varzim", n.° 13, 2.° ano, 1913, p. 2. 184 Ap. Doc, A.D.P., does. n.08 196 e 399.

185 Ao longo da segunda parte do século de Setecentos, as ruas do bairro antigo pouco cresceram,

destacando-se nesse processo a Rua de S. Sebastião, que passou de 39 para 53 edifícios, a da Amadinha que cresceu de 18 para 21, enquanto todas as restantes sofreram um aumento igual ou inferior a duas casas - cf. Araújo, Agostinho - Ob. cit., quadro I.

foi nesse período pautada por altos índices de desenvolvimento. O núcleo original da povoação registava uma intensa ocupação, visível na quantidade significativa de construções; no entanto, os seus 236 edifícios apenas subiram para 248, correspondendo a 30 % e 23 % do total edificado.

Foi na zona litoral (excluindo a Senra e Engeitados) que se deu a expansão urbanística que caracterizou o período e que se saldou num crescimento de 485 para 693 casas, respectivamente 61 % e 65 % do volume construído. É, no entanto, uma contagem que peca por defeito, na medida em que não abrange toda a construção feita no Termo de Barcelos. Destacaram-se neste processo as Ruas dos Ferreiros, Nova da Junqueira e da Fortaleza, que receberam, respectivamente, mais 25, 20 e 35 novas construções.

A área central do aglomerado, à volta do Pelourinho e Praça Nova, que começou a ter expressão pelos inícios de Oitocentos, registava 39 construções em 1832, ou seja 4 % do total, parte das quais foram, como explicamos, anexadas ao núcleo antigo.

Quanto aos arruamentos da Senra, Engeitados e Silveira, tomados em conjunto pelo seu percurso rural, em 1792 tinham 69 casas (só na Rua da Senra), que correspondiam a 9 %, e 88 habitações em 1832, equivalentes a 8 % do total dos edifícios da Vila.

Sintetizando, podemos afirmar que o extraordinário desenvolvimento urbano deu- se junto ao litoral: para sul, em direcção à Igreja da Senhora da Lapa e Poça da Barca; em redor da Fortaleza e na Junqueira; e para norte, paralelamente ao mar, na zona da Areosa. Era, sem dúvida, toda esta franja litoral que condensava o maior número de habitações e que passou então a ter uma definitiva superioridade no conjunto do povoado. Apercebemo-nos que aos próprios habitantes da época não era estranha a percepção da fase de crescimento que, pela década de vinte, estava a marcar a Vila, os quais entendiam que as áreas privilegiadas para "se idificar cazas em aumento da

povoação e Villa", face à "multiplicidade de pessoas que tem crescido", eram de feição

186

litoral: o Fieira e a Poça da Barca .

A segunda metade do século XVIII foi, como documentou Agostinho Araújo, marcada por um intenso crescimento urbano do litoral que, na continuidade de um processo de raízes longínquas, deu início à inversão da "relação de forças entre a parte

187

alta e antiga da povoação e a ribeirinha ou de povoamento mais recente" , como resposta às novas necessidades trazidas por um crescimento demográfico resultante da afirmação da actividade piscatória. Podemos ver que coube à primeira metade de Oitocentos o acentuar desse processo, revelador da vocação piscatória da povoação e dando resposta às necessidades daí resultantes, ao mesmo tempo que se ensaiaram as primeiras experiências da moda dos banhos, actividades voltadas para o mar e que definitivamente transferiram o peso do conjunto habitado e os elementos de decisão política e carácter cívico para a parte baixa do território.

Pelos inícios da década de trinta do século XIX, no núcleo antigo encontravam-se definidas as linhas ordenadoras do casario e preenchida grande parte da área, enquanto na zona litoral ficaram desenhadas, e em parte ocupadas, as linhas de expansão (PLANTAS 1 e2).

Poderemos assim propor um modelo de urbanização para caracterizar os quarenta e cinco anos tratados assente na intensificação da ocupação do solo nas zonas de raiz mais antiga e na criação de novas linhas orientadoras da urbanização, onde ainda não existiam ou eram muito incipientes, como o bairro norte da Areosa e a Praça do Almada.

O surto de crescimento urbano (GRÁFICO 43) esteve directamente relacionado com

uma conjuntura socioeconómica favorável, que fez com que a malha urbana se adensasse e alastrasse para as áreas livres, impulsionada pelo acréscimo populacional dentro da classe piscatória, numa confirmação de que "o aumento demográfico 186 Ap. Doc., A.D.P., doe. rv° 668.

acompanha e provoca o desenvolvimento urbanístico"188. Para além do adensar da malha urbana, com a ocupação progressiva dos espaços livres, ao longo do período deu-se ainda o crescimento em altura das construções.

Desde a última década de Setecentos deparamos com a existência de um vasto e complexo programa de obras públicas, apoiado pelo Corregedor Almada, e que resultou das necessidades surgidas com a dinâmica urbanística que marcou a segunda metade do século XVIII, ao mesmo tempo que serviu de suporte para expansão coeva, concretizado em intervenções profundas ao nível das infra-estruturas e também na melhoria do quadro urbano, através de trabalhos de calcetamento, beneficiação de pontes, limpeza e ordenação do espaço público. Esses trabalhos, analizados adiante, são simultaneamente a comprovação e o suporte da expansão urbanística.