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3 A EDUCAÇÃO JURÍDICA E A ABORDAGEM DAS RELAÇÕES HUMANAS

4.3 Basil Bernstein: Apontamentos para a definição de um percurso teórico metodológico

Por meio de teorizações construídas no decorrer de quarenta anos de produção, o sociólogo inglês Basil Bernstein objetiva articular as relações entre os níveis micro e

macroestruturais de construção do conhecimento e as formas de transmissão e aquisição das relações pedagógicas. Mais especificamente o autor define seu principal recorte investigativo: "as regras subjacentes que configuram a construção social do discurso pedagógico e suas diversas práticas"45 (BERNSTEIN, 1998, p. 35). No desenvolvimento de suas pesquisas, Bernstein focaliza o caráter sociológico do conhecimento pedagógico, seja ele oficial ou local.

O conhecimento pedagógico oficial foi discutido no capítulo 3. Neste abordaremos os principais conceitos propostos pelo autor em diálogo com nosso objeto de pesquisa. Assim, a partir de suas reflexões, podemos compreender o contexto das universidades pesquisadas, especificamente dos cursos de Direito. Relacionando suas articulações internas com o sistema social, econômico e cultural da sociedade em que estão inseridas.

Bernstein (1998) considera que as teorias, as práticas e as relações sociais desenvolvidas na macroestrutura, que convencionou chamar de "campo econômico" e "controle simbólico", exercem influência sobre a forma "como" e "quando" serão transmitidos os discursos pedagógicos. Dessa forma, não há como desconsiderar que as modificações que se operaram na noção e na configuração do Estado, e consequentemente do Direito, conforme abordamos no capítulo 2, produzem reflexos nos discursos pedagógicos.

Na Figura 4, procuramos demonstrar, com uma linha do tempo, a influência desse "campo econômico e do controle simbólico", na inserção do Direito Internacional nos cursos de Direito no Brasil.

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Em tradução livre da autora para "en las regras subyacentes que configuran la construcción social del discurso pedagógico y sus diversas prácticas"

Figura 4 - Relações da macroestrutura com a inserção do Direito Internacional no Campo Recontextualizador Oficial

Conforme observamos, a retirada do Direito Internacional como componente curricular obrigatório deu-se em dois momentos na história da educação jurídica brasileira, ambos em períodos ditatoriais: em 1931, no contexto da Reforma Francisco Campos, durante a Era Vargas, e em 1972, com a Resolução Nº3/72 do CFE, durante a Ditadura Militar.

A Reforma de 1972 foi capitaneada pelo Conselho Federal de Educação. Esse órgão, que antecede a ditadura militar, sofreu desta importantes reflexos, relacionado ao caráter não democrático do governo.

Embora o Conselho Federal de Educação não tenha sido criado pela ditadura militar, percebe-se durante esse período uma maior exposição do órgão para a sociedade civil, graças ao seu influente papel para produção e implementação da reforma educacional. Essa mesma participação, associada ao fato de sua imagem ser emparelhada com o crescimento da rede privada de ensino no mesmo período, resultou numa associação direta entre o órgão e o autoritarismo do governo militar. (MARTINS, 2000, p. 4).

Na visão de Martins (2000), durante o período entre os anos 1960 e 1970 os conselheiros (nomeados pelo Presidente da República) tinham poderes bastantes abrangentes, suas funções eram consideradas de "relevante interesse nacional". Nesse período, deixou de ser importante para ser membro do conselho, ter competência específica em matéria de educação, pois, de acordo com Martins (2000, p. 6, 7) para os militares, "qualquer competência, em qualquer área servia, desde que o membro nomeado estivesse alinhado com as premissas e as diretrizes desse governo".

A exclusão do Direito Internacional, nesses períodos não democráticos, contribuiu para reforçar seu potencial. Esse ramo do Direito trabalha com as limitações à ideia de soberania, principalmente a partir do Direito Internacional dos Direitos Humanos, conforme desenvolvemos no Capítulo 2.

Há também uma relação desta realidade de eliminação do Direito Internacional com as políticas migratórias brasileiras. A Figura 5 é capaz de demonstrar que a supressão do Direito Internacional dos currículos dos cursos de Direito no Brasil coincide com os momentos em que houve uma queda46 no movimento migratório, como consequência da adoção de normas restritivas (pela adoção, por exemplo, das políticas de cotas para as migrações no governo Vargas).

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Existiram quedas nos movimentos migratórios decorrentes dos períodos das duas Guerras Mundiais. No entanto, estas não confluem com a relação que aqui pretendemos estabelecer, pois, nesses períodos de conflito mundial, o estudo do Direito Internacional (especialmente o Direito Internacional Público) é valorizado.

Figura 5 - Movimento Migratório

Fonte: ADAS, Melhem. Panorama Geográfico Brasileiro. São Paulo: Moderna, 2004. p. 282.

As circunstâncias referidas, relacionadas ao distanciamento dos regimes ditatoriais com o Direito Internacional, e do vínculo entre as políticas migratórias restritivas com a exclusão dessa disciplina, ilustram como a teoria de Bernstein, ao explicitar a influência da macroestrutura na definição do discurso pedagógico, poderá contribuir com este trabalho de investigação.

Bernstein (1993; 1996; 1998) ampara esta pesquisa a partir de dois conceitos cruciais na sua teoria: os conceitos de "poder" e de "controle". O autor considera que a pedagogia, o currículo e a avaliação são formas de controle social. Como consequência, questiona o papel da educação no processo de reprodução cultural nas relações de classe.

Para Bernstein (1998, p. 25), há necessidade de demonstrar " como a distribuição do poder e dos princípios de controle em sala de aula gera, distribui, reproduz e legitima os princípios dominantes e dominados que regulam as relações dentro dos grupos sociais e entre eles e, assim, suas formas de consciência"47. De acordo com Dias (2014, p. 194), Bernstein analisa as relações de poder e os princípios de controle com base em dois elementos. Num primeiro, com intenção de investigar como as relações internas, presentes no sistema educacional, no currículo, nas práticas docentes, eram influenciadas por elementos exteriores,

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Tradução livre para "cómo la distribución del poder y de los principios de control en clase genera, distribye, reproduce y legitima los principios dominantes y dominados que regulan las relaciones dentro de los grupos sociales y entre ellos y, así, sus de formas de consciencia"

e como se recontextualizam. Num segundo "como esses princípios são, em si mesmos", os mecanismos para a reprodução dessas relações.

Para efeitos desta pesquisa, a compreensão do sentido atribuído à recontextualização curricular é fundamental. Assim, também nos valeremos das formulações teóricas construídas por Basil Bernstein (1993; 1996; 1998).

Para poder compreender as "regras recontextualizadoras", a partir da teoria bernsteinana, torna-se necessário fazer algumas considerações sobre o dispositivo pedagógico, especialmente acerca do entendimento do que vem a ser "regras distributivas".

As regras distributivas regulam a relação entre poder, grupos sociais, forma de consciência, produção e reprodução. Ou seja, as regras de distribuição estabelecem as condições para transmissão do conhecimento legítimo: quem pode transmitir, o que se pode transmitir, a quem e em quais condições (BERNSTEIN, 1993).

Por outro lado, as "regras de recontextualização" (que são reguladas pelas regras de distribuição) controlam a constituição dos discursos pedagógicos específicos, ou seja, determinam: quais discursos serão transmitidos/adquiridos e como se dará esta transmissão/aquisição. Já as "regras de avaliação" são as constituídas na prática pedagógica. (BERNSTEIN, 1993; 1998; MORAES e NEVES, 2007).

Bernstein (1993, p. 189; 1998, p. 62) afirma que o "discurso pedagógico" é um princípio, não um discurso. Para o autor, o "discurso pedagógico" constitui-se em um princípio que permite a apropriação de outros discursos ("discurso instrucional" e "discurso regulador"), proporcionando uma relação entre estes com o propósito de promover sua transmissão e aquisição seletiva.

O "discurso pedagógico", na teorização de Bernstein, pode ser considerado um princípio que desloca um discurso de sua prática e contextos próprios, recolocando-o de acordo com seu próprio princípio seletivo de reordenação e enfoque. Quando um discurso se desloca do seu local originário para um novo local, produz-se uma transformação. Essa transformação, de acordo com Bernstein, ocorre porque, cada vez que um discurso se desloca de uma posição para outra posição, há um espaço onde poderá intervir a ideologia. Bernstein (1998) é categórico ao afirmar: "nenhum discurso se desloca sem que intervenha a ideologia" (BERNSTEIN, 1998, p. 62). Portanto, para o autor, quando um discurso se desloca, transforma-se ideologicamente e não pode mais ser considerado o mesmo discurso.

Assim, podemos perceber que, para a teoria bernsteinana, o discurso pedagógico é, na verdade, um princípio, um princípio recontextualizador "que se apropria de, recoloca,

reenfoca e relaciona seletivamente outros discursos para construir sua própria ordem e seus próprios ordenamentos"48 (BERNSTEIN, 1993, p. 189).

Esse contexto recontextualizador estrutura o que Bernstein denomina de "campo recontextualizador". É nesse campo que atuam os agentes recontextualizadores.

Para Bernstein, esse "campo recontextualizador" é dividido entre "Campo Recontextualizador Oficial" e "Campo Recontextualizador Pedagógico". O primeiro é criado e dominado pelo Estado e por seus agentes especializados. No caso do presente trabalho é nesse campo que encontramos as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Direito. O segundo, conhecido como "Campo Recontextualizador Pedagógico", é formado por pedagogos e pesquisadores das instituições de ensino (no âmbito do nosso estudo, esse elabora o Projeto Pedagógico de Curso no qual será definido o currículo dos cursos de Direito). Haverá uma maior ou menor disputa, uma maior ou menor tensão entre os dois campos, dependendo da capacidade interventiva do "Campo Recontextualizador Pedagógico".

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em tradução livre da autora, no original: "se apropria de, se recoloca, reeenfoca y relaciona selectivamente otros discursos para cosntruir suproprio orden y sus proprios ordenamientos"

Figura 6 - Recontextualização

Fonte: Corrêa (2017). Inspirado em Dias (2014) e Moraes e Neves (2007).

Esses conceitos foram úteis para analisarmos, no Capítulo 3, a caminhada histórica das construções no "Campo Recontextualizador Oficial" e o grau de flexibilidade que se destinou em cada momento, para o Campo Recontextualizador Pedagógico. Foram também essenciais para as análises realizadas no Capítulo 5, quando nos debruçamos sobre o "Campo Recontextualizador Pedagógico" dos cursos de Direito das universidades pesquisadas. E no Capítulo 6, quando examinamos como os Projetos Pedagógicos dos Cursos, no "Campo Recontextualizador Pedagógico" são recontextualizados nas práticas pedagógicas dos docentes desses cursos, particularmente em relação ao Direito Internacional bem como ao grau de integração destes com os demais componentes curriculares, o que a Figura 6 procura ilustrar.

Para essa análise também contribuíram os conceitos bernsteinianos de "Currículo de Coleção" e de "Currículo de Integração". Para Bernstein (1993; 1996; 1998), nos currículos de coleção, as fronteiras entre as categorias discursivas (aqui consideradas as disciplinas do currículo) são nítidas, tendo em vista que os conteúdos transmitidos são desvinculados entre si. Já no currículo de integração, o isolamento entre os conteúdos é acentuadamente diminuído, resultando em fronteiras predominantementetênues.

Ao voltarmos nosso olhar para a forma de organização curricular dos cursos de Direito em geral, pelas Diretrizes Curriculares Nacionais e pelos currículos dos cursos de Direito em estudo, pretendemos identificar se estes caracterizam-se como currículos tendentes ao tipo de coleção ou de integração. Para essa análise, foi relevante caracterizar, pelos conceitos bernsteinanos de "classificação" e "enquadramento", os códigos que estão por trás de cada opção curricular: "de coleção" e o "de integração".

Caso, em nossas análises, deparemo-nos com conteúdos bem isolados uns dos outros por meio de fronteiras nítidas, estaremos diante de uma "classificação forte" (código de coleção). No entanto, se encontrarmos fronteiras tênues, com um isolamentobrando entre os conteúdos, estaremos diante do que se pode caracterizar como uma "classificação fraca", tendente a um código de integração.

No que toca ao objeto desta tese: o enfrentamento jurídico das relações humanas transnacionalizadas pode aparecer isoladamente em disciplinas afetas ao Direito Internacional; ou, mediante a existência de fronteiras mais tênues, permeada em vários componentes curriculares.

Não podemos deixar de considerar que os conteúdos são predominantemente curricularizados por meio de uma organização disciplinar (LOPES e MACEDO, 2011). O foco de nossa análise (o Direito Internacional) não foge a esta lógica. Para as autoras, a organização curricular por disciplinas, apesar de sofrer críticas contundentes, pode ser entendida como estável.

Lopes e Macedo (2011, p.121) sustentam, ancoradas no pensamento de Goodson e Popkewitz, que "as disciplinas são construções sociais que atendem a determinadas finalidades da educação e, por isso, reúnem sujeitos em determinados territórios, sustentam e são sustentadas por relações de poder que produzem saberes."

Na perspectiva de Bernstein, é possível inter-relacionar a disciplinaridade com a integração curricular. Isso só se tornará compreensível por meio de seus conceitos de "classificação" e "enquadramento".

Assim, a análise com base nos conceitos de Bernstein apresenta-se produtiva no contexto desta pesquisa. Entendemos, com base nos aportes teóricos desse autor, que, para além da identificação do número de disciplinas destinadas ao estudo do Direito Internacional, importa, averiguar a organização curricular, no intuito de compreender a forma como determinado currículo lida com as relações humanas transnacionalizadas (incluindo as temáticas relacionadas aos Direitos Humanos, as Migrações e a Cooperação Jurídica Internacional). Busca-se, neste sentido, examinar se, em relação as essas abordagens, há enfraquecimento ou rigidez nas fronteiras entre as disciplinas.

Figura 7 - Relações do Direito Internacional com outros ramos do Direito

Fonte: Corrêa (2018). Construído para esta investigação.

Ao desenvolver um estudo sociológico do conhecimento educacional, Basil Bernstein (1996), propõe dois conceitos fundamentais em sua teoria, o de classificação e o de enquadramento, propiciando a análise dos princípios que subjazem à estruturação do currículo.

Direito

Internacional

Direito Civil Direito Ambiental Direito Tributário Direito Processual Direito Agrário Direito Do Trabalho Direito Empresarial Direito Administrativo Direito Constitucional Direito Penal

O conceito de "classificação" mostra-se potente para analisarmos as relações interdisciplinares nos cursos estudados, relativamente ao tratamento jurídico das relações humanas transnacionalizadas, delimitadas no Capítulo 2.

Na teorização bernsteiniana, "classificação" não se refere a um determinado atributo que constitui uma categoria, mas sim "às relações entre categorias" (BERNSTEIN, 1996, p. 38). O autor exemplifica:

Consideremos uma serie de categorias, por exemplo os discursos de um currículo do secundário. Chamamo-las A, B, C e D. Podemos considerar estas categorias como uma divisão social do trabalho do discurso. Contudo, se estes discursos apresentam uma especialização diferente, devem ter um espaço nele para desenvolver sua identidade exclusiva, uma identidade com suas próprias regras internas e sua voz especial49 (BERNSTEIN, 1996, p. 38).

O autor adverte que o espaço fundamental que cria a especialização da categoria (o discurso) não é interno a esse discurso e sim o espaço que separa um discurso de outro discurso. Como argumenta Bernstein (1996, p. 38), "A só pode ser A, se pode separar-se eficazmente de B. Neste sentido, A não existe se não se produz uma relação entre A e outra coisa"50 (BERNSTEIN,1996, p. 38).

Para o sociólogo, a mensagem do poder está contida no silêncio; ou seja o espaço entre uma categoria e outra: "É o silêncio o que transmite a mensagem do poder; é o ponto e separação entre uma categoria e outra; é a ruptura do fluxo potencial do discurso o que é fundamental para a especialização de qualquer categoria"51 (BERNSTEIN, 1996, p. 38).

Portanto, no caso de se quebrar esta separação, a categoria corre o risco de perder sua identidade. Para Bernstein (1996, p. 38) "Tudo aquilo que mantém a força da separação mantém as reações entre as categorias e suas distintas vozes"52. Assim, se houver uma modificação na força da separação, como consequência, também se modificarão os princípios da divisão social do trabalho; ou seja, modificar-se-á a classificação.

Bernstein constata que é o "poder" que mantém a separação entre as categorias, que preserva os espaços entre as categorias e as regiões de silêncio. Para o autor, a intenção de

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Tradução livre para : Consíderemos una serie de categorías, por ejemplo los discursos de um curriculum de secundaria. Llamémoslas A,B,C y D. Podemos considerar estas categorías como una división social del trabajo del discurso. Ahora bien, si estos discursos presentan una especialización diferente, deben tener un espacio en el que desarrollar su identidad exclusiva, una identidad con sus propias reglas internas y su voz especial. (BERNSTEIN, 1996, p. 38).

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Tradução livre para"A sólo puede ser A si puede aislarse eficazmente de B. En este sentido, A no existe si no se produce una relación entre A y otra cosa" (BERNSTEIN, 1996, p. 38).

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Tradução livre para: Es el silencio el que transmite el mensaje del poder; es el punto y aparte entre una categoria y otra; es la ruptura del flujo potencial del discurso lo que es fundamental para la especialización de cualquier categoria."

52

Tradução livre para "Todo aquello que manitene la fuerza de separación mantiene las relaciones entre las categorías y sus distintas voces" (BERNSTEIN, 1996, p. 38).

modificar esses graus de separação, demonstra as relações de poder nas quais são baseadas e reproduzidas pela classificação (BERNSTEIN, 1996, p. 38).

A partir do grau de afastamento entre as categorias podemos estabelecer a força ou gradações das classificações, identificando-as como "fortes" ou fracas".

Numa classificação "forte", as categorias têm uma identidade própria, "sua voz única", suas regras específicas e especializadas. Já na classificação "fraca", teremos discursos, identidades e vozes menos especializados.

Para Bernstein (1996) as classificações, sejam "fortes" ou "fracas", sempre trarão consigo relações de poder. A classificação termina por ocultar a arbitrariedade das relações de poder.

O caráter arbitrário destas relações de poder desaparece, ocultado pelo principio da classificação, já que o principio de classificação chega a adquirir a força da ordem natural e as identidades que constroem aparecem como reais, autênticas, integrais e como fonte de integridade53 (BERNSTEIN, 1996, p.39).

O autor alerta para o fato de que toda mudança no princípio de classificação pode ser considerada ameaça ao princípio de integridade e de coerência do indivíduo. Para o autor, a separação, que cria o princípio de classificação termina tendo duas funções: uma externa ao indivíduo e outra interna.

A função externa regula as relações entre os sujeitos. O princípio classificatório cria uma "certa ordem", e as contradições, divisões e dilemas decorrentes do principio da classificação são suprimidos pela separação.

No plano interno ao indivíduo, a separação converte-se num sistema de defesas psíquicas contra a possibilidade de que, ao fragilizar a separação, esta permita vir à tona as contradições, divisões e dilemas que, pela separação, foram suprimidos.

No que concerne ao conceito bernsteinano de enquadramento, este se mostrou útil para podermos analisar as práticas pedagógicas nos cursos estudados, tendo em vista que, para Bernstein (1993; 1996; 1998), o enquadramento diz respeito à realização do discurso; está relacionado à forma do contexto em que ocorrem os processos de ensino/aprendizagem, as relações pedagógicas, como os significados encadeiam-se e tornam-se públicos. como os significados encadeiam-se e tornam-se públicos. Ou seja, o enquadramento está vinculado à natureza do controle que se exerce sobre: a seleção da comunicação; sua sequência (o que

53

Tradução livre , no original " El carácter arbitrario de estas relaciones de poder desaparece, ocultado por el principio de clasificación, ya que el principio de clasificación llega a adquirir la fuerza del orden natural y las identidades que construye aparecen como reales, auténticas, integrale, y como fuente de integridad."

vem antes e depois) o seus ritmos (o grau previsto de aquisição), os critérios e o controle da base social que torna possível essa transmissão (BERNSTEIN, 1996, p. 44).

Há uma tendência de o enquadramento vir a ser "forte" quando estamos diante de um código de coleção, pois os estudantes tem opções muito reduzidas para controlar o que é transmitido/adquirido no contexto da relação pedagógica. Quanto mais forte é o enquadramento, maior o controle do docente no contexto de transmissão de conhecimentos. Classificação e enquadramentos fortes, via de regra propiciam relações predominantemente hierárquicas e ritualizadas entre docentes e estudantes.

Por outro lado, quando estivermos diante de um código de integração, o enquadramento tenderá a ser mais "fraco", assim como a classificação. Na teoria sociológica de Bernstein (1996), em um código de integração, a força de classificação é significativamente atenuada e os vários conteúdos são subordinados a um tema ou ideia integradora. Nestas condições, pode-se perceber não só uma mudança nas relações entre os conteúdos, que tendem a uma situação de menor isolamento, como também repercussões nas estruturas de autoridade, nas identidades educacionais e na redução do poder das relações