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Benefício rural deve sair do INSS?

No documento A previdência injusta.pdf (páginas 174-176)

No início de 2007, quando este livro era preparado para ir para a gráfica, o governo anunciou a possibilidade de transferir para o Tesouro geral alguns gas­ tos do INSS, e os principais candidatos eram as aposentadorias rurais e talvez as da LOAS — os benefícios assistenciais.

Teoricamente, os benefícios rurais são custeados pelas contribuições rurais, que por sua vez são totalmente diferentes das contribuições dos trabalhadores urbanos. No regime rural, não há contribuição sobre salário, nem sobre a folha. Em vez disso, os fazendeiros pagam entre 2,1% e 2,6% sobre a comercialização da sua produção. Mas a evasão é grande — talvez entre um e dois terços.

Em 2006, a arrecadação da previdência rural era R$ 3,8 bilhões, enquanto fo­ ram gastos R$ 32,4 bilhões com benefícios rurais. Ou seja, o déficit rural era de R$ 28,6 bilhões. Para cada real de benefício, somente 12 centavos de contribuição.

No quadro geral, a área rural representava dois terços do buraco total do INSS, que naquele ano era de R$ 42,1 bilhões.

Há solução? Bem, podemos fiscalizar melhor os fazendeiros. Mas quem se lembra da palhaçada dos helicópteros do governo caçando o mítico “boi gordo” na época no Plano Cruzado já pode imaginar as dificuldades.

Podemos também aumentar a alíquota, mas isso fatalmente fará aumentar a evasão e o preço da comida, principalmente nas cidades maiores.

E mesmo se acabarmos totalmente com a sonegação rural, com as alíquotas atuais nunca vamos cobrir mais que um terço do custo dos benefícios.

Também é razoável pensar que a maior parte da sonegação acontece com produtores pequenos. Por isso, teríamos mais uma vez a situação ineficiente e socialmente inconveniente de ir atrás de camadas cada vez mais pobres da po­ pulação, para tentar resolver problemas das camadas mais bem colocadas.

Portanto — e para ser bem radical mesmo! — diria que enquanto devemos fiscalizar os grandes fazendeiros, não devemos infernizar a vida dos pequenos produtores rurais, só para arrancar alguns centavos a mais. São na sua grande maioria gente humilde, e se não emitem nota fiscal para as bananas que vendem na feira, então, pelo menos teoricamente, vendem aquelas bananas um pouco mais barato, e quem sai ganhando é gente da cidade.

Alguns especialistas argumentam há muito tempo que a solução é tirar os benefícios rurais da conta da previdência — idéia que aparentemente estava sendo encampada pelo governo no início de 2007. Argumentam que quase

todas as aposentadorias no campo são efetivamente assistenciais, porque se des­ tinam a trabalhadores rurais pobres que, certamente, não contribuíram o sufi­ ciente para cobrir o que recebem, mas que precisam do beneficio.

Parece um argumento razoável. Afinal, em 2004 o governo achou correto tirar do INSS o custeio de 600 mil antigos benefícios de “renda mensal vita­ lícia3 quase todos de valor mínimo, e passá-los ao Tesouro geral. Mas, falando em 2003, o então ministro Ricardo Berzoini entendeu que excluir os benefícios rurais não seria o melhor caminho. “Não há por que retirar da previdência en­ quanto está associado ao trabalho. Não é assistência social para as pessoas inca­ pacitadas; é o reconhecimento de um tipo de trabalhador cuja contribuição direta é muito difícil.”111

E isso também parece um argumento razoável. Então como resolver esse dile­ ma, entre dois argumentos opostos, ambos razoáveis? É fácil. Voltamos a lembrar que nosso norte é a justiça social, e não a pureza fiscal. E por essa ótica, a solução é clara: tanto faz. Podemos tirar os benefícios rurais do INSS, como podemos deixá-los. Para saber por que, faremos, para nós mesmos, as seguintes perguntas:

• É correto que os idosos pobres recebam um benefício básico? Sim, sem dúvida.

• Importa se for idoso rural ou urbano? Não. São todos iguais na sua necessi­ dade de almoçar um prato de arroz e feijão, e no seu direito de fazer isso diariamente.

• E quando trabalhavam estes idosos rurais viviam como marajás, cinica­ mente esnobando a previdência? Não. São na sua grande maioria gente bem pobre mesmo.

Então, sabemos que os benefícios rurais vão continuar, e que serão custeados essencialmente pela sociedade urbana. E sabemos também que a estrutura rural no Brasil não vai mudar tão já, embora as propostas deste livro devem ajudar no longo prazo. Portanto, vamos conviver com o problema durante um bom tempo.

Deste modo, a única questão é como estruturar o subsídio? E aí me parece que não há nada melhor que ouvir o velho Karl Marx — “De cada um segun-

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do suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades”. E quem seria mais capaz de arcar com o custo dos pobres rurais — os trabalhadores urba­ nos, que são somente uma parte da sociedade, ou a sociedade como um todo, que inclui também os latifundiários, banqueiros e capitães de indústria tão amados pelos marxistas?

Jogar os benefícios assistenciais para a conta geral certamente tem a virtude de aumentar a transparência. Como dizia Waldeck Ornellas, ministro da Previ­ dência durante o governo de FHC, a mudança proposta pelo governo Lula no início de 2007 daria4 maior clareza à discussão sobre o déficit, e da reforma com mudanças rápida e não para daqui a 20 anos”.112

Mas aí Ornellas colocou o dedo na ferida. O perigo de uma mudança con­ tábil é que ela acaba sendo desculpa para fingir que foi feita uma melhoria real na estrutura previdenciária do país, e assim fingir que não há necessidade de uma reforma profunda.

De qualquer maneira, não precisamos gastar mais tinta com este problema, pois na proposta para a Nova Previdência, que veremos em breve, ele some.

No documento A previdência injusta.pdf (páginas 174-176)