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Para onde vamos?

No documento A previdência injusta.pdf (páginas 183-188)

Mais importante que qualquer tentativa de mudar o passado, seria um com­ promisso geral de mudar o futuro.

Duas reformas previdenciárias dominaram a política brasileira nos últimos anos, uma do sistema do INSS, feita no governo FHC, a outra do regime dos servidores, no governo Lula. Também foram introduzidas algumas mudanças para os militares, os Estados e municípios.

Já estão em vigor novas regras como o fator previdenciário, a cobrança da contribuição dos inativos e o aumento no custo da pensão militar. Essas modi­ ficações podem ser significativas para aqueles diretamente atingidos, mas não resolvem a situação geral. Nem de longe. Várias das mudanças afetam somente os futuros trabalhadores, servidores e militares e, portanto, a grande maioria dos privilégios que foram detalhados nas páginas anteriores vão continuar, firmes e fortes, durante um bom tempo.

Tudo isso faz com que, segundo os peritos, os déficits sobrevivam por déca­ das, e possivelmente piorem.

Vejamos as previsões de alguns estudos recentes. Para harmonizar os núme­ ros, vamos nos basear no ano de 2004, mas também vamos ver o que vem acon­ tecendo desde então. Vamos fazer uma estimativa conservadora — minimizar a projeção de gasto e maximizar a projeção de receita — para não correr o risco de inflar de forma sensacional o possível déficit.

A PREVIDÊNCIA INJUSTA 189

O INSS

Projetar o déficit do INSS depende das estimativas que fazemos para algu­ mas variáveis. Crescimento da população e expectativa de vida são fáceis, o IBGE tem boas previsões. Mas qual será a taxa de crescimento da economia brasileira, digamos entre 2010 e 2020? O governo que assumirá em 2011 vai aumentar o piso dos benefícios juntamente com a inflação, ou com o salário mínimo, ou acima deste? Vai haver mais reformas? De que tipo? Quando? E o total das contribuições, vai crescer mais ou menos que no passado? A informa­ lidade vai aumentar ou cair?

As respostas seriam essenciais para projetar o futuro do INSS, mas são in­ cógnitas. Nossa única saída é lançar mão do que os peritos gostam de chamar de “hipóteses”, e o restante do mundo chama de chutes inteligentes.

Economistas do Ipea publicaram em 2004 uma tentativa de estimar os gastos futuros do INSS. Escolheram como horizonte o ano de 2030, quando a sociedade brasileira será bem mais grisalha. Atualmente, pessoas com 60 anos ou mais são aproximadamente uma em cada onze. Em 2030, serão uma em cada seis.

O estudo do Ipea examinou vários cenários possíveis — crescimento econô­ mico anual de 3% ou 4%, e com o piso previdenciário (o benefício mínimo) subindo junto com a inflação, portanto sem aumento real, ou acompanhando o crescimento real dos salários.

Mas o estudo projetou somente o lado dos gastos. Faltou o lado da receita. Vamos resolver isso com uma suposição pouco científica, a de que o total anual das contribuições vai crescer junto com o PIB. Ou seja, que vai ficar em 5,6% do PIB, que é ligeiramente maior que sua média dos últimos anos, embora li­ geiramente menor que o resultado para 2006.116

Temos, portanto, várias projeções de gastos, e uma projeção de receita. Qual o resultado?

Exatamente como em nossas vidas particulares, o melhor dos mundos virá com receita maior e gasto menor. No caso do INSS, isso quer dizer crescimento econômico mais alto, que empurra as contribuições para cima, e sem aumento

1,6 No estudo Diagnóstico da previdência social no Brasil: o que foi feito e o que falta reformar, Giambiagi, Mendonça. Beltrão e Ardeo (Ipea. 2004) a estimativa de arrecadação de 2004 foi de 5.6% do PIB. Mas. pelos

preliminares para o ano, a arrecadação foi ligeiramente acima de 5.4%. De fato, a média para 1995­ 2003 era de 5,14%. Portanto, 5,6% parecem razoavelmente cautelosos. É importante notar também que o cál­ culo do déficit anual usado neste livro desconta 0,5% do PIB para despesas assistenciais (ver página 28 do estudo citado).

real para os benefícios — ajuste somente pela inflação. Aí, a receita do INSS crescerá mais rapidamente que as despesas.

Nesse cenário “melhor dos mundos” — no sentido fiscal —, o déficit pode até cair ligeiramente, de R$ 33 bilhões em 2004, para algo em torno de R$ 25 bilhões em 2030, sempre em valores de 2004.

O cenário “pior dos mundos”— no sentido fiscal — vem com receita menor e gasto maior, o resultado de crescimento econômico baixo e aumentos reais no valor dos benefícios básicos. Aí, o déficit chegaria à casa dos R$ 75 bilhões.

O que fazer, quando tivermos duas projeções? Primeiro, vamos pensar nas grandes premissas.

Será que os trabalhadores e aposentados mais pobres aceitarão ficar sem aumento real até 2030? Será que o país aceitará isso? A julgar pelas experiências recentes, não. Certamente, não é uma perspectiva que combina muito bem com as metas de construir uma sociedade melhor e mais igualitária.

E qual a probabilidade de a economia crescer em média 4% ao ano, ao longo de um quarto de um século, como pede a projeção mais otimista? Certamente, ela cresceu 4,9% em 2004, mas não passou de 2,4% em 2005 nem de 2,9% em 2006. Apesar das promessas do governo, as expectativas do mercado no início de 2007 eram de crescimento de 3,7% ou menos até 2009. Devemos lembrar que o crescimento médio brasileiro desde os anos 1970 tem sido abaixo de 3%. Seria razoável, então, apostar numa média anual de 4%?117

Por outro lado, estamos tentando fazer uma projeção de longo prazo, e não deve­ mos nos influenciar pelo desempenho bom ou ruim de alguns anos. Time que perde o primeiro jogo do campeonato às vezes dá volta por cima e ganha o título.

Assim, e apesar de ficar com um pé atrás, vamos manter as projeções de 2004, de um déficit entre R$ 25 bilhões e R$ 75 bilhões em 2030.0 que faze­ mos? E sempre tentador confiar na sorte, fazer figa e escolher a projeção mais conveniente. Neste caso, seria a mais baixa, de um déficit anual de “somente” R$ 25 bilhões. Mas não há base para justificar isso.

A outra coisa tentadora é escolher a coluna do meio. Também não há justifica­ tiva técnica para isso, mas é a saída menos ruim e permite-nos posar de otimistas cautelosos. Então, vamos supor que até 2030, se não houver mais reformas, o INSS terá um déficit anual — em valores de hoje — de cerca de R$ 50 bilhões.

1,7 Projeções do PIB - relatório Focus, Banco Central, janeiro de 2007. No início de 2007, enquanto este livro se preparava para entrar na gráfica, o IBGE anunciou uma nova metodologia para calcular o PIB, que elevou o cresci­ mento. Segundo o IBGE, o crescimento do PIB no Brasil, de 2003 a 2006, teria sido de 1.1%, 5,7%. 2,9% e 3,7% ao ano

A PREVIDÊNCIA INJUSTA 191

Em tempo: em 2006, já chegava aos R$ 42,2 bilhões...

O S SERVIDORES FEDERAIS

Economistas do Ministério da Previdência calcularam que, mesmo depois das recentes reformas, a previdência dos servidores federais vai gerar um rombo de mais de R$ 12 bilhões por ano, pelo menos até 2030. Isso, sem levar em conta o aumento no piso de contribuição dos inativos, decidido pelo STF, que fatalmente aumenta um pouco o rombo projetado.118

Mas essa projeção não incluiu os militares, o Legislativo e o Ministério Pú­ blico, que representam algo como a metade da dívida total dos servidores fede­ rais. Assim, a projeção exclui muitos dos servidores que têm salários e benefícios maiores. Numa estimativa grosseira, podemos imaginar então que o déficit total dos servidores federais seria algo como o dobro daquele estimado no estudo. Portanto, um total em torno de R$ 25 bilhões por ano.

Em tempo: em 2006, já chegava aos R$ 35,1 bilhões...

Os E s t a d o s e m u n icípio s

O déficit dos Estados e municípios é equivalente a aproximadamente três quartos do déficit dos servidores federais. De um lado, temos as reformas recen­ tes. Do outro, a relação entre o número de beneficiários e contribuintes nestes regimes deve piorar sensivelmente. Sendo cautelosos, vamos dizer que o déficit continue em aproximadamente dois terços do dos federais — portanto, algo como R$ 15 bilhões a 20 bilhões por ano.

O s a n is t ia d o s

Muito depende da postura do governo, que se mostrou preocupado com as amplas críticas na imprensa aos valores das aposentadorias. Mas, nem sempre

118 O estudo, de 2004, tem o título de Análise Atuarial da Reforma da Previdência do Funcionalismo Público da União, de autoria de Roberta Mascarenhas, Antônio de Oliveira e Marco Caetano, todos do MPS. Na Coleção Previdência Social, Vol. 21. disponível no site do MPS.

preocupação com a opinião pública se traduz em resolução do problema. Se­ gundo as previsões, o custo final pode ser pouco abaixo de R$ 1 bilhão por ano. E pouca coisa, comparada com os outros números, e pela idade dos beneficiá­ rios, ele já estará caindo em 2030. Mas trata-se de uma categoria de beneficio que se destaca pelo valor médio e pelo grau de injustiça, ambos elevadíssimos. Como ponto de princípio, não pode ser esquecida.

O QUADRO GERAL

Juntando essas previsões, ficamos com um déficit total de R$ 90 bilhões em 2030, contra aproximadamente R$ 75 bilhões em 2004. Mas já em 2006 ele chegou à casa de R$ 100 bilhões. Devemos rever as projeções? Não, porque vamos adar uma colher de chá” ao governo e supor que ele consiga reverter as tendências e baixar o déficit — sem malabarismos de contabilidade, é claro. E vamos ser generosos. Vamos imaginar que o país consiga manter o déficit total no seu nível de 2004, de R$ 75 bilhões, até 2030, simplesmente crescendo a partir deste nível para acompanhar a inflação. É bastante improvável, sem gran­ des reformas, mas vamos imaginar que aconteça.

De 2006 até 2030, são 25 anos. Portanto, um déficit cumulativo de quase R$ 2 trilhões, ao longo de uma geração. Mais ou menos um ano de PIB.

Nunca vamos dizer que o total do déficit é igual ao total dos subsídios, e muito menos que ele é sinônimo do valor total dos privilégios. Como vimos anteriormente, pelo menos no INSS, parte do déficit é resultado dos benefícios assistenciais, e dos benefícios subsidiados dos mais pobres. A proposta da Nova Previdência, que começamos a desenhar no próximo capítulo, certamente não vai liberar essa quantia toda para novos gastos sociais.

Dito isso, é inegável que boa parte do déficit é gerada, sim, por benefícios generosos demais. E como mostram as projeções, se nada for feito, a sociedade terá de subsidiá-los durante muitos e muitos anos.

E esse, então, o desafio que a sociedade brasileira enfrenta — ou ela aceita as dificuldades de resolver de vez esta gritante injustiça, e redirecione quantias enormes de dinheiro público para o resgate gradual da sua imensa dívida social, ou continua a privilegiar uma minoria.

Pois uma coisa é certa: com dinheiro assim, bem gasto nas prioridades so­ ciais ao longo de uma geração, o país seria outro.

SEÇÃO 3

UMA NOVA

No documento A previdência injusta.pdf (páginas 183-188)