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Será que hà mesmo um déficit?

No documento A previdência injusta.pdf (páginas 160-165)

A

ntes mesmo de começar minhas pesquisas sobre a previdência, para ver a situação real dos subsídios e privilégios, já tinha ouvido bastante sobre o grande déficit, tanto no INSS, quanto nos regimes dos servidores. Não tinha dúvida quanto à sua existência. Agora, confesso que tenho. Não é que o governo venha divulgando números errados. E que a questão é mais complicada.

Hoje, após ler dezenas de documentos, discursos e estudos, posso dizer com firmeza que pode ser que haja um déficit, como também pode ser que não haja. Pode haver até um superávit. Depende do que queremos incluir e excluir da conta no lado das despesas, mas principalmente no lado das receitas.

Vamos explicar. Mas, antes, vamos ver por que este livro trata a questão do déficit por último:

• Seh o u v e r d é f i c i t — Isso não seria necessariamente um problema, caso esti­ véssemos direcionando dinheiro público para atacar a pobreza e a desigualdade.

• E se h o u v e r s u p e r á v i t — Mesmo assim, isso nunca seria uma justificativa para subsidiar os mais ricos, em vez concentrar o dinheiro público nos mais necessitados.

Em outras palavras, a questão do déficit é de certa forma secundária. O que importa mesmo é saber como estamos usando o dinheiro público. Se estivermos gastando mal, então devemos corrigir isso, mesmo havendo superávit. E se esti­ vermos gastando bem, então a questão é como pagar a conta.

O que não se pode é fazer como fez o presidente da República em janeiro de 2007. Ao ser perguntado sobre o déficit recorde do INSS, Lula disse que não se

preocupava porque “isso é política social para ajudar as pessoas mais pobres do país... Isso é um gasto que o Brasil tem que assumir com os seus pobres. Não vejo nenhum problema”. De um lado, Lula tem razão — política social é gasto totalmente válido. Mas ele comete o erro básico ao pensar que o lado positivo da previdência compensa seus privilégios.105

Não que o país deva gastar o que não tem, longe disso. Quem paga a conta da irresponsabilidade fiscal é normalmente o pobre. Mas, como vimos no Capí­ tulo 2, o gasto total brasileiro na área social não fica longe dos padrões interna­ cionais, e não há nenhuma regra de economia que diga que essa ou aquela área do governo precisa, necessariamente, gastar mais ou menos. Afinal, o governo tem impostos para desembolsar em prol do bem comum. Alguém sugere que as Forças Armadas devam dar lucro? Ou o serviço diplomático? Ou a Funai? Ou o Ministério da Saúde? O equilíbrio fiscal precisa vir no resultado geral, mas não necessariamente neste ou naquele item individual.

Dentro do bolo, o que importa é que as atividades e os grupos que recebem subsídios sejam realmente aqueles que a sociedade quer promover.

Portanto, as mudanças propostas neste livro não são motivadas pelo desejo de aliviar o déficit do governo, e muito menos de facilitar o pagamento de qualquer dívida — a não ser a enorme dívida social que assombra o país há tanto tempo.

Propositadamente, as propostas para a Nova Previdência acabam gastando exatamente o que é gasto hoje. Isso é essencial. Se gastassem mais, seriam criti­ cadas como irrealistas. E se gastassem menos, seriam tachadas de complô neo- liberal para encher os bolsos dos bancos. São neutras, portanto, em termos dos gastos públicos. O que é gasto hoje será gasto amanhã, mas com muito mais justiça social. Haverá um redirecionamento dos gastos — inclusive para outras áreas sociais, como a educação fundamental. Não vamos melhorar a vida dos contadores federais, e sim dos pobres. E, ao longo dos anos, do país inteiro.

E por isso que a questão do déficit da previdência é, de certa forma, irrelevante. Deste modo, o leitor neste momento fica com a opção — se aceitar o argu­ mento de que a questão do déficit é secundária, é possível pular o restante deste capítulo e prosseguir com o fio principal deste livro, a justiça social do sistema. Mas, para quem queira saber mais sobre este “déficit que talvez não existe”, vale a pena levantar comigo o tapete e admirar o que se esconde por baixo dos gran­ des números da previdência. E uma viagem assustadora. Passaremos da Brasília

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do JK até Itaipu, indo pela ponte Rio-Niterói. Vamos ouvir falar de prefeitos incautos, políticos hipócritas e empresários desonestos. Mas tudo em nome da aprendizagem, é claro.

Os grandes números

Vamos abrir uma breve exceção e colocar uma tabela com a receita e a des­ pesa do sistema previdenciário brasileiro. Vamos somar o INSS, os servidores civis e militares, Estados e municípios para conseguir a visão mais completa possível. Os valores são anuais, de meados de 2005. Os valores estão crescendo sem parar, certamente mais que a inflação, mas a situação geral continua inalte­ rada, e as grandes áreas de déficit e subsídio não mudam.

A observação mais importante a fazer é que os dados para arrecadações in­ cluem as respectivas contribuições pessoais e patronais, inclusive para o setor público, no qual incluímos R$ 2 para cada R$ 1 real pago pelo servidor. Trata-se de uma contribuição “virtual”, uma transferência entre contas do governo, mas é correto incluí-la.

Também, para simplificar as tabelas e o texto, vamos usar o termo “déficit” para indicar a diferença entre arrecadação e gasto com benefícios. Mas isso não prejulga a questão principal. Depois, vamos ver os outros elementos que pode­ riam ser somados à conta, ou dela retirados.

Finalmente, duas ressalvas técnicas.

• Não podemos dizer que os números na coluna de “déficit” são exatamente iguais a um “subsídio”. Seriam iguais no caso da ilha imaginária, que visita­ mos no Capítulo 6, onde tudo ficava totalmente igual e estável ao longo dos anos, de uma geração para a próxima. No mundo real as coisas não são assim, devido ao crescimento da população, ao aumento da expectativa de vida, à variação no tamanho do setor público, à inclusão nos dados do INSS de benefícios assistenciais e muitos outros fatores.

• No início de 2007, falava-se na possibilidade de transferir alguns gastos do INSS para o Tesouro geral, assim reduzindo sensivelmente aquela cifra de R$ 38,2 bilhões, que em 2006 já subiu para R$ 42,1 bilhões. Isso comenta­ remos mais à frente, ao considerar as aposentadorias rurais.

Primeiro, os números básicos da previdência brasileira:

TABELA A - Previdência brasileira (giahdes números em 2005)

Milhões de pessoas e bilhões çfe reais por ano

REGIME PESSOAS 1

RECEBENDO j GASTOS R$ bí ARRECADAÇÃO j R$ bi j “DÉFICIT” R$ bi

GOV. FEDERAL 0,97 j 42,4 13,8 j 28,6 GOV. ESTADUAL 1,59 ! 37,1 19,8 j 17.3 GOV. MUNICIPAL 0,46 ! 5,3 2,2 | 3,1 GOVERNOS 3,02 j 84,8 35,8 j 49,0 INSS TOTAL 23,53 ; 148,6 110,4 j 38,2 TODOS 26,55 | 233,4 146,2 ; 87,2 FONTES 106

Na Tabela A, acima, podemos ver pela linha “Todos” que 26,65 milhões de brasileiros receberam em meados de 2005 um total R$ 233,4 bilhões em benefícios, “em troca de” arrecadações totais de R$ 146,2 bilhões. É necessá­ rio colocar assim, “em troca de”, porque são contribuições feitas por outras pessoas, os trabalhadores ativos. As contribuições dos atuais idosos foram feitas bem no passado.

O dado mais importante da tabela fica no canto direito inferior: os governos federal, estaduais e municipais — vulgo, nós, os pagadores de impostos diretos e indiretos, que já pagamos nossas contribuições previdenciárias — tiveram de entrar com outros R$ 87,2 bilhões para fechar a conta.

106 "Contribuições' são todos os valores pagos pelos trabalhadores, seus empregadores, os autônomos etc. No setor público, é computada uma contribuição virtual de RS 2 para cada R$ 1 de contribuição dos servidores. O lado de '‘gastos" mostra os valores pagos com benefícios, excluindo custo administrativo.

Fontes:

- Boletim Estatístico de Pessoal N9112 para ago/2005 - servidores federais, quantidade;

- Apresentação Trajetória recente... de Helmut Schwarzer/MPS, em 5 de outubro de 2006 - servidores federais e estaduais, valores;

- Demonstrativo Previdenciário, 62 bimestre de 2004 e de 2005 (CGCEI/DRPSP/SPS/MPS-CADPREV), tabela 10

- servidores Estaduais e municipais, quantidade.

- Apresentação Resultado do RGPS em dezembro de 2005, MPS - gastos do INSS para o ano de 2005 (quan­ tidade de benefícios emitidos é média anual).

- Anuário Estatístico da Previdência 2005 - quantidade de contribuintes ao INSS.

- Estimativa do autor - valores para servidores municipais, a partir de dados de 2003 na apresentação Previ­ dência do servidor público - a mudança com justiça e respeito MPS Junho de 2003.

Obs.: Os dados municipais são incompletos. Também, para ser exato - estamos contando o número de be­ nefícios pagos - hâ algum grau de contagem dupla, em que uma pessoa recebe dois ou mais benefícios.

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TABELA B - Previdência brasileira (em termos proporcionais em 2005)

Pessoas recebendo benefícios e valores - em %

REGIME PESSOAS !

% | GASTOS% ! ARRECADAÇÃOí % “DÉFICIT” % !:

GOV. FEDERAL 3,7 | 18,2 j 9,4 32,8 j GOV. ESTADUAL 6,0 | 15,9 j 13,5 19,8 j GOV. MUNICIPAL 1,7 i 2,3 | 1,5 3,6 í GOVERNOS 11,4 | 36,3 | 24,5 56,2 j INSS 88,6 í 63,7 ! 75,5 43,8 1 TODOS 100,0 100,0 i 100,0 i 100,0 i

A Tabela B mostra as mesmas informações da Tabela A, mas agora em for­ ma proporcional. Podemos ver, por exemplo, que os servidores federais repre­ sentam somente 3,7% dos beneficiados, mas recebem 18,2% do dinheiro. Já que os servidores respondem por somente 9,4% da arrecadação total, eles como um grupo criam 32,8% do déficit.

Agora, vamos ver as mesmas informações, mas com base no valor médio por pessoa...

TABELA C - Previdência brasileira (por benefícios em 2005)

Miiharçs de reais por ano

A B ; C D E ;

REGIME GASTO

R$ mil : ARRECADAÇA j R$ mil “DÉFICIT” MÉDIO R$ mil D/B “DÉFICIT” proporcional ; j

GOV FEDERAL 43,7 j 14,2 29,5 67,5% j GOV. ESTADUAL 23,3

j

12,5 10,9 46,8% | GOV. MUNICIPAL 11,5 j 4,8 6,7 58,3% j GOVERNOS 28,1

j

11.9 16,2 57,7%

|

INSS 6,3 ! 4*7 1,6 25,4%

1

TODOS 8,8

1

5 ’5 3,3 37,5% |

Na Tabela C, podemos ver que, em média, as pessoas receberam um benefí­ cio de R$ 8,8 mil por ano em troca de uma arrecadação média de R$ 5,5 mil. No INSS, por exemplo, temos um gasto médio de R$ 6,3 mil comparado com a arrecadação média de R$ 5,5 mil ao ano, ou seja, benefício médio de R$ 485 em troca de arrecadação média de R$ 423 por mês. É importante observar que, em cada categoria, estamos vendo a quantia arrecadada, em média, para susten­ tar cada idoso. Não se trata da quantia paga em média por trabalhador na ativa, que é bem menos.

Ao olhar para esses números, parece óbvio que há um baita déficit — no geral, R$ 87,2 bilhões, ou 37,5% do sistema total. Mas não é tão simples. Algumas pessoas argumentam que há dinheiro faltando na conta, bem como gastos que deviam estar contabilizados em outros lugares.

Vamos apresentar e comentar as grandes questões levantadas pelas pessoas que argumentam que não há déficit. Essas questões podemos dividir em dois grandes tipos:

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