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É DIFERENTE SER SOLDADO?

No documento A previdência injusta.pdf (páginas 138-160)

Algumas pessoas enxergam isso como problema meramente de contabilidade, que seria resolvido com uma transferência de dinheiro do INSS para o sistema

É DIFERENTE SER SOLDADO?

De fato, a carreira militar tem algumas características específicas. O militar às vezes enfrenta períodos fora de casa, longe da família, ou precisa sacrificar planos pessoais para cumprir com seu dever. Normalmente precisa morar em vários lugares diferentes durante a carreira, nem todos ao gosto da sua família. Mas posso pensar em muitas outras profissões nas quais acontecem essas mes­ mas coisas, em grau maior ou menor — engenheiro civil, geólogo, peão de cons­ trução, barrageiro, motorista de caminhão, aeronauta, marinheiro, diplomata, trabalhador rural...

A carreira militar requer dedicação integral e exclusiva, sem hora extra, e o soldado profissional não pode ter outra atividade paga. Impõe também o uso de uniforme, a hierarquia e a proibição de atividade política. Mas vamos ser hones­ tos: quem escolhe a carreira militar já não sabe disso? Quem decide ser moto­ rista de ônibus vai reclamar que tem que dirigir no trânsito? Quem escolha ser professor vai reclamar que tem que lidar com crianças barulhentas? O cirurgião vai dizer que não agüenta ver sangue? Ou o carteiro, que não gosta de andar na rua? E quais as chances de avanço, hoje em dia, para qualquer profissional que recusa relocar de cidade, de vez em quando?

O fato é que muitas das especificidades da carreira militar não passam de características da profissão que devem ser compensadas — se é para compensar — no salário. Mas aposentadoria não é recompensa, e nunca pode ser tratada como um tipo de “salário futuro”. Ao fazer isso, estamos transferindo para a próxima geração o custo da defesa atual. Seria igual o pai perdulário que deixa dívidas para os filhos pagar. Se a sociedade precisa, num determinado momento, dos serviços de “x” milhares de soldados, então a sociedade tem que pagar na­ quele momento o custo pleno e real dos serviços. Aposentadoria é sustento para quem não pode mais trabalhar. Nunca devemos misturar aposentadoria com argumentos sobre nível de salário.

Como saber se o salário de uma determinada profissão é adequado? No final das contas, quem decide é — ou deveria ser — o mercado. Enquanto

uma profissão goza de candidatos em quantidade e qualidade suficientes, e não sofre de perdas excessivas nos seus vários níveis, com pessoas saindo em busca de alternativas, podemos supor que, em princípio, os salários e as condições são adequados. Não sei se as Forças Armadas brasileiras enfrentam qualquer pro­ blema dessa natureza. Vejo reclamações freqüentes quanto aos salários, mas nunca sobre falta de candidatos adequados. Mas caso exista, a solução seria pela melhoria dos salários.

Dito isso, há um ponto, ou talvez dois, em que os militares têm sim condi­ ções especiais que devem ser tratadas à parte, embora não pela aposentadoria subsidiada:

• Riscos — Os militares aceitam uma obrigação profissional de colocar em risco suas vidas, não somente em guerra, mas também em treinamento. O treinamento precisa ser contínuo, e, em se tratando de equipamento bélico, acidentes podem ser fatais. Às vezes, o empregador do militar, que no final das contas somos nós, a sociedade, precisa mandá-lo correr risco de morte para o bem comum. Certamente, isso é diferente do caso do balconista, ou contador — a obrigação do patrão destes seria exatamente o contrário, de protegê-los de risco no seu lugar de trabalho. Para o militar — assim como o bombeiro e o policial, que também aceitam enfrentar riscos para o bem da sociedade — é correto pensar num plano confiável de seguro, pago pelo governo, que protege o profissional e seus dependentes imediatos, caso ele morra ou fique incapaci­ tado em serviço. E razoável, sim, que este seguro sustente e eduque seus filhos até que sejam adultos. Mas sustento vitalício, nunca.

• Es g o t a m e n t o f í s i c o — Várias profissões exigem boa capacidade física, e

muitas pessoas ficam inaptas antes da idade normal de aposentadoria. Mili­ tar é uma dessas. Parece razoável pensar num sistema de requalificação para militares de 40 ou 50 anos que querem ou precisam se lançar no mercado civil, e quem sabe uma gratificação para ajudar quem precisa refazer sua vida. Dito isso, devo dizer que posso pensar em muitas profissões em que há uma forte tendência de empregar jovens e dispensar os mais velhos, às vezes por causa do esgotamento físico ou mental, mas freqüentemente por obscuras razões culturais. Acabou-se o mundo no qual o profissional ficava 40 anos na mesma empresa, ou até na mesma profissão. Hoje em dia, a grande maioria dos profissionais enfrenta o desafio da atualização constante. Precisam estar

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preparados para mudar de empresa, de ramo, de cidade e de faixa salarial. Não vejo por que o militar deve ser diferente.

Maisq u e u m “sim p le s” a p o s e n t a d o r ia in teg r a l?

Os militares recebem uma aposentadoria integral, e os servidores também. Mas a situação dos militares é bem mais complexa — e ainda mais favorável.

Já vimos, no caso dos servidores civis, que uma contribuição de 11%, junta­ mente com uma contribuição patronal do dobro disso, dificilmente vai cobrir o custo de uma aposentadoria integral sem um pesado subsídio dos cofres públi­ cos, a não ser que o beneficiado passe muito tempo contribuindo sobre o salário máximo da sua carreira, e também se aposente bem tarde.

Quando não há contribuição alguma, a questão fica mais difícil. Não há como comparar o valor do benefício com o valor da contribuição, quando a contribuição é zero. Portanto, qualquer análise do regime dos militares e qual­ quer proposta de reforma precisam partir de conceitos de justiça social — jus­ tiça para os militares, mas para a sociedade também. Não podemos ficar simplesmente numa avaliação matemática da situação existente. Voltaremos à questão mais à frente, ao pensar no novo sistema de previdência.

Além de receber “simplesmente” uma aposentadoria integral, os militares que ingressaram na careira antes de 2001 tinham o direito, mediante o pagamento de uma pequena contribuição ao longo da carreira, de passar à reserva remunerada com uma aposentadoria baseada no salário de uma ou duas patentes acima da atual. Tecnicamente, não se trata de “promoção na aposentadoria”, como freqüen­ temente é chamada, mas o resultado financeiro é mais ou menos igual. E por ta­ bela, a pensão da esposa e a da filha adulta também seriam baseadas nesse valor maior. A prática foi abolida para novos militares, mas quem já estava contribuin­ do antes de 2001 mantém o benefício, for força do direito adquirido.

E por tudo isso que os dados do governo revelam uma situação inusitada. Em 2006, o valor médio da aposentadoria militar era mais do dobro do valor médio dos salários dos militares na ativa — aposentadoria média de R$ 5 mil ante salário médio de R$ 2 mil. Em qualquer sistema hierárquico que oferece aposentadoria integral pelo valor do último salário, não é de surpreender que o valor médio dos benefícios seria maior do que o valor médio dos salários. Mas sugerir que cada mês de pijama vale 2,5 vezes mais que cada mês de ativa é fora

de qualquer realidade. Por vias de comparação, para servidores federais civis em geral, o aposentado recebe dois terços da média da ativa, enquanto no Banco do Brasil o salário médio e a aposentadoria média são mais ou menos iguais. No Ministério Público da União; no Legislativo e no Judiciário as aposentadorias valem mais que o salário médio, mas nada como 2,5 vezes mais.93

E AS FILHAS...

Ao mesmo tempo que acabou com o direito de o militar receber uma ‘promo­ ção financeira” na aposentadoria, o governo aumentou o custo de deixar uma pen­ são vitalícia para a filha adulta. O desconto, que era de 1,5%, do salário, passou para 7,5%. E para militares novos, estes mesmos 7,5% vão comprar somente a pensão da viúva e dos filhos menores. Assim, a farra das filhas adultas foi abolida — mas somente para os militares que entraram na careira depois de 2000.

De todas as distorções da previdência social brasileira, essa foi provavelmen­ te a maior. É coisa digna de uma sociedade em que:

• Os gastos sociais não têm relação alguma com as necessidades; e

• Os cofres públicos são franqueados aos amigos e leais servidores do poder.

Como observou o jurista Gilberto Guerzoni Filho, consultor legislativo do Senado Federal: “Trata-se de vantagem que não tem, hoje, justificativa previdenciária, sendo um resquício da época em que as mulheres, pela sua total dependência da população masculina, não tinham como se sustentar se não se casassem.”94

O que quer dizer isso? Em termos simples, quer dizer que existem pelo Brasil afora milhares de mulheres adultas que recebem cada mês, dos cofres públicos, uma bolada para a qual nunca contribuíram, e que nada têm feito para merecê-la. Pode ser que precisem do beneficio, pode ser que não, a sociedade paga de qualquer maneira. Pode ser que tenham boa profissão, marido e família, pode ser que não, mas também não importa. A única coisa que não podem é

93 Do Boletim Estatístico de Pessoal n.2 123, do Ministério do Planejamento (julho de 2006, Tabela 3.1). 94 Passado, presente e futuro do regime próprio de previdência dos servidores públicos (2003) - http://www. nap.coppe.ufrj.br/.

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casar no civil. Aí, sim, perdem o beneficio. O Banco Mundial nos informa que em 1999 existiam, no Brasil, mais de 58 mil filhas solteiras recebendo uma mé­ dia de quase 10 salários mínimos por mês. Enquanto isso, o país tem algo como 50 milhões de pobres, e falta remédio em posto de saúde.95

Pode-se dizer que tudo acaba sendo uma fatalidade, uma questão de sorte ou azar no momento de nascer. Mas a Constituição Federal de 1891 — preste atenção na data — já determinava no seu Art. 72 que “todos são iguais perante a lei” e que “a República não admite privilégios de nascimento”. Sei que juristas vão argumentar que tecnicamente não se trata de “privilégio de nascimento”, mas nem sempre a lei e a justiça social são a mesma coisa. Pois o fato é que algumas brasileiras nascem já sabendo que podem contar até morrer com a ge­ nerosidade dos cofres públicos.

Mas não era para acabar com privilégios de nascimento que o homem in­ ventou a forma republicana de se organizar numa sociedade? E não era para minimizar privilégios de nascimento, em vez de aumentá-los, que as sociedades modernas criaram sistemas de previdência? E não diz a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no seu Art. 1, que “Todos os seres humanos nascem li­ vres e iguais em dignidade e em direitos”?

Essas duas grandes fontes de injustiça social, a “promoção financeira” na apo­ sentadoria e a pensão para a filha adulta, já foram abolidas, mas — em nome do direito adquirido — somente para os militares futuros. É importante compreen­ der o alcance dessa concessão aos militares atuais. Imagine o militar da ativa com, digamos, 20 anos de idade em 2000, quando a pensão vitalícia foi abolida. Diga­ mos que este militar tenha uma filha que nasça em 2010, quando seu pai terá 30 anos. E digamos que ela viva 75 anos, sem se casar no civil. Então, o país deve pagar um benefício para essa pessoa até 2085 ou 2095. No extremo, podemos imaginar essa relíquia da época colonial sobrevivendo até o século 22.

Colocando isso de outra maneira, podemos dizer que o país decidiu garantir o “direito adquirido” de brasileiras que ainda não nasceram de receber milhares de reais por mês, até o fim da vida, ao mesmo tempo que não consegue garantir o direito de sobreviver de dezenas de milhares de bebês por ano.96

95 Ver o relatório do Brazil - Criticai Issues in Social Securíty, pág. 94.

% A taxa brasileira de mortalidade infantil é aproximadamente 30 mortes por mil nascimentos. O Brasil tem pouco mais de 3 milhões de nascimentos por ano. Portanto, pouco mais de 90 mil mortes por ano. Se o Brasil tives­ se a taxa de mortalidade infantil da Espanha, 4,4/mil. seriam poupadas aproximadamente 75 mil vidas por ano. Com a taxa da Argentina, aproximadamente 15/mil - seriam 45 mil mortes a menos, cada ano.

Os ex-combatentes e anistiados

Este grupo de potenciais privilegiados junta duas categorias relativamente pequenas, em termos numéricos, mas destacadas pelos altos valores de muitos benefícios — os ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial e os anistiados políticos. Pode parecer que pouco têm em comum, mas são unidos por um im­ portante ponto de princípio — em ambos os casos, o país vem usando aposen­ tadorias de forma errada, como recompensa por um prejuízo ou sofrimento no passado, em vez de um mecanismo de sustento na velhice. E, em muitos casos, vem fazendo isso com valores absurdos.

Outro ponto em comum é que, em ambos os casos, os legisladores demons­ traram uma incompetência chocante, aprovando leis tão mal pensadas, ou tão mal redigidas, ou tão influenciadas pelos interesses de pequenos grupos, que o resultado acabou transformando em piada de mau gosto qualquer noção de justiça social.

Primeiro, as ressalvas:

• Como sempre, falamos em termos gerais de categorias de beneficiados. A crítica geral não quer dizer que cada pessoa dentro dessas categorias seja necessariamente um privilegiado. Cada caso é um caso, e depende sempre das circunstâncias individuais.

• Contestar o valor dos benefícios não deve ser visto como questionamento dos atos ou circunstâncias que deram origem a eles. No caso dos ex-combatentes, certamente não é o caso de questionar se a pessoa beneficiada lutou bem ou mal, foi corajosa ou não, ou enfrentou muito, pouco ou nenhum perigo. Nem perguntamos as razões pelas quais o anistiado político se opôs ao governo militar, nem pelas quais sofreu perseguição. Questionamos, sim, o critério usa­ do para avaliar o prejuízo, e a maneira como este vem sendo recompensado.

O S EX-COMBATENTES

Eram, em 2003, pouco mais de 11 mil os aposentados especiais da Segunda Guerra Mundial e suas pensionistas. Em muitos sentidos, representam um dos exemplos mais escandalosos do uso socialmente injusto do dinheiro público. De

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fato, vários dos beneficiados se tornaram, nos últimos anos, combatentes numa nova guerra, dessa vez uma batalhada jurídica contra o governo — e por exten­ são contra a sociedade brasileira em geral — para manter benefícios que no fim de 2005 chegaram, nos piores casos, aos incríveis R$ 71,5 mil por mês. E com direito de receber o dobro em dezembro, a título de 13.°. Que Natal feliz!

Na Segunda Guerra, foram para a Europa com a Força Expedicionária Bra­ sileira (FEB) mais de 25 mil brasileiros e brasileiras, principalmente do Exérci­ to, mas também da Força Aérea. Morreram mais de 400. Também foram afundados por submarinos alemães mais de 30 navios brasileiros, principalmen­ te cargueiros. Pereceram mais de mil marinheiros e passageiros.

São várias as leis que estabeleceram as aposentadorias especiais dos ex-com­ batentes. Inicialmente, em 1948, os benefícios adicionais eram relativamente modestos — promoção à próxima patente ao ser transferido para a reserva ou aposentado, para os militares e servidores civis que foram à guerra. Mas, ao longo dos anos, o Congresso foi ampliando o alcance e o valor, em mais uma manifestação de bondade para com grupos e interesses específicos, em claro detrimento ao bem coletivo.

Uma brecha enorme veio em 1952 com a decisão, pelo Congresso, de classifi­ car como ex-combatente qualquer pessoa da Marinha Mercante que fez pelo menos duas viagens pela “zona de ataques submarinos”— basicamente, a faixa do litoral brasileiro e a rota Brasil-Caribe-Estados Unidos. Depois disso, em 1971, veio a inclusão de pilotos da aviação civil que tinham ajudado, por exemplo, com “vigilância, localização de navios torpedeados e assistência aos náufragos”.

Chegou-se ao ponto de o governo, em 1997, reclamar dos “alfaiates que, por participarem do esforço do país na Segunda Grande Guerra, aposentaram-se como ex-combatentes, sem nem sequer terem saído do país”.97

Vários indignados, ao comentar as superaposentadorias dos ex-combatentes, destacam o fato de os maiores valores em geral serem destinados a pessoas que nem foram à guerra. Parece, certamente, uma aberração. Mas o ponto funda­ mental não é isso, é a injusta social de pagar um benefício de R$ 10 mil ou R$ 20 mil — sem falar nos R$ 70 mil — para qualquer pessoa, sem contribuições à altura. Pouco importa se a pessoa beneficiada ficou no litoral ou foi à Itália, porque hoje aquela pessoa — ou sua viúva, ou filha — mora no Brasil, que é um

97 Por que reformar a Previdência? - no site do MPS. Leis relevantes, disponíveis no site do MPS e/ou da Presi­ dência. incluem 288 de 1948.1.756 de 1952.4.297 de 1963.5.315 de 1967 e 5.698 de 1971.

país com enormes problemas sociais, onde milhões de cidadãos não recebem nem os direitos básicos que são lhes assegurados pela Constituição.

Ao questionar estes benefícios, nunca vamos dizer que ex-combatentes de­ vem ser esquecidos ou maltratados. Vários países europeus se envergonharam, principalmente depois da Primeira Guerra Mundial, de deixar seus milhões de veteranos mendigar pelas ruas, muitos deles cegos ou aleijados. Não é por aí. Mas também o benefício deve ser (a) conforme a necessidade, e (b) dentro dos parâmetros dos benefícios que o país fornece aos outros cidadãos. Simplesmen­ te não consigo entender a justificativa moral de destinar dezenas de milhares de reais por mês de dinheiro público por pessoa, independentemente da sua con­ dição financeira ou necessidade, enquanto existem tantas carências gritantes.

E não é relevante argumentar que determinada pessoa foi herói. O reconhe­ cimento correto pelo desempenho militar é pela decoração e/ou promoção. Nunca pela criação de privilégios previdenciários.

Vale ainda observar que este problema, além de não ser novo, certamente não é desconhecido. Mas é mais uma dessas coisas que todo mundo sabe que não devia ser assim, e todo mundo quer mudar, mas todo mundo sabe que não vai mudar nunca. E isso, apesar das várias leis que criaram a brecha para as su- peraposentadorias serem revogadas há mais de 30 anos, e apesar de repetidas tentativas de governos de frear a comilança.

Em 1996, o governo revelou que nada menos de 143 ex-combatentes e/ou suas viúvas recebiam valores mensais acima de 100 salários mínimos. O grupo mais absurdo era de 60 aposentados e pensionistas de ex-combatentes maríti­ mos, com valores médios acima de 180 salários mínimos.

Passada uma década de batalhas jurídicas, no final de 2005 o INSS ainda pagava 100 benefícios acima do teto do funcionalismo, na época R$ 21,5 mil — dois deles são aqueles já mencionados de R$ 71,5 mil cada. Segundo o INSS, a maioria dos marajás era de ex-combatentes, recebendo acima do teto consti­ tucional graças às liminares que conseguiram na Justiça. Os dois benefícios maiores eram pagos pelo INSS na cidade de Santos, no bairro de Embaré, re­ duto de ex-portuários que conseguiram classificação de ex-combatentes.98

No início de 2006 o INSS tentava — mais uma vez — reduzir o valor dos benefícios, mas em junho daquele ano ainda pagava 24 felizardos além do teto, que nessa altura já subiu para R$ 24,5 mil. E não era pouco além. Aqueles 24

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benefícios gozavam de valor médio de R$ 35.800, ou seja, 102 salários mínimos na época, e alegremente protegidos por liminares.

No final de 2006, o INSS ainda pagava 7.545 benefícios acima de 10 salários mínimos, dos quais 11 acima de 70 mínimos, grande parcela destes refere-se a ex-combatentes.

Mas é importante entender que o governo gasta uma fortuna com advoga­ dos somente para coibir o abuso dos benefícios acima do limite constitucional, que em 2007 era de R$ 24,5 mil por mês. Se for abaixo daquele nível, não há nada a fazer, porque qualquer discussão da previdência sempre tratou os ex- combatentes e tantos outros privilegiados como intocáveis. Os legisladores e os magistrados, muitos deles também beneficiados por aposentadorias privilegia­ das, sempre entenderam que era mais importante defender o princípio de “di­ reito adquirido”, em vez de corrigir uma distribuição visivelmente injusta do dinheiro que pertence à sociedade em geral.

Para fechar, é interessante ouvir um dos felizardos ex-combatentes, aben­ çoado com benefício que valia na época mais de 200 salários mínimos por mês. Falando à revista Época no momento em que o governo Fernando Henrique tentava reduzir os valores mais absurdos, o ex-prático do Porto de Santos reco­ nheceu o problema de justiça social: “O país vive num estado de miséria tão

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