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Bernardo Ribeiro de Moraes

No documento Tributação no Brasil e o Imposto Único (páginas 109-112)

Boletim Imposto$, fevereiro/90

O emitente consultor econômico da Folha de S. Paulo e diretor da Fundação Getúlio Vargas acaba de oferecer atrativa contribuição para a reforma do sistema tributário nacional. Combatendo reformas restritas e irracionais, que objetivam apenas carrear, cada vez mais, recursos para as entidades políticas da Federação, no que tem razão, postula a adoção de um Imposto Único sobre Transações.

Embora sem muitos detalhes, a proposta sustenta a adoção de um único imposto, que seria o Imposto Único sobre Transações, incidente sobre pagamentos (um agente econômico efetuar pagamento a outro) e cobrado sobre o valor da operação (transação), na alíquota de 2% (1% exigido do emitente do cheque, 1 % exigido do beneficiado).

Com tal imposto haveria simplificação do sistema tributário, arrecadação automática a cada lançamento de débito e crédito, redução de custos administrativos (com redução de pessoal e da máquina) e de custos das empresas (com redução de pessoal), com uma sensível diminuição da sonegação fiscal e da corrupção.

Trata-se de mais uma idéia, ao lado das inúmeras tentativas doutrinárias e práticas já feitas, na busca do imposto único.

À medida que aumentam os gastos públicos, o Estado, por sua vez, multiplica o número de tributos que possui. Tal multiplicação, sem qualquer critério científico, feita apenas para aumentar a receita tributária, tem aspectos danosos para a sociedade, tendo em vista os reflexos econômicos e financeiros da tributação.

Daí o aparecimento de inúmeras teorias sobre a adoção do imposto único. Cada contribuinte deverá pagar um único imposto ou um único imposto deverá ser exigido de todos.

A história do imposto único aponta diversas tentativas doutrinárias e práticas concretizadas, cujas experiências revelaram uma sucessão de fracassos, com a conclusão de que, embora ideal, esse sonho é impraticável.

Juan Bodin (1530-1596), precursor teórico do imposto único, combatia a desordem e o excesso das cargas tributárias. Sebastian Vauban (1633-1707) procurou simplificar e unificar os sistemas tributários, sustentando a existência, como uma espécie de eixo do sistema tributário, de um imposto incidente sobre grande área, completado com alguns impostos diretos pequenos tal como "um astro rodeado por pequenos satélites". Já se tentou um Imposto Único sobre as Casas, proposto por Decker no século 18; um Imposto Único sobre a Terra, preconizado por John Locke (1632-1704), precursor dos fisiocratas, com o apoio posterior de Francisco Quesnay (1694-1774) e Henry George (1839-1897); um Imposto Único sobre a Renda (Inglaterra); um Imposto Único sobre as Sucessões etc.

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Todos esses impostos únicos traziam elevadas desvantagens quanto à área onerada. Se alcançava o patrimônio, deixava livre a renda e vice-versa. Se alcançava a circulação, não alcançava o capital, a renda e o patrimônio. O imposto único recaía unicamente sobre determinada área, deixando sem tributação a outra. O princípio da generalidade da tributação não era atendido. Em conseqüência, o imposto único apresentava-se insuficiente para atender às necessidades públicas.

Agora, o eminente Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque procura trazer uma contribuição honesta, sincera e cheia de ideal, qual seja, a idéia da instituição de um Imposto Único sobre Transações.

O perfil desse novo imposto seria o da causa jurídica nele definido: o da incidência sobre as transações, embora exigido por ocasião dos pagamentos em cheque ou em outras ordens de pagamento. Todas vez que um agente econômico efetuasse um pagamento a outro, haveria a incidência do imposto, que teria como base de cálculo o valor da transação. A alíquota fiscal seria de 2% global, sendo de 1 % para o emitente do cheque e de 1% para o beneficiado.

Para a instituição do Imposto Único sobre Transações mister se faz alterar a discriminação constitucional de rendas tributárias, inclusive ser aprovada lei complementar definindo os elementos essenciais da nova espécie tributária (caso a Constituição mantenha essa exigência de lei complementar), oferecendo o fato gerador da respectiva obrigação tributária, a base de cálculo do tributo, a alíquota fiscal e o contribuinte.

Uma vez definido o imposto e distribuída a competência tributária (o poder fiscal poderá ser dado à União, aos Estados ou aos municípios), há a necessidade de lei ordinária formal instituir o imposto, que teria validade e poderia ser exigido após a respectiva rubrica fazer parte do orçamento (se mantido o art. 165 da Constituição).

A mudança da Constituição, a elaboração da lei complementar e a colocação da rubrica orçamentária constituem fatos que permitem a exigência do imposto único somente no ano de 1991, jamais em período anterior.

A definição e a implantação do novo imposto não poderiam, pois, ser feitas de imediato. Os instrumentos jurídicos (alteração da Constituição, elaboração da lei complementar e da lei ordinária do poder tributante) e as providências administrativas (junto ao bancos - todos eles - e sistema de controle quanto às informações de receitas) não permitem a implantação do Imposto Único sobre Transações antes do ano de 1991.

Esse controle administrativo implica a solução de problemas de repetição de indébito, de isenção fiscal etc.

Quanto à distribuição do montante arrecadado para as diversas pessoas jurídicas de direito público constitucional, a matéria é delicada, tendo em vista o fato gerador do imposto, que não irá ocorrer em todos os municípios. A arrecadação do imposto não poderá ser elemento de distribuição. O critério, então, seria político, não ligado ao imposto. Assim, a receita tributária não poderia ser levada em conta para cada unidade municipal, estadual e federal. A dosagem seria extraída dos elementos população, produção e encargos orçamentários.

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A matéria é de caráter financeiro e não tributário, razão pela qual devem ser ouvidos os especialistas da área.

Desconheço a existência do aludido sistema em qualquer país. Um Imposto Único sobre Transações, vinculado a operações relacionadas com cheques, com o desenvolvimento da instituições financeiras, não pode ser do passado. Quando muito, poderia ser instituído a partir de 1950, quando os bancos se desenvolveram e a atividade bancária se alastrou em todos os países. Todavia, desconheço o fato de qualquer país ter agasalhado esse Imposto Único sobre Transações.

A instituição de um imposto sobre transações, do tipo recomendado, não depende apenas da vontade política da sociedade. Todo sistema tributário deve estar orientado para os propósitos fixados pela política financeira do Estado, adaptar-se à organização social e respeitar os princípios constitucionais, e na prática não destruir, debilitar ou comprometer a economia.

O Brasil, em todos os sistemas tributários, não teve uma espécie tributária semelhante, de área de incidência vasta, sobre as transações. O Imposto de Indústrias e Profissões, ruja incidência atingia a atividade industrial, comercial, financeira e de prestação de serviços, não onerava as transações, mas sim a própria atividade lucrativa. Não serve tal imposto como paradigma para o imposto projetado.

Mesmo um imposto único, com a oneração de uma única área de incidência, jamais existiu no Brasil. O conhecido imposto único sobre combustíveis e lubrificantes, sobre minerais do país e sobre a energia elétrica nada tinha de "único", a não ser a incidência nas diversas etapas econômicas. Esses impostos únicos coexistiam com os diversos impostos do sistema tributário nacional.

Com a devida vênia, a manifestação do eminente dr. Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, preconizando um Imposto Único sobre Transações, merece, ainda, maiores estudos.

Sem a menor dúvida deve-se dar um paradeiro a esse número exagerado de impostos, taxas e contribuições.

Todavia, o certo, penso eu, não seria dar um pulo elevado, partindo de um sistema tributário com multiplicidade de tributos para um sistema de um único imposto. Da pluralidade gigantesca do sistema tributário não se pode passar para a unidade simplória, onerando unicamente as transações. Onde ficaria a tributação do patrimônio (quem tem imóveis e aufere imensa renda ficaria livre da tributação) ou da renda? Não se pode esquecer que a multiplicidade das cargas tributárias permite estender e nivelar o peso dos impostos, de modo que a tributação seja mais tolerável.

Para a melhora do sistema tributário o caminho não seria uma volta ao passado, com a adoção de sistema tributário jurídico e não econômico (quanto à nomenclatura impositiva), muito menos de um sistema de tributação em cascata e não sobre o valor agregado. Todos os países do mundo europeu estão postulando um sistema econômico sobre o valor agregado. O imposto sobre transações, voltando para o passado, tem uma nomenclatura não-econômica e se apresenta como imposto em cascata. O ideal, nessa fase pela qual o país atravessa, seria adotar o sistema preconizado pelo prof. Rubens Gomes de Sousa, aprovado pela emenda constitucional nº 18, de 1965, em que os impostos do sistema

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tributário nacional eram divididos em quatro áreas: impostos sobre o comércio exterior (importação e exportação); impostos sobre o patrimônio e a renda (impostos sobre a propriedade predial e territorial e Imposto de Renda); impostos sobre a produção e a circulação (ISS, IPI, ICMS, IOF etc.); e impostos especiais (imposto sobre combustíveis líquidos e gasosos, sobre minerais do país e sobre energia elétrica). O grupo dos impostos especiais já foi suprimido. O Brasil poderia adotar impostos para os três grupos remanescentes, mas admitindo menos impostos. O Imposto Predial e Territorial Urbano e o Imposto Territorial Rural poderiam ser suprimidos; o ISS, o IPI e o ICMS poderiam ser adotados como um único imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços e assim por diante.

O Imposto Único sobre Transações traria um sistema tributário que não atenderia ao princípio da elasticidade nem ao da flexibilidade, muito menos ao da generalidade. O imposto em pauta, data venia, não respeita a capacidade contributiva, pois quem compra não tem a mesma capacidade contributiva de quem vende (ambos seriam onerados igualmente), violando o art. 145, parágrafo 12, da Constituição, que é princípio básico da tributação e não mera norma jurídica revogável.

Embora não acreditando num Imposto Único sobre Transações, preconizado pela proposta do eminente Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, a idéia merece a atenção de todos, pelos objetivos com que foi lançada (eliminação da corrupção fiscal, eliminação da sonegação, liberação de recursos reais significativos no setor privado e no setor público, além de outros) e pela honestidade intelectual de seu autor.

Um problema não combatido pelo ilustre autor foi o dos "regulamentos fiscais", em que algumas autoridades administrativas burocratizam a implantação de qualquer imposto, criando embaraços para coisas simples e dificultando a atuação dos contribuintes.

No documento Tributação no Brasil e o Imposto Único (páginas 109-112)