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IMPOSTO ÚNICO SOBRE TRANSAÇÕES: O MITO

No documento Tributação no Brasil e o Imposto Único (páginas 116-120)

Clóvis Panzarini

Jornal da Tarde, 27/11/91

A proposta do Imposto Único sobre Transações - IUT, agora formalizada na Emenda Constitucional nº 17/91, tem o fascínio de um modelo quase mágico que, segundo seu autor, substitui dezenas de tributos de custosa administração e alíquotas selvagens por um único imposto cuja indolor alíquota de 2% reproduziria a atual arrecadação tributária e economizaria 4% do PIB, mercê da possibilidade de extinção das administrações tributárias, pública e privada. Infelizmente, o paraíso fiscal prometido pelo IUT traria mais problemas do que soluções para o País, na medida em que introduziria uma anacrônica forma de tributação "em cascata", substituindo o sistema tributário por um enorme "Finsocial", que ninguém minimamente informado sobre o assunto ousa defender. Dentre os desastres que o IUT provocaria, destaco os que seguem:

1º) O modelo acentua extraordinariamente a ,regressividade do sistema, porque iguala os desiguais. Como justificar que o dividendo recebido pelo banqueiro tenha carga tributária idêntica à do salário do gari? No lado do produto, os absurdos são igualmente gritantes. Segundo o autor, o modelo promove progressividade automática, pois os bens mais sofisticados têm ciclo de produção mais longo e, portanto, sofreriam maior incidência tributária. Esse argumento, entretanto, só vale nas comparações entre produtos industrializados e os consumidos in natura, que pesam menos de 10% no orçamento familiar. Destarte, o trator teria carga tributária idêntica à do jet ski, o medicamento mais imposto que a aguardente e a lata de sardinha seria mais gravada que um maço de cigarros.

2º) O IUT inibe as exportações, pois, incidindo "em cascata", não permite a desoneração plena na ponta da demanda final. Dessa forma, o Brasil teria de competir no exterior exportando imposto. Se é válida o argumento do autor de que quanto mais sofisticada a mercadoria, maior sua carga tributária, o Brasil, com o IUT, teria de regredir ao ciclo do pau-brasil, pois os produtos mais elaborados teriam tributação proibitiva para o mercado externo.

3º) Problema dos mais sérios é a definição da partilha de arrecadação do IUT cujo critério, necessariamente, será político. Como se dividirá a receita entre os três níveis do governo e entre as unidades federadas? Certamente, a distribuição regional não se fará pelo critério do local da ocorrência do fato gerador, como candidamente tem propugnado o autor

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do modelo, pois tal critério quebraria os Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro- Oeste, majoritárias no fórum político da decisão. Entre a prancheta do estudioso e a implantação do modelo existe a realidade política do País; plasmados na representação do Congresso Nacional, existem os conflitos distributivos regionais.

4º) A proposta, que foi concebida basicamente para simplificar a vida dos cidadãos e evitar a sonegação, na prática não atenderia a nenhum dos dois objetivos. Alcançar-se-ia a elisão fiscal simplesmente evitando-se o sistema de compensação bancária. Os cheques circulariam de mão em mão e o dinheiro, uma vez sacado dos bancos, ainda que com a alíquota em dobro como propõe o autor (o que, diga-se de passagem, penaliza ainda mais os mais pobres, que não têm conta bancária), dificilmente retomaria a ele. O uso do sistema bancário passaria a ser um luxo caro, e tanto mais caro seria quanto mais os bancos fossem evitados, pois a alíquota do IUT, incidente sobre os cheques, teria de ser cada vez mais aumentada, para manter a máquina estatal. Seriam as transferências bancárias intrafamiliares e intra-empresariais tributadas? Se o forem, a tributação será iníqua; se por outro lado o modelo começar a abrir exceções, a máquina fiscal não poderá ser sequer reduzida.

5º) A festejada economia equivalente a 4% do PIB, que o modelo proporcionaria pela desativação da máquina fiscal do Estado e do contribuinte, infelizmente não se verificaria, pelo menos na magnitude sequer parecida com esta, pois o custo da administração fiscal está brutalmente superestimado. Bem distante dos 10% apresentados como custo médio da arrecadação fiscal, a União, que em 1990 arrecadou 65,8% de receita total (inclusive contribuições), gastou, naquele ano, com a administração fiscal o equivalente a US$ 460 milhões ou 0,57% de sua receita total, ou ainda 0,088% do PIB. Os Estados, em 1990, arrecadaram 30,5% da receita total, e gastaram, de acordo com levantamento em amostra representativa destes, entre 2% e 2,5% do total arrecadado. São Paulo, por exemplo, que responde por 40% da receita deste nível de governo, gasta cerca de 1,6% de sua receita com a administração tributária. Enfim, o efetivo custo da máquina fiscal é 80% inferior ao apresentado pelo autor e, mesmo com o IUT, ela não poderia ser eliminada, mas, talvez, apenas reduzida. Caso a alíquota prevista para o IUT tenha sido estimada com rigor técnico equivalente ao utilizado na estimativa do custo da máquina fiscal, corremos o risco de ver aqueles 2% transformados em 10%.

Finalmente, vale ressaltar que essa reforma provocaria importantes transferências interpessoais, inter-regionais e intersetoriais de renda. Certamente, não seriam apenas os sonegadores e a economia informal que pagariam a conta. É fundamental que se explicite se essas transferências de renda são intencionais, se já foram mensuradas e, em caso positivo, quais os resultados das simulações.

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A PROPOSTA DE

IMPOSTO ÚNICO

ESTÁ MADURA

Flávio Rocha

Jornal da Tarde, 29/11/91

O Imposto Único acaba de passar por mais um duro teste, o crivo do tributarista Clóvis Panzarini. Seu artigo no JT de 27.11.91 levanta pontos pertinentes discutidos durante a fase inicial de discussão de nossa emenda, e apenas vem reforçar a certeza de que estamos diante de uma proposta madura e pronta para implantação efetiva. Vamos aos pontos levantados pelo tributarista:

1 - Nem o mais apaixonado opositor do Imposto Único o acusa de provocar regressividade. Na pior das hipóteses, ele é rigorosamente proporcional. Esse fato constituiria, por si só, apreciável evolução em relação ao enormemente regressivo sistema atual. Dois fatores determinam a injustiça e a regressividade que o sistema tributário brasileiro comete contra o contribuinte. Primeiro, a carga fiscal sobre a folha de pagamentos. O trabalhador trabalha um dia para si e outro para o governo. Somos um País de salários miseráveis e custos de mão-de-obra altíssimos, em decorrência de um sistema que pune fortemente a base salarial. Como o trabalhador é o único agente econômico que não pode optar pela sonegação, cada vez que o governo precisa de dinheiro, está atingindo aquele que tem mais dificuldades em se desvencilhar da malha. Isso faz com que o Brasil possua uma das mais altas cargas tributárias sobre salário.

Outro fator de regressividade é a grande incidência de impostos indiretos, os mais regressivos. Um trabalhador de salário mínimo gasta 100% do que ganha enquanto consumidor, e a incidência média dos impostos indiretos é de 44%. Um marajá, que gasta 10% de sua renda e poupa 90%, estará pagando os mesmos 44% apenas sobre os 10% que consumiu - ou seja, 4,4% da receita total.

O sistema tributário atual é atualmente regressivo, e uma evolução para o sistema proporcional já seria um grande avanço, apesar de o imposto único possuir fortes elementos de progressividade. O ideal seria que tivéssemos um sistema perfeitamente proporcional, até um pouco progressivo do lado da arrecadação, com a justiça social do lado do gasto. A progressividade tributária vem sendo questionada em todo o mundo, porque traz consigo um subproduto socialmente indesejável, que é a evasão de capitais. Países com sistemas tributários fortemente progressivos estão revendo inteiramente seu conceito para conviver com as características do mundo moderno - a volatilidade e a fluidez do capital.

2 - O efeito do Imposto Único sobre as exportações. Não é verdade que o IU inibe as exportações, incidindo em cascata, não permitindo a competitividade plena. Os exportadores estão de acordo que o Imposto Único, mesmo que não fosse desonerado, provocaria aumento de competitividade muito grande para os produtos exportados. Desoneramos apenas ICMS e IPI, por meio de manobras contábeis. Mas exportamos os

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outros impostos, inclusive aquele que mais tira competitividade do produto brasileiro no Exterior, o imposto burocrático. Os produtos finais são onerados por máquinas burocráticas altamente custosas. O que vai mudar, portanto, é a metodologia para desonerar a carga tributária nos impostos exportados. Hoje a desoneração ocorre por meio de lançamentos contábeis. A desoneração do IU na exportação será feita pelo rebate fiscal, por meio da devolução do imposto no ato da exportação.

3 - A questão da partilha. O critério da partilha não será político, como sustenta o tributarista Panzarini. O Imposto Único pressupõe a automatização da partilha, que é onde estão as grandes brechas para a corrupção. O IU acabará com a corrupção fiscal, por meio da automatização de arrecadação, e com a corrupção na partilha das verbas. Hoje, a Comissão de Orçamento dispõe das verbas da União sem nenhuma transparência. Decide tudo em recinto fechado. E isso provoca distorções. Temos o exemplo do município de Serra Dourada, na Bahia, com 17 mil habitantes, que recebe 10 vezes mais que Curitiba e 15 vezes mais que Belém. Com o IU, o Congresso votará o critério de partilha, acabando com as posições pessoais, e o critério populacional será o adotado. A população é quem gera a demanda social do imposto. Camaçari, com 20 mil habitantes, retira hoje cerca de 30% do ICMS na Bahia, apesar de já ser beneficiada com os frutos de um pólo petroquímico de bilhões de dólares. Salvador, com graves problemas, vive com verbas bem menores. A partilha automática será a redenção dos Estados e municípios. Hoje os municípios arrecadam 0,8% do PIB e gastam quase 10 vezes isso. Essa diferença é perseguida por meio da nefasta política do "pires na mão". O IU irá acabar com esse estilo. Diariamente, serão creditadas nas contas dos 4.521 municípios, dos 27 governos de Estado e da União as suas cotas-partes, eliminando-se a multiplicidade dos estágios decisórios, imensos focos de corrupção.

4 - A questão da elisão fiscal. Duas providências de natureza administrativa eliminam inteiramente a possibilidade da elisão fiscal. O risco de o cheque circular entre empresas com endossos sucessivos será extinto por meio de medida que tornará cada endosso uma transação. Quem apresentar cheque com 5 endossos no verso deverá pagar não 1 %, mas 6% - 1 % relativo à transação original e mais 1 % para cada endosso. O cheque ao portador que circular indefinidamente, sendo apresentado pelo último que vai preencher o campo, será criminalizado. A penalidade será uma multa no valor do cheque, imposto à pessoa que apresentar o cheque: quem emitir um cheque ao portador correrá o risco de pagá-lo em dobro.

5 - O custo da administração fiscal. Não devemos considerar apenas os custos internos da máquina administrativa. Temos de computar com o ônus do sistema tributário outros custos. O renomado tributarista Eivany Silva, que já foi uma das maiores autoridades da Receita Federal, contabilizou em 8% do PIB o peso morto do imposto. Não é, portanto, 4% como lembra o tributarista Panzarini. O professor Silva diz que 3% é o que custa ao governo fiscalizar os 58 tributos, cabendo 5% à sociedade. Esses 8% incluem custos de regulamentação, da legislação, custos do judiciário, do aparato burocrático. Temos um Judiciário entupido com ações tributárias e um contencioso monumental. Quanto custa isso? Tivemos no ano passado 1.602 legislações tributárias, o que dá quase 8 por dia útil. Temos de considerar o aparato burocrático das empresas, duas contabilidades - uma gerencial e outra fiscal. Tudo isso gera os 8% do PIB que constituem peso morto do

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imposto. Se colocássemos esses recursos para a atividade produtiva, para salários, para investimentos, o impacto econômico seria brutal.

São essas as questões que compõem a moldura da verdade do Imposto Único.

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No documento Tributação no Brasil e o Imposto Único (páginas 116-120)