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6 RESULTADOS E DISCUSSÃO

6.1 Como as ideias circulam em texto

6.1.6 Biologia Unidade e Diversidade (FAVARETTO, 2013)

Esta coleção caracteriza-se por ter a biodiversidade como um eixo de discussão ao longo de seus três volumes, fazendo deste tema um elemento de integração e justificando seu título, unidade e diversidade. Ecologia é discutida no terceiro volume (BR6.3), mas já o primeiro (BR6.1), Vida – múltiplas dimensões de um fenômeno complexo, traz uma discussão densa sobre ciência e saberes tradicionais, no viés da diversidade biológica. A obra utiliza fartamente elementos externos à ciência como poesia, literatura e arte figurativa, e dá voz a pesquisadores como Antônio Carlos Diegues, Edward O. Wilson e Richard Dawkins, por exemplo. O primeiro capítulo da coleção abre com o verbete Ciência e saberes tradicionais, que tem como epígrafe uma longa citação do livro E se Obama fosse africano?, do biólogo e escritor moçambicano Mia Couto: “Sou biólogo e viajo muito pela savana do meu país. Nessas regiões encontro gente que não sabe ler livros. Mas que sabe ler o seu mundo. Nesse universo de outros saberes, sou eu o analfabeto. (...)”. Favaretto apresenta uma concepção de saberes:

Quando falamos de ciência, geralmente estamos nos referindo à chamada ciência moderna, que, apesar de nascer em universidades e centros de pesquisa, coexiste com outros processos de obtenção e acumulação de conhecimentos, como os saberes tradicionais. O escritor moçambicano Mia Couto trata com propriedade a questão, expondo a própria ignorância ao se deparar com um mundo que não é reconhecido como seu. No ambiente da savana africana, o saber acadêmico dá espaço aos saberes dos povos locais, capazes de reconhecer sinais e interpretar códigos desconhecidos da ciência convencional (FAVARETTO, 2013, v. 1, p. 14).

O autor retira da ciência a centralidade do conhecimento já em sua primeira intervenção, e, para isso, recorre não a um, mas a dois autores, pois logo após o parágrafo citado ele utiliza Antônio Carlos Diegues para a caracterização da economia das populações tradicionais, destacando a reduzida acumulação de capital, a ausência de trabalho assalariado e a pequena escala das atividades como agricultura, pesca, coleta e artesanato. E, retomando a palavra, Favaretto continua a descrever essas sociedades:

62 As discussões sobre meio ambiente se concentram nos capítulos de 1 a 8 do terceiro livro (BR6.3),

páginas de 14 a 175, e é sobre esse recorte da obra que é feita a maior parte das análises. A estrutura da obra, porém, distribui a discussão ambiental e sobre biodiversidade ao longo dos três volumes, e todas essas inserções foram consideradas na análise.

Caracterizam-se pelo trabalho familiar – ligado ao próprio sustento – pela tradição oral. São caboclos ribeirinhos amazônicos, quilombolas, caiçaras, babaçueiros e outros grupos, cada qual com seu conjunto de conhecimentos adquiridos em séculos de convivência com o meio natural que a visão urbana convencional entende como hostil. Outra marca dessas populações são as chamadas tecnologias de baixo impacto, associadas à agricultura, ao extrativismo ou à pesca em pequena escala, com baixo comprometimento da diversidade biológica (FAVARETTO, 2013, v. 1, p. 14).

Fica claro que era da biodiversidade que o autor falava desde a epígrafe. O exemplo seguinte trata da utilização por indígenas e quilombolas de plantas para a cura de doença e do grande conhecimento que eles detêm sobre suas propriedades terapêuticas. O papel dessas populações na conservação da biodiversidade da Amazônia é discutido a partir do ponto de vista dos pesquisadores, e o desaparecimento do conhecimento tradicional é creditado à degradação do ambiente físico e o desenraizamento dos saberes da própria população. Essa longa introdução termina com uma reflexão sobre quais são os requisitos para estudar biologia:

Para estudar biologia ou qualquer outra área de conhecimento, é preciso abandonar certas convicções e perceber que os saberes tradicionais são fundamentais para a constituição da ciência. Trata-se de um verdadeiro exercício de humildade, de desaprender e reaprender (FAVARETTO, 2013, v. 1, p. 14).

É notável que esta obra traga um texto com tamanha densidade para o primeiro momento do aluno de ensino médio, explicitando a centralidade da biodiversidade no estudo da biologia e descentralizando a posse do saber. Ainda nesse capítulo são apresentados os objetos de estudo da biologia, uma visão do que estuda a evolução, o papel das adaptações, a complexidade da vida, e a diversidade da vida, em um verbete que cita E. O. Wilson, autor de um livro com este nome. Uma seção mais extensa, Biodiversidade, a vida em interação, apresenta os elementos básicos de fluxo de matéria e energia na biosfera e define biodiversidade:

A palavra biodiversidade (grifo no original) expressa a diversidade de tipos de seres vivos encontrados em um ecossistema. Quanto maior a biodiversidade, maior o número de espécies e de relações que elas estabelecem entre si. Além disso, o termo biodiversidade também pode se referir às variedades existentes dentro de cada uma das espécies, visto que seus membros não são idênticos (FAVARETTO, 2013, v. 1, p. 20).

Sem coincidir com as definições de referência utilizadas nesta tese, essa definição aproxima-se mais daquela oferecida pela CDB, em particular quanto à estrutura do texto. Aparentemente, esta definição é suficiente para o desenvolvimento das discussões seguintes no LD. Isto fica evidente quando examinamos o uso do conceito de diversidade no capítulo 11 deste mesmo volume, Reprodução – bases citológicas, onde a variedade dentro das espécies é tratada: “A diversificação dentro da espécie é o que se chama variabilidade genética intraespecífica e decorre do fato de cada descendente receber material genético diferente dos demais” (FAVARETTO, 2013, v. 1, p. 211).

O livro 2 (BR6.2) trata dos grandes grupos de seres vivos e apresenta para todos eles cada tema na perspectiva da diversidade. Para bactérias, fungos, algas e protozoários há uma seção diversidade e classificação, para os animais vida e diversidade animal e para os vegetais diversidade vegetal. De maneira geral, a estrutura é semelhante àquela de outras obras, com o termo diversidade sendo empregado nas seções de cada grupo taxonômico sem maior reflexão, mas não só. Há espaço, por exemplo, para textos como o do MMA sobre a pesca artesanal em recifes, no capítulo 5, e o de Edward O. Wilson, extraído do livro Biodiversidade (Nova Fronteira, 1997), que discute a diversidade a partir das florestas tropicais, dois capítulos a seguir (FAVARETTO, 2013, v. 2, p. 98-99; 116-117).

O primeiro capítulo do livro 3 (BR6.3) começa com Efeitos da intervenção humana, texto que descreve a ocupação do arquipélago de Fernando de Noronha e dá destaque para a supressão da vegetação nativa e a introdução de espécies como ratos e camundongos, teiús e mocós, em diferentes momentos e por motivação diversa, mas sempre provocando grande desequilíbrio (FAVARETTO, 2013, v. 3, p. 14-15). Também os conflitos envolvendo a demarcação de terras indígenas servem de tema para discussão: um texto favorável à demarcação publicado no jornal Folha de São Paulo por Márcio Santilli e Raul do Vale é contraposto a outro, contrário, publicado no mesmo jornal pela presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, senadora Kátia Abreu, com um roteiro de discussão (FAVARETTO, 2013, v. 3, p. 30-31). Na mesma linha de discussão, o capítulo Biodiversidade – uma tapeçaria de formas de vida, começa com o texto Quando ecologia e economia se encontram, que discute o desmatamento em diferentes partes do mundo, como parte do processo de industrialização e avanço de fronteiras agrícolas. Determinar a

quantidade de espécies em cada ecossistema a partir de inventários de fauna e flora é apresentado como uma prioridade:

A ideia de preservação do patrimônio natural existe há muito tempo, mas somente a partir da Convenção Internacional sobre Biodiversidade (1992) estabeleceu-se um consenso mundial de que conhecer a diversidade da vida é meta prioritária para a conservação e para o desenvolvimento sustentável (FAVARETTO, 2013, v. 3, p. 67).

Números sobre a biodiversidade conhecida, em torno de 1,5 milhão de espécies, são comparados com estimativas que chegam à casa de 30 milhões. Uma comparação dos números de espécies conhecidas de mamíferos, aves, répteis e angiospermas entre o Brasil e outras regiões megadiversas permite comparar a situação de nosso país em relação aos demais, o que leva a textos sobre reserva legal, áreas de preservação permanente e o Código Florestal brasileiro. O discurso é predominantemente sistematizador e problematizador. Ao final do capítulo, em Biodiversidade e preservação: papel de todos, a proposta é claramente protagonistica, com um quadro O que você pode fazer? apontando ações: informe-se, alie-se, promova, reveja, divulgue e acompanhe são as chamadas para ações mais detalhadas.

A apresentação Biosfera e ação humana, que descreve os biomas brasileiros e algumas ameaças a que estão sujeitos, e volta a usar Mia Couto como referencial, numa alusão à tentativa malsucedida de convencer a população de Moçambique a não colocar fogo na savana quando de seus deslocamentos, e abrindo caminho para tratar do uso do fogo em outras partes do mundo, como no Brasil, e situando o homem como parte ativa da natureza:

É importante destacar, no entanto, que a utilização do fogo por essas populações sempre teve a finalidade de melhorar as condições da própria sobrevivência, sepultando o mito de ambientes naturais com paisagens intocadas. (...) O ser humano é um componente dos ecossistemas; a paisagem típica do cerrado resulta dessa interação (FAVARETTO, 2013, v. 3, p. 87).

Um capítulo inteiro é dedicado à água e à gestão dos recursos hídricos, iniciando com uma avaliação da transposição do Rio São Francisco, inclusive do ponto de vista da aceitação ou oposição em cada Estado envolvido, terminando com a afirmação de que esse projeto “revela como os limites políticos interferem na

discussão sobre a repartição da água, impedindo a realização de um debate puramente técnico” (FAVARETTO, 2013, v. 3, p. 128-129). Seguem-se verbetes sobre a qualidade da água e a saúde infantil, o Aquífero Guarani, a distribuição da água potável no mundo, entre outros temas, incluindo quadros sobre consumo individual e atitudes que economizam água e a produção de alimentos e consumo de água por quilo. A questão agrícola é tema ainda, ao final dos capítulos que tratam de ecologia, de um debate sobre Como tornar a agricultura brasileira sustentável, com a apresentação de dois textos seguidos de um roteiro de discussão. O primeiro texto apresenta a opinião dos movimentos sociais, e é de autoria de João Pedro Stédile, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, e o segundo de Leontino Baldo Júnior, da empresa Usina São Francisco S.A. Os textos são de duas páginas cada um e reforçam a característica dessa obra de dar voz a diferentes interlocutores e estimular o debate com a apresentação de posições divergentes sobre temas polêmicos e atuais.

Das obras do PNLD 2015 de biologia, esta é a que mais politiza o debate ambiental, tornando-o menos técnico, e fugindo da narrativa predominantemente sistematizadora e avançando na problematização e análise. Mais que isso, esse LD dá a professores e alunos a oportunidade de realizar um debate qualificado sobre o meio ambiente, e amplia os recursos para esse debate utilizando elementos da literatura, das artes e da produção cultural contemporânea. É, sem dúvida, a coleção que melhor explora as possibilidades oferecidas pelos documentos que orientam o PNLD 2015.