• Nenhum resultado encontrado

3 OS CONCEITOS DE BIODIVERSIDADE, CONSERVAÇÃO E

3.1 Espécie, um conceito central em biodiversidade e conservação

3.1.1 Extinção é para sempre!

A Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) reconhece nove categorias para determinar os status de uma espécie, sendo dois deles extinção. Uma espécie é declarada Extinta (EX) “quando não há nenhuma dúvida razoável de que o último indivíduo morreu” e Extinta na Natureza (EW) “quando se sabe que só sobrevive cultivada, em cativeiro ou como população introduzida (ou populações) fora de sua área de distribuição original” (IUCN, 2012)29. São muitos os exemplos de espécies na categoria EW e, para algumas delas há expectativa de que sejam um dia reintroduzidas em seu hábitat original, como o mutum-do-nordeste (Pauxi mitu), o orix-do-saara (Oryx dammah) e a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii). No entanto, programas de reintrodução de espécies são caros, demorados, exigem múltiplos esforços e estão muitas vezes relacionados à reintrodução de subespécies ou de espécies que se extinguiram localmente. O cavalo-de-przewalski (Equus ferus przewalskii) e o orix-da-arábia (Oryx leucoryx) são exemplos.

Muito mais numerosos são os casos de espécies extintas (EX), fato que se estima ocorra várias vezes num mesmo dia em todo o mundo em taxas ainda não consensuais (HE; HUBBELL, 2011; DE VOS et al, 2015). A grande maioria dessas espécies estariam se extinguindo antes de serem descritas, ou seja, sua existência jamais chegou ao conhecimento da ciência. Um exemplo notável dessa situação vem de uma espécie que não se extinguiu, mas que esteve no limiar de desaparecer sem

29 Em 2015 a IUCN trabalhava com duas novas categorias: CR(PE) - Criticamente Ameaçada

(Possivelmente Extinta) [Critically Endangered (Possibly Extinct)] e CR(PEW) - Criticamente Ameaçada (Possivelmente Extinta na Natureza) [Critically Endangered (Possibly Extinct in the Wild) (IUCN, 2015).

Disponível em

http://cmsdocs.s3.amazonaws.com/summarystats/2015_2_Summary_Stats_Page_Documents/2015_ 2_RL_Stats_Table_9.pdf. Acesso em 23 out. 2015).

que tivéssemos conhecimento de que ela houvesse realmente existido. Em 1648 foi publicado o livro Historia Naturalis Brasiliae do naturalista holandês Guilherme Piso (1611-1678) com a descrição de diversas espécies do nordeste brasileiro entre as quais um primata descrito por Georg Marcgrave (1610-1644) e denominado caitaia, do qual foi feita apenas uma ilustração30. Em 1774, Johann Cristian Daniel von Schreber descreveu a espécie como Simia flavia e nos anos seguintes esse macaco- prego recebeu várias descrições e denominações diferentes, prevalecendo a partir de 1987 a posição de Hershkovitz que não a considerava uma espécie válida (OLIVEIRA; LANGGUTH, 2006). A situação só iria mudar em 2006, quando dois trabalhos foram publicados, um descrevendo a espécie como Cebus flavius (OLIVEIRA; LANGGUTH, 2006), que identificaram o primata como sendo o mesmo descrito por Marcgrave 367 anos antes, e Cebus queirozi (PONTES; MALTA; ASFORA, 2006), tomado por uma espécie totalmente nova. A espécie é hoje denominada Sapajus flavius e sobrevive em apenas 26 fragmentos florestais nos estados de Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte (BRASIL, 2011c). Por muito pouco, o macaco-prego-galego ou caitaia não foi extinto sem que se soubesse que se tratava do mesmo animal descrito durante a ocupação holandesa no século XVII.

O caso do macaco-prego-galego é uma importante exceção. Amaral (2015) relata que em um estudo com 1966 táxons de aves brasileiras, 173 espécies e 61 subespécies foram consideradas ameaçadas, com o percentual de espécies com algum grau de ameaça passando de 6,8% em 2003 para 9,1% em 2014. Mais grave ainda é a situação de três espécies endêmicas do Nordeste que foram consideradas por Pereira et al. (2014) provavelmente extintas: Glaucidium mooreorum, o caburé- de-pernambuco, descrita apenas em 2002; Cichlocolaptes mazarbarnetti, o gritador- do-nordeste, descrito em 2014, mesmo ano de seu desaparecimento; e, Philydor novaesi, o limpa-folha--do-nordeste, descrito em 1983. Estas parecem ser as primeiras evidências de extinção de espécies endêmicas de aves brasileiras da atualidade, causadas pela destruição, fragmentação e alteração de hábitat, sem que qualquer uma delas tivesse sido alvo da ação direta do homem, seja por caça ou captura (PEREIRA et al, 2014; AMARAL, 2015).

30 Marcgrave descreveu 32 espécies de mamíferos, todas com nomes comuns. Mais tarde, 15

receberam nomes científicos e as demais 17, entre elas o caitaia, permaneceram apenas com o nome comum (HERSHKOVITZ, 1987 apud OLIVEIRA e LANGGUTH, 2006).

Primeiro bioma brasileiro a ser impactado pela presença do colonizador europeu, a Mata Atlântica é também fonte de importantes exemplos de recuperação ambiental. Ainda no século XIX a cidade do Rio de Janeiro, então capital do Império do Brasil, passou por dificuldade no abastecimento de água potável devido ao esgotamento dos mananciais, decorrente da retirada da cobertura vegetal original para fins de crescimento urbano, mineração, criação de gado e produção agrícola, em particular cana e café: “com o empobrecimento das florestas, a salubridade foi sendo gradativamente prejudicada, as minas de água diminuíram a sua produção ou vieram, algumas, a desaparecer, as secas fazem sua aparição, o calor se torna terrível” (MORALES DE LOS RIOS FILHO, 2000, p.45). Um esforço bem-sucedido de recuperação foi feito por ordem direta do imperador D. Pedro II, com o replantio de uma larga faixa de terra em torno do Maciço da Tijuca, estabelecendo uma nova cobertura florestal e formando toda a área que hoje é o Parque Nacional da Tijuca e suas adjacências. Com 3.953 hectares, o Parque Nacional da Tijuca abriga uma floresta secundária que é considerada a maior floresta urbana do planeta e sofre contínua ameaça com a expansão urbana, com progressiva ocupação de suas bordas e conflitos fundiários relacionados à ocupação irregular (BRASIL, 2008; SIQUEIRA, 2013).

Um segundo exemplo importante, é o relativo sucesso obtido no trabalho de recuperação da biodiversidade da Mata Atlântica, relacionado à conservação de espécies ameaçadas de extinção como, para ficar apenas em alguns exemplos de primatas endêmicos deste bioma, os muriquis (Brachyteles aracnoides ao sul e Brachyteles hypoxanthus, ao norte) e os micos-leões (Leontopithecus rosalia, o mico- leão-dourado do estado do Rio de Janeiro; Leontopithecus chrysomelas, o mico-leão- de-cara-dourada do sul da Bahia; Leontopithecus crhysopygus, o mico-leão-preto, do oeste de São Paulo e Paraná; Leontopithecus caissara, do litoral norte do Paraná)31 (MACHADO et al., 2008; CAMPANILI; SCHAFFER, 2010). As seis espécies citadas são altamente dependentes do ambiente florestal, e sofreram com o desmatamento e a caça de maneira que suas populações estão em declínio desde os primeiros contatos com o colonizador europeu e foram reduzidas a poucas centenas de

31 A Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para Conservação da Natureza

(IUCN) classifica os micos-leões dourado, de-cara-dourada e preto e o muriqui-do-sul como ameaçados (EN) e o mico-leão-de-cara-preta e o muriqui-do-norte como criticamente ameaçados (CR), todas com tendência de declínio da população exceto pelo mico-leão-dourado cuja tendência é de estabilidade (IUCN, 2015).

indivíduos cada uma, com uma distribuição altamente fragmentada (IUCN, 2015). Essas espécies têm hoje programas de conservação que, se por um lado, ainda não conseguiram reverter o histórico decréscimo das populações, por outro, foram capazes de organizar esforços, captar recursos, desenvolver tecnologias específicas de conservação e sensibilizar parcelas opinião pública para sua importância. Os resultados de conservação mais visíveis estão relacionados ao mico-leão-dourado, cuja recuperação começou em meados da década de 1980 a partir da Reserva Biológica Poço das Antas, unidade de conservação (UC) federal localizada nos municípios de Silva Jardim e Casemiro de Abreu, às margens da rodovia BR-101, a 120 km da cidade do Rio de Janeiro. O sucesso obtido em aumentar o número de indivíduos na natureza, a ponto de hoje a população ser considerada estável, levou à necessidade de se encontrar novas áreas para reintrodução, o que foi feito tanto por assegurar a recuperação de áreas já protegidas, como por esforços de regeneração de outras, antes utilizadas para fins agropastoris ou já abandonadas. Junte-se a isso, a elaboração de um programa de criação de corredores ecológicos, com a participação de órgãos ambientais federais, estaduais e municipais, setores da iniciativa privada, proprietários de terra, ONGs, e diversos órgãos internacionais (MACHADO et al., 2008). Estas são iniciativas que só se concretizarão a médio e longo prazo, mas inspiram-se no sucesso da recuperação da Floresta da Tijuca e beneficiarão não apenas o mico-leão-dourado, mas, no caso do Rio de Janeiro, um grande número de outras espécies animais e vegetais.