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2. BLOCO INICIAL DE ALFABETIZAÇÃO E CENTRO DE REFERÊNCIA EM

2.5. Bloco Inicial de Alfabetização e a concretude da realidade

Para compreender o processo de implantação do BIA no Distrito Federal, foi necessário desvelar os fatos que foram escritos e inscritos durante essa instituição. Algumas situações foram vivenciadas enquanto atuei como professora do curso PIE/SEEDF/UnB e como professora e coordenadora pedagógica do CEF 18 de Taguatinga. Portanto alguns dos relatos apresentados foram baseados nessa vivência, recuperados por meio dos registros de atividades coletivas e individuais, realizados na época.

BIA: implicações de sua implantação

A implantação do BIA iniciou-se em 2005, na cidade de Ceilândia, de acordo com explicações da Subsecretária de Educação Pública, na reportagem “No DF o ensino fundamental vai durar 9 anos” (2004), divulgada no site34 da SEEDF. O motivo para a implantação do BIA ser iniciado nesta cidade, justificado nessa reportagem, referiu-se ao fato de que esse local apresentava o maior índice de atendimento às crianças pelo programa “Quanto mais cedo melhor” e por ter uma estrutura física adequada ao funcionamento dos trabalhos. Essa informação, mesmo sendo divulgada pela reportagem, no site da SEEDF, parece não ter atingido o público do professorado, pois a maioria dos professores desconhecia o motivo da escolha dessa cidade. Inclusive as professoras que exerciam regência nessa cidade e cursavam o PIE, na turma em que fui professora mediadora. Por essa razão foram vários os relatos que apontavam resistências dos professores à implantação do BIA. Uma das cursistas comentou, na época, que “a minha escola está uma confusão, as turmas de 3ª e 4ª

séries foram transferidas para outra escola, pois lá só vai ter BIA”. E concluiu dizendo “ninguém sabe nada, as coisas acontecem” e isso, cada vez mais, provocava a resistência dos professores.

Talvez o conhecimento do motivo que levou a SEEDF a começar a implantação do BIA naquela cidade pudesse diminuir a resistência à proposta, afinal representava uma justificativa compreensível, uma vez que oportunizaria a democratização legal do acesso à escola para todas as crianças. Outro fato que acirrava a resistência dos professores, relatado

pelas cursistas, adveio, também, da decisão da Secretaria de Educação em não realizar os concursos de remoção externa e interna, no final ao ano de 2004. Esse é um meio pelo qual os professores podem mudar o seu local de trabalho, seja de uma escola para outra, ou de uma cidade para outra, o que geralmente vinha ocorrendo a cada final de ano. Mas nesse ano, os professores mesmo desejando sair da escola, porque não gostariam de trabalhar com turmas de BIA, tiveram que permanecer naquela instituição ou encontrar uma permuta. Uma das cursistas comentou “não vai haver concurso de remoção, os professores estão negociando a

permuta, quem quer trabalhar com o BIA acaba trocando de escola com quem quer trabalhar

com 3ª ou 4ª séries”.

No final de 2005, iniciaram-se as discussões sobre a implantação da proposta, em Taguatinga, das quais participei como professora e coordenadora pedagógica do CEF 18. Em novembro desse mesmo ano, houve a indicação de duas escolas dessa cidade para sediarem o Centro de Referência em Alfabetização. Foram indicados o CEF 18 e a Escola Classe 41 (EC 41), um para atender a demanda da região Norte da cidade e outro para atender a região Sul. Ao CRA/CEF 18 coube o atendimento aos professores atuantes no BIA nas quatorze escolas35 da região Sul de Taguatinga.

Diante do emaranhado contexto em que ocorreu a implantação do BIA no Distrito Federal, busco delimitar minha compreensão acompanhando o processo vivido no CRA/CEF 18, local escolhido como campo de pesquisa.

BIA e CEF 18: conhecendo a proposta

Somente os professores das duas escolas indicadas para sediarem o CRA receberam as orientações do Departamento de Educação Infantil - Gerência das Séries Iniciais (DEIF/GSI), e o documento com as Orientações Gerais (versão preliminar, 2005); por ocasião da reunião36 com os professores das escolas indicadas para sediarem o CRA, em dezembro de 2005. Um dos pontos destacados referiu-se à polêmica sobre a avaliação diagnóstica. Uma professora do

35 O CRA CEF 18 atende a 14 Escolas Classes, a 2 Centros de Ensino Fundamental e ao CAIC Walter José

Moura, perfazendo um total de 28.392 crianças e 333 professores alfabetizadores. Lembrando que o CRA CEF 18 atendeu, inicialmente somente às escolas situadas na região Sul de Taguatinga. O termo Escola Classe, utilizado no Distrito Federal, refere-se à escola que atende os anos iniciais do Ensino Fundamental.

36 Reunião realizada no Centro de Ensino Fundamental 18 de Taguatinga, no dia seis de dezembro de 2005, com

a presença das duas escolas indicadas para serem, em 2006, os Centros de Referência em Alfabetização: CEF 18 e EC 41. Gravada e editada pelo professor do CEF 18, Elso Hitashi, disponível em DVD.

CEF 18 comentou que, ao buscar informações no CRA de Ceilândia, tomou conhecimento de uma “avaliação diagnóstica com 29 páginas para ser preenchida por criança”, no entanto, naquele momento lhe foi informado que haveria mudança, mas ainda estava sendo definida. A ausência, na proposta, da Alfabetização Matemática também foi percebida e questionada por uma professora dessa mesma escola. Ela argumentou que na leitura do documento observou a citação de habilidades e competências referentes à língua portuguesa, mas a proposta “não faz

nenhuma alusão ao raciocínio lógico matemático e eu tenho uma preocupação a esse respeito, porque a alfabetização matemática também é muito importante”. Houve a resposta de que a equipe do DEIF/GSI também havia percebido essa falta.

Além da avaliação diagnóstica e da ausência da matemática no documento, outra questão que provocou grande desassossego referiu-se à enturmação. Conforme o documento com as Orientações Gerais para o BIA (versão preliminar, 2005), as crianças deveriam ser enturmadas em cada uma das etapas de acordo com a idade. Dessa forma, as crianças, mesmo não estando alfabetizadas, seriam matriculadas em qualquer uma das etapas, pois o parâmetro para matriculá-las desconsidera seu processo de aprendizagem. Caso fosse possível opinar, mudar, a escola poderia organizar as turmas de outra forma, enturmando as crianças, utilizando outros critérios. Uma professora questionou às representantes do DEIF/GSI se seria possível haver mudança, dizendo: “ao iniciar o ano que vem, os alunos que nós temos hoje

serão reagrupados nestas etapas, conforme a idade? Eu tenho uma primeira série, alguns alunos vão ficar retidos, como iremos proceder? Eles vão para que etapa?”. As responsáveis pela apresentação da proposta foram categóricas: a enturmação deveria ser realizada considerando apenas a idade, este seria um dos itens das diretrizes para a Estratégia de Matrícula no ano seguinte. Não haveria possibilidade de realizá-la de outra forma, a escola teria que organizar as turmas considerando apenas esse critério.

Isso representava um enorme desafio, pois era o final de um ano letivo e o processo de avanço das crianças para a etapa seguinte estava sendo mudado. Algumas discussões foram realizadas pelo grupo de professores, após a reunião e agarrando-se ao regimento escolar, foi possível repensar e promover alguns ajustes, não permitindo que algumas crianças tivessem que refazer a etapa cursada naquele ano. Infelizmente não foi possível reorganizar a questão das crianças promovidas para uma etapa, na qual não tinha condições de acompanhar as atividades nela propostas, o que segundo esse documento, em alguns casos, seria atingido pelo Projeto Interventivo que atenderia às crianças da etapa III.

Os professores comentavam que essas discussões poderiam anteceder sua concretização, antes que a proposta fosse instituída, os professores deveriam conhecê-la,

participando de sua elaboração e não da forma como estava ocorrendo. Afinal, quando começaram a conhecê-la, faltavam apenas dez dias para o encerramento do ano de 2005, seguido das férias coletivas e do início do novo ano escolar no qual a proposta estaria sendo instituída.

Nessa circunstância, os professores puderam simplesmente tomar conhecimento da proposta. A intenção de discuti-la, opinando e participando de novas elaborações, poderia ter sido talvez, um aperfeiçoamento do vivido, dentre outros37, pela educação mineira, quando o governo promoveu a participação dos profissionais da educação na escolha da forma em que organizaria a escolaridade, se em séries ou ciclos, conforme relato apresentado por Franco e Fernandes (2001). No caso do Distrito Federal, a participação dos professores não seria por meio de um plebiscito para definir o modo de organizar a escolaridade. Seria a participação, contribuindo com suas experiências para adequar a proposta à realidade vivenciada. Seria a oportunidade de trabalhar a proposta possibilitando aos professores condições de aproximá-la de suas dúvidas, dos seus saberes, buscando resolver os problemas do dia-a-dia da sala de aula. Se, na apresentação da proposta do BIA, os professores tivessem participado, reelaborando-a, essa teria sido a oportunidade para inovar o modo de instituir políticas públicas. Teria sido uma experiência singular que poderia contribuir com novas perspectivas para a concepção de outras propostas educacionais. Poderia ter sido dada a oportunidade para que os professores alterassem a proposta, que pudessem reelaborá-la conforme os questionamentos apresentados pelo grupo. Uma professora indagou à equipe do DEIF/GSI:

“tem como a gente discordar ainda, nessa altura do campeonato?”. Os professores queriam saber se poderiam repensar, discutir, buscar a melhor forma para a escola se adequar às mudanças. Caso fosse possível, este poderia ser um momento que deslancharia tal discussão, no entanto foram informados de que a proposta estava sendo apenas “repassada”, seria impossível tecer considerações para reelaborá-la. Infelizmente os professores ainda são considerados meros executores. Os saberes elaborados nos anos de experiência são desconsiderados e a proposta deveria ser aplicada ipis litere, tal qual, definida pelos especialistas.

37 A respeito dessa questão há trabalhos realizados por pesquisadores que podem contribuir com outras

informações, dentre eles cito: ANDRADE, Irene Rodrigues, (1992). Ciclo básico: da proposta transformadora de alfabetização à realidade de sua prática. Dissertação de mestrado. Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. CANGUSSU, Maria Aparecida Rodrigues, (2001). Progressão continuada na escola pública mineira: limites e avanços. Dissertação de mestrado. Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. VASCONCELLOS, Celso dos S., (1999). Ciclos de formação: um horizonte libertador para a escola no 3º milênio. Revista de Educação AEC, no 111, p. 83-95.

Logo após, o grupo de professores das duas escolas indicadas para sediarem o CRA, se organizou e, cada um, à sua forma, tomou conhecimento de tal documento. O CRA/CEF 18 recebeu uma cópia desse documento e, por meio de xérox, o disponibilizou aos professores para seu conhecimento mais detalhado, o que foi realizado, no pouco tempo que lhes restava e em meio à agitação das atividades do final de ano.