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Capítulo 5 DECISÕES EMBLEMÁTICAS NO BRASIL SOBRE A

5.3. Bloqueio do aplicativo WhatsApp no Brasil

O acesso à internet pela telefonia móvel é deveras intenso no Brasil, onde em cada local, público ou privado, é possível divisar alguém com um telemóvel

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Esta foi a ementa do acórdão: “CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. 1. INTERNET. PROVEDOR DE PESQUISA. EXIBIÇÃO DE RESULTADOS. POTENCIAL OFENSIVO. AUSÊNCIA. DANO MORAL. AFASTADO. 2. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC. GRATUIDADE DO SERVIÇO. INDIFERENÇA. CORRESPONDÊNCIA ENTRE OS RESULTADOS E A PESQUISA. AUSÊNCIA. EXPECTATIVA RAZOÁVEL. FALHA DO SERVIÇO. CONFIGURAÇÃO. 3. OBRIGAÇÃO DE FAZER PERSONALÍSSIMA. DECISÃO JUDICIAL. INÉRCIA RENITENTE. MULTA COMINATÓRIA. FIXAÇÃO DE PATAMAR ESTÁTICO. INSUFICIÊNCIA RECONHECIDA. 4. RECURSOS ESPECIAIS PARCIALMENTE PROVIDOS. 1. Recurso especial em que se debate a responsabilidade civil decorrente da discrepância entre o resultado de busca e a alteração do conteúdo danoso inserido em sítio eletrônico, bem como a obrigatoriedade de atualização dos resultados de busca conforme o novo conteúdo disponível no momento da consulta. 2. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, os provedores de pesquisa fornecem ferramentas para localização, dentro do universo virtual, de acesso público e irrestrito, de conteúdos relacionados aos termos informados para pesquisa. 3. Não contém aptidão para causar dano moral a exibição dos resultados na forma de índice, em que se relacionam links para páginas em que há conteúdos relacionados aos termos de busca, independente do potencial danoso do conteúdo em si ou dos termos da busca inseridos pelos internautas. 4. Os provedores de pesquisa podem ser excepcionalmente obrigados a eliminar de seu banco de dados resultados incorretos ou inadequados, especialmente quando inexistente relação de pertinência entre o conteúdo do resultado e o critério pesquisado. 5. A ausência de congruência entre o resultado atual e os termos pesquisados, ainda que decorrentes da posterior alteração do conteúdo original publicado pela página, configuram falha na prestação do serviço de busca, que deve ser corrigida nos termos do art. 20 do CDC, por frustrarem as legítimas expectativas dos consumidores. 6. A multa cominatória tem por finalidade essencial o desincentivo à recalcitrância contumaz no cumprimento de decisões judiciais, de modo que seu valor deve ser dotado de força coercitiva real. 7. A limitação da multa cominatória em patamar estático pode resultar em elemento determinante no cálculo de custo-benefício, no sentido de configurar o desinteresse no cumprimento das decisões, engessando a atividade jurisdicional e tolhendo a eficácia das decisões. Documento: 59116345 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJe: 19/05/2016 Página 1 de 2 Superior Tribunal de Justiça 8. A multa diária mostrou-se insuficiente, em face da concreta renitência quanto ao cumprimento voluntário da decisão judicial, impondo sua majoração excepcional por esta Corte Superior, com efeitos ex nunc, em observância ao princípio da não surpresa, dever lateral à boa-fé objetiva processual expressamente consagrado no novo CPC (art. 5º). 9. Recursos especiais parcialmente providos.” Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=591163 45&num_registro=201502238660&data=20160519&tipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 15/08/2016.

utilizando algum aplicativo de conexão ao ciberespaço. Entre os muitos aplicativos de comunicação utilizados pelos usuários, o Facebook e o WhatsApp são, sem sombra de dúvida, os mais populares no país, o que é fato público e notório.

Segundo reportagem da conceituada revista Exame publicado no seu sítio eletrônico, o WhatsApp figurou em primeiro lugar na lista dos aplicativos com mais downloads realizados no Brasil340, o que demonstra a massificação desse software na população brasileira com acesso à internet por meio de telefones celulares.

O aplicativo WhatsApp foi criado em 2009 pelo ucraniano Jam Kaoum como mecanismo de troca de mensagens entre telemóveis341, posteriormente passando também a permitir o câmbio de imagens, vídeos e a realização de chamadas pelos usuários. Em pouco período, o aplicativo teve enorme aceitação pelos consumidores de tecnologia e a sua multiplicação pelos telefones celulares no mundo inteiro foi vertiginosa, tanto que atraiu a atenção da empresa Facebook, que comprou o WhatsApp no ano de 2014342.

Como destacado, os consumidores brasileiros aderiram com entusiasmo à proposta do WhatsApp de permitir com facilidade a troca de dados, chegando-se ao ponto de o aplicativo ser utilizado à exaustão na sociedade para inúmeras finalidades, como trabalho, lazer, propaganda política, engajamentos e mobilizações sociais, relacionamentos amorosos, práticas criminosas etc. São inclusive comuns a criação de grupos no aplicativo, compostos por vários usuários, para a discussão de temas variados e até mesmo para a realização de verdadeiras assembleias de deliberação.

Nas miríades de recursos do ciberespaço, o WhatsApp conquistou seu protagonismo na promoção da liberdade de expressão e do direito à informação, gerando nítida relação de dependência nas rotinas dos usuários. Para os milhões de internautas brasileiros, seria praticamente impensável simplesmente eliminar o

340 CAPUTO, Victor. Os 10 apps mais baixados no Brasil em 2015. Exame.com – Tecnologia. 27

jan 2016. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/os-10-apps-mais-baixados-no- brasil-em-2015#3>. Acesso em: 02 set. 2016.

341 Quem é o criador do WhatsApp. O Globo

– Tecnologia. 20 fev 2014. Disponível em:

<http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/quem-o-criador-do-whatsapp-11663905>. Acesso em: 02 set. 2016.

342 GOMES, Helton Simões. Criado em 2009, WhatsApp cresceu mais rápido que Facebook em 4

anos. Portal G1 – Tecnologia e Games. 20 fev 2014. Disponível em:

<http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/02/criado-em-2009-whatsapp-cresceu-mais-rapido-que- facebook-em-4-anos.html>. Acesso em: 02 set. 2016.

aplicativo do dia a dia sem sua substituição por ferramenta que ostentasse a mesma popularidade. O impensável, inimaginável, inconcebível para esses usuários, porém, aconteceu.

Em intervalo inferior a dois anos, o uso do WhatsApp no Brasil inteiro foi proibido por força de decisões provisórias de magistrados de primeira instância proferidas em processos concernentes a investigações criminais. Os fundamentos invocados em todas as decisões foi a recusa do WhatsApp em colaborar com o Poder Judiciário fornecendo dados de comunicações necessários para a apuração de infrações penais.

O primeiro caso ocorreu em 25 de fevereiro de 2015, quando o juiz Luís Moura Correia, do Poder Judiciário do Estado do Piauí, determinou a suspensão do funcionamento do aplicativo no território nacional343. Nesse episódio, a empresa conseguiu liminar em mandado de segurança impetrado no Tribunal de Justiça do Estado do Piauí e o aplicativo não chegou a ser efetivamente bloqueado. No segundo caso, o aplicativo ficou aproximadamente 12 horas bloqueado em decorrência de decisão oriunda da 1ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo/SP, em 17 de dezembro de 2015344. A terceira determinação de bloqueio, o qual durou 25 horas, aconteceu em 02 de maio de 2016, por ordem do juiz Marcelo Montalvão do Poder Judiciário do Estado Sergipe, decisão cassada pelo desembargador Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima, membro do Tribunal de Justiça daquele Estado, o qual na sua decisão de desbloqueio consignou que a suspensão do WhatsApp “gerou caos social em todo o território, com dificuldade de desenvolvimento de atividades laborativas, lazer, família etc.”345. O bloqueio mais recente ocorreu em 19 de julho de 2016, em virtude de decisão do Poder Judiciário do Rio de Janeiro que paralisou o funcionamento do WhatsApp por cinco horas, sendo que nesse último caso a magistrada havia ordenado à empresa que procedesse à desabilitação da criptografia que assegura o sigilo das mensagens, a

343 Decisão de juiz do Piauí manda tirar WhatsApp do ar em todo o Brasil. Portal G1

– Piauí. 25 fev

2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2015/02/decisao-de-juiz-do-piaui-manda- tirar-whatsapp-do-ar-em-todo-o-brasil.html>. Acesso em: 02 set. 2016.

344 WhatsApp é alvo de 4ª decisão de bloqueio no Brasil; relembre outros. Folha de São Paulo

Mercado. 19 jul. 2016. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/07/1793284-

whatsapp-e-bloqueado-pela-4-vez-no-brasil-relembre-outros-casos.shtml>. Acesso em: 02 set. 2016.

fim de permitir o monitoramento em tempo real das comunicações de investigados que utilizam o aplicativo346.

A defesa do WhatsApp contra essas decisões baseou-se na alegação de que lhe seria impossível compartilhar as informações requeridas pelo Poder Judiciário para instruir as investigações criminais porque não armazena as conversas dos usuários no seus servidores. Dessa forma, o acesso ao teor das mensagens dependeria da alteração da criptografia adotada pelo WhatsApp para proteger a privacidade dos usuários.

As decisões em exame levantam várias questões para debate. De início, no que é essencial, impende a reflexão sobre a proporcionalidade da determinação judicial do bloqueio de aplicativo utilizado em massa no país para comunicação e divulgação de informações em virtude de alegado descumprimento de ordem do Poder Judiciário em um caso concreto.

Temos, de um lado, milhões de brasileiros que, repise-se, incluíram o WhatsApp em sua vida diária como instrumento para realização dinâmica e eficiente de atividades que dependem do compartilhamento de informações e da liberdade de expressão, e do outro lado está o interesse da Justiça criminal em investigar delitos que, em tese, poderiam ser solucionados com o fornecimento de mensagens encaminhadas pelo aplicativo. Parece-nos aí, com a devida vênia, evidente o desequilíbrio dos pesos dos interesses em jogo. No juízo preliminar de ponderação, o sacrifício da liberdade de expressão e do direito à informação com o bloqueio do aplicativo em âmbito nacional afigura-se demasiado forte em relação ao sacrifício que imporia aos interesses tutelados por meio da persecução penal (ordem pública, punição de deliquentes etc.) caso não se ordenasse a suspensão do funcionamento da ferramenta.

Ademais, no crivo do princípio da proporcionalidade, a própria adequação do bloqueio é questionável, considerando o argumento técnico apresentado pelo WhatsApp de que a criptografia das mensagens e o não armazenamento delas no servidores da empresa tornaria impraticável o cumprimento da determinação judicial

346 MAIA, Felipe. Decisão judicial aumenta pressão para WhatsApp abrir dados no Brasil. Folha de

São Paulo Mercado. 20 jul. 2016. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/07/1793445-decisao-judicial-aumenta-pressao-para- whatsapp-abrir-dados-no-brasil.shtml>. Acesso em: 02 set. 2016.

de quebra do sigilo das comunicações dos usuários. Por conseguinte, nenhuma utilidade teria a decisão de bloqueio.

Na situação específica da quarta decisão de suspensão dos serviços do WhatsApp acima referida, a pretensão do Poder Judiciário de que a empresa modifique o seu sistema de criptografia para permitir o monitoramento das conversas dos usuários implica nítido excesso do poder público violador de direitos fundamentais, como a segurança e a privacidade. Sobre essa derradeira decisão, no ponto, o Supremo Tribunal Federal, pelo seu presidente ministro Ricardo Lewandowski, concedeu liminar nos autos da Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 403/SE, derrubando a suspensão do aplicativo determinada pela Justiça do Rio de Janeiro. Sem adentrar a discussão sobre a viabilidade técnica de a empresa fornecer os dados requisitados pelo Poder Judiciário, que ficou para oportunidade ulterior, o ministro enfatizou que o bloqueio do WhatsApp em todo o Brasil denotava violação à liberdade de expressão consagrada como direito fundamental na Constituição da República e, outrossim, como princípio disciplinador do uso da internet no país previsto no artigo 3º, inciso I, da Lei nº 12.965/2014, salientando ainda que a medida restritiva em tela seria “medida desproporcional ao motivo que lhe deu causa”347.

Reputamos, portanto, que a drástica determinação de bloqueio do WhatsApp no país interior, nas situações expendidas, representou um passo atrás do Estado brasileiro na tutela da liberdade de expressão e do direito à informação no ciberespaço, caminho que percorreu a contramão dos grandes avanços conquistados nesse domínio nos últimos anos, principalmente com o advento do Marco Civil da Internet. O retrocesso, por ora, foi freado pela ação do Supremo Tribunal Federal, que ainda se pronunciará em definitivo sobre o problema.

Registre-se, em arremate, que o Decreto nº 8.771/2016, regulamentador do Marco Civil da Internet, aparentemente trouxe importantes argumentos jurídicos para contestar o bloqueio do WhatsApp e de outras aplicações da internet que veiculam comunicações entre os usuários. Com efeito, o § 1º do artigo 11 do decreto consigna que “o provedor que não coletar dados cadastrais deverá informar tal fato à autoridade solicitante, ficando desobrigado de fornecer tais dados”. O § 2º do artigo

347 Íntegra da decisão disponível em:

13 do mesmo diploma normativo, por sua vez, dispõe que os provedores de aplicações “devem reter a menor quantidade possível de dados pessoais, comunicações privadas e registros de conexão e acesso a aplicações”, informações que devem ser excluídas “tão logo atingida a finalidade do seu uso” (inciso I) e “se encerrado o prazo determinado por obrigação legal” (inciso II). Tais dispositivos conferem plausibilidade à defesa do WhatsApp de que não possui os dados requisitados pelo Poder Judiciário ou não tem condições técnicas de fornecê-los, elidindo, assim, a proporcionalidade do seu bloqueio como medida de coerção para disponibilização das informações exigidas.

CONCLUSÃO

A liberdade de expressão e a possibilidade de ter informação são direitos essenciais em qualquer Estado que se pretenda fiel ao espírito da democracia e à valorização da dignidade humana. A real participação do indivíduo na vida política e comunitária somente se torna fato, deixando o plano da ficção, quando a pessoa pode, sem peais ou inibições provocadas pelos poderes públicos, externar suas ideias, opiniões e percepções do mundo, faculdade que se qualifica por meio do acesso ao conhecimento.

Esses direitos fundamentais, sem sacrifício da relevância que merecem no Direito e no quadro do progresso civilizatório, estão sujeitos a limites decorrentes do próprio sistema jurídico, compressão muitas vezes necessária à proteção de outros valores dignos de proteção pelo sistema constitucional. As restrições, contudo, somente se justificam em situações excepcionais, muito bem justificadas em consistente desenvolvimento argumentativo, porquanto a liberdade de expressão e o direito à informação são vitais para o hígido desenvolvimento da personalidade humana.

Isso corrobora, também no Brasil, que o caráter preferencial da liberdade de expressão, como se pode inferir de alguns votos proferidos por ministros do Supremo Tribunal Federal no ““Caso Ellwanger”, ainda que alguns estudiosos da matéria afirmem não ser possível extrair com plena certeza desse precedente a conclusão do reconhecimento da primazia desse direitos no catálogo geral dos direitos fundamentais. Ressalte-se, em resposta à obtemperação, que a “preferência” atribuída aqui ao direito em questão não se confunde com posição superior de hierarquia frente a outras normas constitucionais, significando, em moderada formulação, como já se disse, que os limites à liberdade de expressão precisam se fundar em motivos sérios, expostos com precisão e coerência argumentativas, imprescindíveis à tutela, em um caso concreto, de situação jurídica de importância para a coletividade.

Ocorre justa compressão à liberdade de expressão, por exemplo, quanto aos discursos do ódio (hate speeche), os quais passam longe do objetivo de contribuir para a solidariedade social e a riqueza dialética do debate público, na

medida em que é manifestado com o deplorável propósito de menoscabar o estado de dignidade de grupos e dos seus membros por motivos de sexo, raça, origem, opção sexual e outros elementos inerentes à condição particular do indivíduo.

A elevada dimensão axiológica da liberdade de expressão e do direito à informação, já reconhecida pelos modernos Estados constitucionais e realizada por tradicionais canais de comunicação, como o rádio e a televisão, encontrou no advento da internet, com suas múltiplas possibilidades de interligação entre os usuários, plataforma de inéditos alcance e influência globais que potencializou expressivamente o exercício desses direitos. Com o ciberespaço a manifestação do pensamento espraia-se pelo planeta em tempo real, permitindo o câmbio de cultura e informações entre qualquer pessoa com acesso à internet por dispositivos diversos (computadores pessoais, telemóveis, smart tvs etc.). Em razão dessa amplificação, para a fruição dos direitos fundamentais a comunidade jurídica internacional está cada vez mais avançando para reputar o acesso à internet como direito humano exigível dos Estados. No Brasil, aliás, há projeto de emenda constitucional que pretende incluir o acesso à internet na categoria dos direitos fundamentais, como destacamos alhures.

O ciberespaço, nesse contexto, deveras amplificou os efeitos inclusivos da liberdade de expressão e do direito à informação na cidadania, permitindo a indivíduos antes excluídos da arena política efetiva que, pelos dados em tráfego na rede mundial de computadores, passassem a somar suas vozes à crítica social e à supervisão dos entes estatais.

Pela internet as manifestações populares chamaram a atenção do mundo, organizaram levantes contra regimes totalitários (a Primavera Árabe é icônica) e alteraram o painel do poder em regiões de continentes diferentes. O Brasil testemunhou a força da liberdade de expressão pelo ciberespaço com as históricas manifestações de 2013 contra o governo, a corrupção e a ineficiência dos serviços públicos, seguindo-se nos anos posteriores (e ainda neste ano de 2016) protestos de massas em desfavor do sistema político falido, da ausência de legitimidade moral dos ocupantes de cargos eletivos e da presidente Dilma Rousseff e sua sigla partidária, o Partido dos Trabalhadores (PT). Em todas essas manifestações a internet foi o campo livre para o engajamento coletivo, tendo em vista o alto grau de

autonomia que confere às pessoas no mundo virtual, dispensando a liderança de autoridades oficiais e evidenciando o regime de autocomunicação de massa.

A revolução causada pela internet no domínio dos direitos fundamentais, sobretudo no que tange à liberdade de expressão e ao acesso à informação, não poderia ficar indiferente ao Direito, que atento ao fenômeno começou a incluir nas normativas e documentos internacionais referências ao ciberespaço como área proeminente para a decantação desses valores fundamentais.

Em território brasileiro dois estatutos legais destacam-se na abordagem da liberdade de expressão e do direito à informação no ciberespaço: a Lei nº 12.527/2011 (Lei do Acesso à Informação - LAI) e a Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet).

A primeira lei referida, ao regulamentar os direitos consagrados no artigo 5º, inciso III, no § 3º do artigo 37 e no § 2º do artigo 216 da Constituição da República, prescreveu determinações específicas para franquear aos cidadãos pela internet, de forma ampla e completa, informações de interesse público, como execução orçamentária e objetivos institucionais dos entes estatais e privados gestores de recursos públicos, controle da despesa estatal, remuneração dos servidores, entre outros pontos relevantes. A LAI impõe ao Estado a obrigação de utilizar sítios eletrônicos para integrar o indivíduo, através do conhecimento das ações do poder público, à vida cívica.

Tal foi o compromisso da lei com a divulgação de informações para os cidadãos que os vencimentos e demais ganhos salariais dos agentes do Estado passaram a ser expostos na rede mundial de computadores, gerando polêmica e litígio que chegou ao Supremo Tribunal Federal, o qual decidiu pela constitucionalidade da divulgação, prestigiando sobremaneira o direito à informação e as propriedades do ciberespaço de difusão do conhecimento. Igual orientação foi perfilhada pelo Superior Tribunal de Justiça.

A LAI consolidou no Brasil os chamados Portais da Transparência, onde são reunidas para acesso geral as informações que devem ser fornecidas para todos pelos entes submetidos à regência do diploma. Essa prática vai ao encontro do disposto no § 2º do artigo 8º do estatuto, que ordena aos órgãos e entidades públicos a manutenção na rede mundial de computadores de sítios específicos para

franquear aos cidadãos a consulta aos dados e informações de interesse coletivo armazenadas ou produzidas pelo Estado. Como se observa, indiscutivelmente o ciberespaço foi escolhido como o plano ideal para conferir mais transparência à administração pública brasileira.

O Marco Civil da Internet, por sua vez, é a lei de maior importância já produzida no país em relação à liberdade de expressão e ao direito à informação no ciberespaço, até pela sua indisfarçável pretensão de servir como “Constituição da Internet”, ou seja, de disciplinar as principais questões decorrentes do uso da rede. A lei principia averbando no seu artigo 2º que a liberdade de expressão é fundamento do uso da internet no Brasil, prescrição que evidencia o protagonismo