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Capítulo 3 LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DIREITO À INFORMAÇÃO EM

3.1. Nascimento da realidade em rede

A engrenagem social moderna funciona em ritmo acelerado, ensejando mudanças constantes que desafiam a capacidade reguladora das instituições. Habitamos hoje um mundo em que a urgência da informação e da expressão domina os meios comunicativos, estes cada vez mais variados e ramificados. O Direito, como produção que ambiciona permear as relações intersubjetivas, defronta- se com a dificuldade de compreender e acompanhar a engenhosidade humana, sobretudo nos domínios da complexa rede mundial de computadores, a internet.

A massificação da internet na sociedade provocou, sem exagero, notória revolução nas diversas áreas de empreendimentos comunitários, do comércio digital às formas de expressão do pensamento, potencializando o exercício de muitos direitos fundamentais. De fato, quase tudo agora é concebido em escala mundial. A música, os filmes, os livros, os discursos ideológicos, a produção acadêmica e tantos outros frutos da mente humana transcendem facilmente os limites geográficos para influenciar e seduzir pessoas por todo o mundo. Nessa realidade a liberdade de expressão e o direito à informação sentiram os efeitos anabolizantes do ambiente digital, o que nem sempre conduz a um resultado socialmente positivo.

A compreensão das mudanças que a internet trouxe para o cotidiano das pessoas (e para o fenômeno jurídico) perpassa pelo conhecimento da origem desse sistema, que é ao mesmo tempo ferramenta de transmissão de informações e fonte de conhecimento. O termo internet é a forma resumida da expressão Internacional Network of Computers, que pode ser conceituada, em termos simples, como uma ampla rede de acesso coletivo criada a partir da conexão entre várias outras redes de computadores, constituindo sistema de comunicação que funciona por meio de conjunto de protocolos chamados Transmission Control Protocol/Internet Protocol (TCP/IP)155156. Na prática, o sistema funciona quando o utilizador realiza conexão do

155 Nesse sentido: MARTINS, Guilherme Magalhães. Responsabilidade civil por acidente de

seu computador com um sistema provedor, que por sua vez se conecta a outro provedor maior (dentro ou fora do país), constituindo um sistema de redes, como uma teia (daí o surgimento do termo web). Em síntese, a internet representa um sistema de troca de dados e informações entre várias redes, formado por infraestrutura de hardware, compreendendo provedores, computadores, cabos de fibra ótica e roteadores, e por infraestrutura de software com protocolos de comunicação que possibilita a conversa entre os computadores interconectados nesse complexo cibernético157.

A internet, em sua concepção primária, tem origem associada à estratégia de comunicação dos militares norte-americanos, que projetaram rede de comunicação entre suas bases, chamada ARPANET (Advanced Research Projects Agency Network), que continuaria operacional no caso de falha dos outros sistemas de comunicação158. Posteriormente, a rede passou a ser também utilizada em universidades para o intercâmbio de dados e auxílio na investigação científica, passando, num momento posterior, a popularizar-se entre os usuários de computadores domésticos159.

Na gênese da rede mundial de computadores, portanto, o câmbio de informações estava restrito a uma pequena parcela da sociedade, composta sobretudo por profissionais que representavam a elite do conhecimento científico, o que garantia certa homogeneidade social e cultural dos usuários160. Quando a

internet alcançou expressivo número de usuários, chegando àqueles desprovidos de boa cultura ou desenvolvimento intelectual, o uso da rede permeou praticamente todos os setores da vida social, gerando a realidade da inclusão digital.

Chegou-se ao ponto, por conseguinte, de os excluídos desse novo ambiente tecnológico encontrarem dificuldades para o exercício pleno de alguns direitos fundamentais, tal a dependência da internet para o acesso a variados

156 No Brasil, a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, que instituiu o chamado Marco Civil da Internet,

traz interessante conceito legislativo da rede mundial de computadores: “Art. 5º Para os efeitos desta lei, considera-se: I – internet: o sistema constituído do conjunto de protocolos lógicos, estruturados em escala mundial para uso público e irrestrito, com a finalidade de possibilitar a comunicação de dados entre terminais por meio de diferentes redes.”

157COUTINHO DO NASCIMENTO, Bárbara Luiza. Liberdade de expressão..., cit., posição 400. 158 SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz. Direito e Internet. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p.

15.

159 Idem.

serviços e atividades (como, por exemplo, inscrição em concurso público, declaração do imposto de renda, frequência a cursos de ensino a distância etc.).

O avanço da internet ao longo dos anos foi espantoso! Para se ter uma ideia da velocidade da expansão, em 1973 apenas três países estava conectados a ela (Estados Unidos, Noruega e Inglaterra), número que saltou para mais de cem países em 1995161. O Brasil, no ano de 2011, encontrava-se atrás somente da China, Estados Unidos, Índia e Japão entre os países com mais usuários na internet e é o segundo país do mundo em pessoas cadastradas no Facebook, perdendo apenas para os americanos162.

Há várias manifestações e usos da internet, como o envio de mensagens por e-mail, a realização de conversas em tempo real pelo internet relay chat (IRC), entre outras. A mais difundida e conhecida dessas manifestações é a World Wide Web (WWW), que permite a visualização de incontáveis páginas ou sítios eletrônicos, que se comunicam por hiperlinks, nos quais são veiculados todo tipo de informações163. A World Wide Web é, assim, a face mais reconhecível da internet entre as pessoas, acessível pelos denominados navegadores (Internet Explorer, Mozilla Firefox, Google Chrome, Safari etc.), que multiplicam textos, imagens e sons em escala mundial.

Outra relevante novidade introduzida pela internet no cenário das comunicações públicas é que, ao contrário do que ocorre com os sistemas de televisão, rádio e de imprensa, não é possível apontar uma entidade controladora ou centralizadora da rede mundial de computadores, o que decorre da engenharia aberta do sistema. A marcante característica da descentralização da internet é corolário da própria forma como ela funciona, ou seja, por meio da interconexão de miríades de computadores de redes independentes que adotam um protocolo padrão para o câmbio de informações164. Apesar de não pertencer a nenhuma instituição ou Estado em especial, existe uma entidade com a pretensão de regular o funcionamento da internet no espaço global, a Icann (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), que, com sede nos Estados Unidos da América,

161 IEZZI, María Verónica. El conflicto jurisdiccional en Internet: jurisdicción iusprivatista

internacional aplicable al comercio en la red. Buenos Aires: Ábaco de Rodolfo Depalma, 2005, p.

17.

162 SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz. Direito e Internet.., cit., p. 19.

163 FARINHO, Domingos Soares. Intimidade da vida privada..., cit., p. 15.

funciona como órgão gestor mundial da internet em cooperação com os comitês gestores instituídos em muitos países. Embora a Incann não tenha natureza governamental, a sua localização em território norte-americano naturalmente confere vantagem estratégica aos Estados Unidos no cenário internacional quando se trata do ciberespaço, o que vem causando celeuma em face do medo de aquele país utilizar a rede mundial de computadores como ferramenta de ataque ou espionagem contra inimigos ou até mesmo aliados, apreensão que alimenta enorme pressão para a democratização do controle da internet165.