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Disciplina constitucional brasileira do direito à informação

Capítulo 4 REGULAÇÃO BRASILEIRA DO DIREITO À INFORMAÇÃO E

4.2. Disciplina constitucional brasileira do direito à informação

O Direito à informação exsurge como posição jurídica jusfundamental em vários enunciados normativos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, cujas leituras explicitam sua essencialidade no sistema constitucional de proteção das liberdades, assim como para a integração da pessoa à cidadania e à ambiência política do Estado.

O artigo 5º, inciso IV, da Lei Fundamental brasileira assegura a todos o direito de acesso à informação, ressalvando o sigilo da fonte necessário para a livre atuação de certas categorias profissionais. A Carta de 1988, em sintonia com os modernos normativos sobre direitos humanos vigentes na ordem internacional, avançou muito em relação às constituições anteriores, cristalizando de forma inequívoca o direito de acesso à informação entre os primeiros direitos fundamentais colacionados no texto constitucional, fato que, muito além de demonstrar um destaque topográfico, expressa a evolução da percepção jurídica do Estado quanto à envergadura dessa liberdade individual, principalmente após os anos de ditadura, censura e vulneração da dignidade humana que precederam a nova Carta Magna.

O inciso XXXIII do mesmo artigo, por sua vez, simboliza a preocupação do constituinte com a publicidade dos atos estatais e com a transparência ativa das ações do governo. Prescreve o dispositivo que assiste a qualquer pessoa o direito de obter juntos aos órgãos públicos informações de interesse particular ou coletivo, as quais deverão ser prestadas no prazo legal, sob pena de responsabilidade. A determinação não abrange a divulgação de informações que estejam protegidas por

sigilo para a segurança da sociedade ou do Estado. A leitura fria e isolada da norma em tela não pode levar ao entendimento de que o poder público somente terá de providenciar a informação quando ela for solicitada por algum interessado. O Estado tem de agir com proatividade, pois o direito de acesso à informação, repise-se, possui a sua inquestionável dimensão positiva, ou seja, a Constituição atribui aos entes governamentais a obrigação de reunir em sítios de fácil acesso pela população os dados e elementos que possam lhe aproveitar ou interessar. Dessa forma, incumbe ao Estado, havendo ou não requerimento individual, colher, reunir e sistematizar dados para conservá-los em arquivos públicos (físicos ou digitais) postos à disposição da comunidade248.

Já o subsequente inciso XXXIV, alínea “a”, reforça o direito de acesso à informação ao assegurar a qualquer pessoa, sem necessidade de pagamento de taxas, o recebimento de informações por meio de certidões emitidas pelos órgãos do Estado “para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal”.

É pertinente mencionar a novidade introduzida pelo artigo 5º, inciso LXXII, da Constituição da República ao criar o habeas data, remédio constitucional inspirado no artigo 35 da Constituição portuguesa de 1976 e no artigo 18 da Constituição espanhola de 1978, que confere ao cidadão poder para pleitear ao Poder Judiciário o conhecimento de informações concernente a sua pessoa que se encontram em registros ou bancos de dados de entes governamentais ou de caráter público (conforme a alínea “a” do inciso).

Ainda no caminho para concretizar a transparência ativa, a Constituição da República assinalou nas disposições gerais sobre a regência da administração pública (Capítulo VII, Seção I) que o usuário/cidadão participará na administração direta e indireta na forma estabelecida em lei, a qual regulará o acesso dele “a registros administrativos e a informações sobre atos de governo”, conforme o artigo 37, § 3º, inciso II249. Divisamos nesta norma, mais uma vez, a força do espírito da

248TAVARES, André Ramos. Comentário ao artigo 5º, inciso XXXIII. In: CANOTILHO, J. J. Gomes;

MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários..., cit., p. 818.

249

Constituição da República Federativa do Brasil: “Artigo 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: (...)II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;”.

democracia mostrando que o legítimo Estado Constitucional de Direito é incompatível com a opacidade administrativa.

O compromisso constitucional com a transparência aparece novamente no artigo 216, § 2º, quando a Carta de 1988 fixa diretrizes para a cultura. A norma averba que incumbe à administração pública, segundo o disposto na lei, “a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem”.

A Constituição brasileira erigiu as bases, portanto, para um sistema garantidor de informações que deverá ser estruturado por lei para atender à coletividade, de modo a dotar o indivíduo comum de condições cognitivas para desnudar o funcionamento do Estado, supervisionar a condução da máquina pública e influir na elaboração das políticas públicas direcionadas para o próprio povo250.

Em síntese ao exposto, o exame atento das normas constitucionais que orbitam na esfera do direito à informação revela que a Lei Fundamental inicialmente o apresenta em um sentido lato, na dicção do inciso XIV do artigo 5º, para resguardar à pessoa a absorção do conhecimento de forma plena para desenvolver sua personalidade, tipificando-o como “poder-dever” que municia o indivíduo com instrumento de defesa em relação ao Estado. Em outra perspectiva, preservando a mesma essência, a Constituição dispensa ao direito finalidade mais específica, afeta à dimensão positiva, que é propiciar à comunidade o acesso à informação pública contida nos registros dos entes governamentais ou dos entes privados que cumprem alguma função pública, configurando-o, dessa forma, como “direito prestacional” exigível do governo251.

E nos deparamos nesta altura, outra vez, com a concepção de transparência ativa, postura decorrente da democracia que exige a iniciativa do Estado para colacionar e divulgar informações para a sociedade, situação diferente da transparência passiva, na qual as informações somente são prestadas mediante provocação de algum interessado, valendo-se, por exemplo, do direito de petição ou de solicitar certidões previsto no inciso XXXIV da Constituição. Em qualquer dos dois

250 HEINEN, Juliano. Comentários à Lei de Acesso à Informação: Lei nº 12.527/2011. Belo

Horizonte: Fórum, 2015, p. 11.

251 VALIM, Rafael. O direito fundamental de acesso à informação pública. In: VALIM, Rafael;

MALHEIROS, Antonio Carlo; BACARIÇA, Josephina (org.). Acesso à Informação Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 38.

casos, a informação tem de ser inteligível, compreensível, nítida para o seu destinatário, pois, se for obscura ou incompleta, restará ferido o interesse constitucionalmente tutelado.

A materialização do acesso universal à informação naquelas duas perspectivas (transparência ativa e passiva) é realizável na época atual, com toda a amplitude que o direito merece, somente com o manancial infindável de conhecimento à disposição na internet para os usuários da rede, pouco importando que estes residam em grandes centros urbanos ou nos mais longínquos rincões do território nacional. Com os portais da transparência espraiando-se nos sítios eletrônicos oficiais dos entes públicos, o cidadão de pequena cidade no interior da Amazônia com conexão ao ciberespaço terá, em tese, a mesma oportunidade de conferir os dados, despesas e investimentos dos órgãos estatais que o morador da gigante e moderna São Paulo, a maior metrópole brasileira. Essa é a beleza da inclusão digital, a sua vocação para, através da profusão de informações transportadas em bits e bytes, integrar pessoas distintas de lugares distantes à arena de discussão popular na esfera pública.

A revolução comunicativa e informadora iniciada com o rádio e a televisão encontrou no ciberespaço - e sua incontável rede de conexões e plataformas - a senda que precisava para perpetuar-se na história. E a internet conseguiu gerar características bem peculiares que mostram passos evolutivos em relação aos seus ancestrais na comunicação, entre elas a capacidade de circular a informação quase instantaneamente para o planeta inteiro, dispensando a mediação das empresas e dos profissionais da mídia tradicional, simplificando inclusive que ela seja encontrada por meio das ferramentas digitais de busca, como o Google. Nesse novo contexto, ficou sobremaneira difícil esconder dos cidadãos os dados e notícias lançados na rede sobre assuntos de interesse coletivo, o que aumenta a exposição do Estado perante a comunidade curiosa e fiscalizadora dos comportamentos dos seus governantes.

No ponto, quanto à característica do direito de acesso à informação que decanta a transparência ativa e sua relação com o ciberespaço, trataremos a seguir ao discorrer sobre a Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação).

4.3. Lei de Acesso à Informação (LAI) e suas principais repercussões no