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Caso “Xuxa vs Google” (antes do Marco Civil da Internet)

Capítulo 5 DECISÕES EMBLEMÁTICAS NO BRASIL SOBRE A

5.1. Caso “Xuxa vs Google” (antes do Marco Civil da Internet)

No Brasil há uma expressão cunhada pela cultura popular que denota com exatidão o fenômeno da multiplicação da informação na rede mundial de computadores: “caiu na net, ninguém tira”. Isto, na linguagem das massas, significa que uma informação a respeito de alguém, uma vez inserida no ciberespaço, espraia-se de tal modo nos incontáveis sítios e aplicações da internet que dificilmente será apagada ou ocultada no universo virtual, principalmente quando o assunto em evidência envolver figuras públicas que atraem a curiosidade coletiva.

Vários conflitos nos país transformaram-se em rumorosos processos judiciais nos quais figuraram como antagonistas celebridades ou políticos e grandes empresas que exploram atividades e serviços na internet. Dessas contendas foram produzidas importantes decisões que até hoje servem como paradigmas para a composição de conflitos no ciberespaço concernentes à liberdade de expressão/direito à informação e outros valores constitucionalmente tutelados.

Nesse sentido, relevante precedente foi criado no litígio entre a apresentadora, atriz e cantora Maria da Graça Xuxa Meneghel, famosa há bastante tempo com o cognome “Xuxa”, e a empresa Google Brasil Internet Ltda. O processo teve início quando Xuxa, que se notabilizou na mídia por participar de programas e oferecer produtos culturais destinados ao público infantil, ingressou com ação, no ano de 2010, em desfavor da Google para impedir que esta no seu sítio eletrônico de busca, o Google Search, exibisse resultados em que o nome da artista aparecesse associado à expressão “Xuxa pedófila” ou a uma prática criminosa qualquer.

Para contextualizar a origem da polêmica, no passado Xuxa, antes de se tornar ícone do público infantil, participou de produção cinematográfica intitulada

“Amor Estranho Amor” (1982), na qual filmou cenas em que se relacionava sexualmente com um menor de 12 anos de idade330.

Em tutela provisória concedida na primeira instância, o magistrado determinou à parte demandada que se abstivesse de exibir para os usuários da internet no site de busca Google “quaisquer resultados/links na hipótese de utilização dos critérios de busca 'Xuxa', 'pedófila', 'Xuxa Meneghel', ou qualquer grafia que se assemelhe a estas, isoladamente ou conjuntamente”, cominando para o caso de descumprimento da decisão multa no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por resultado positivo exibido ao usuário. Essa decisão foi mantida em parte pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro331.

Inconformada com a decisão, a Google interpôs o Recurso Especial nº 1.316.921/RJ ao Superior Tribunal de Justiça, distribuído para a relatoria da ministra Nancy Andrighi. A recorrente argumentou que, em face do estágio atual da técnica (na época), não teria possibilidade de monitorar a integralidade do conteúdo indicado na sua ferramenta de buscas para verificar se as imagens apresentadas seriam ou não ofensivas à recorrida Xuxa. Asseverou, outrossim, que a decisão do juízo de origem, além de impossível, implicaria censura prévia de conteúdo precedente a qualquer análise judicial.

No seu voto vencedor, respaldado pela unanimidade dos membros da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, onde o caso foi julgado, a ministra Nancy Andrighi assentou algumas observações de muita pertinência para a compreensão do impacto do ciberespaço na rotina social, avaliando também com sabedoria a realidade da facilitação do acesso ao conhecimento e à informação trazida pela internet e as ferramentas de pesquisa da natureza do Google Search332.

Primeiro, a ministra ressaltou o que é hoje é evidente para qualquer pessoa integrada à vida comunitária, convivente nos círculos profissionais e

330 Detalhes sobre o caso podem ser encontrados na reportagem: STF mantém decisão que permite busca no Google por filme erótico de Xuxa. Folha de São Paulo – Ilustrada, 15/09/2015. Disponível

em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/09/1682024-stf-mantem-decisao-que-permite- busca-no-google-por-filme-erotico-de-xuxa.shtml >. Acesso em: 15 ago. 2016.

331 BRASIL. 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.316.921/RJ. Recorrente

Google Brasil Internet Ltda. Recorrida Maria da Graça Xuxa Meneghel. Relatora Ministra Nancy

Andrighi, julgamento em 26.06.2012. Disponível em:

<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201103079096&dt_publicacao=29/0 6/2012>. Acesso em: 15 ago. 2016.

educacionais: somos todos dependentes da internet e não temos condições de encontrar na vastidão dos conteúdos da web a informação específica que desejamos sem o recurso às ferramentas oferecidas pelos sítios eletrônicos de busca. Tornou-se um vício moderno. Em lugar de adentrar as labirínticas prateleiras das bibliotecas, atualmente a procura pela informação imediata nos conduz à frente de um teclado ou de dispositivo conectado ao ciberespaço (o telemóvel é a grande moda destes tempos). O Google invadiu a semântica e de aplicativo também se tornou verbo, popularizando o neologismo “googar” ou “googlar” (no inglês, to google), sinônimo de socorrer-se ao mecanismo de busca para fazer uma pesquisa. Claro que, ressalva a ministra, essa maravilhosa ferramenta pode ser manejada para acessar conteúdos lícitos ou ilícitos, a depender da vontade e da intenção do usuário.

Ao analisar as diversas modalidades de provedores, a ministra Nancy Andrighi classificou os sites de busca como provedores de conteúdo, porquanto eles não inserem, armazenam ou organizam o material encontrado nas páginas investigadas pela ferramenta, tão somente cingindo sua ação à indicação dos sítios onde podem ser visualizados os parâmetros (termos e expressões) fornecidos pelos próprios usuários para deflagrar a pesquisa. Assim, podem ser exigidos desses sites a reserva, segurança e inviolabilidade dos dados cadastrais dos usuários, bem como das buscas que estes realizaram333.

Nesse contexto, os provedores de pesquisa efetuam as buscas ordenadas pelos usuários no imenso mundo digital composto por incontáveis sítios eletrônicos, normalmente abertos ao público, que têm o seu conteúdo modificado ou alterado a cada instante, sem contar as websites novas que surgem a todo tempo. Em face dessa dinâmica própria e desenfreada do ciberespaço, é praticamente impossível para o sistema de buscas filtrar previamente os resultados que apresentem conteúdos ilícitos, até porque a linguagem de programação ainda não evoluiu ao ponto de possibilitar ao computador exercer juízo valorativo de licitude equivalente ao humano. Caso se impingisse aos administradores das ferramentas de busca a aquilatação da ilicitude do conteúdo antes da exibição para o usuário, isto tornaria extremamente precária uma das grandes vantagens da internet, que é a

333 Neste ponto, remetemos à leitura sobre a ação dos cookies, comentado na seção 4.4.2. do

disponibilização de informações em tempo real, o que importaria prejuízo para as massas de usuários que utilizam o ciberespaço como fonte de conhecimento. Realmente, imagine uma única pesquisa realizada no Google sobre a vida ou trabalho de um conhecido político candidato a mandato eletivo, informações de indiscutível interesse público. Se o provedor de busca fosse obrigado a examinar previamente cada página resultante da pesquisa para verificar a legalidade ou lesividade do conteúdo encontrado em relação ao político, estaria inviabilizada a funcionalidade da ferramenta, com indiscutível dano para bilhões de usuários que precisam dela para encontrar material de seu interesse no mundo virtual.

Pontua ainda a ministra, com argúcia, que eventual proibição aos sites de busca de apresentar resultados com base em certos critérios de pesquisa – como “Xuxa” e “pedofilia”, na situação em análise – acabaria por impedir até mesmo a localização de páginas na internet nas quais não há nenhuma referência ou conexão negativa desses critérios com determinada pessoa, ou seja, obstaria o acesso a conteúdos sem controvérsia quanto a sua licitude, causando censura e tolhendo o direito à informação com nítida falta de razoabilidade. Exemplifica a ministra que a vedação de pesquisa no Google com os termos “Xuxa” e “pedofilia” ocultaria a exibição de entrevista onde aquela artista concedeu entrevista manifestando-se contra a nefasta ação de pedófilos, assim como privaria o público de acessar o próprio resultado do julgamento do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão.

Por conseguinte, em notório juízo de ponderação, entendeu a ministra Nancy Andrighi que não se pode impor previamente restrições ao funcionamento dos sites de pesquisa como o Google Search a pretexto de evitar a divulgação de conteúdo ilícito ou ofensivo na internet, sob pena de injustificada vulneração ao direito de informação garantido pela Constituição da República. Esse foi o resultado do julgamento, ocorrido em 26 de junho de 2012, antes, portanto, da vigência do Marco Civil da Internet334.

334Assim ficou redigida a ementa do acórdão: “CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE

CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC. GRATUIDADE DO SERVIÇO. INDIFERENÇA. PROVEDOR DE PESQUISA. FILTRAGEM PRÉVIA DAS BUSCAS. DESNECESSIDADE. RESTRIÇÃO DOS RESULTADOS. NÃO-CABIMENTO. CONTEÚDO PÚBLICO. DIREITO À INFORMAÇÃO. 1. A exploração comercial da Internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90. 2. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de Internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo ‘mediante remuneração’, contido no art. 3º, § 2º, do CDC, deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor. 3. O provedor de pesquisa é uma espécie do gênero provedor de conteúdo, pois não inclui, hospeda, organiza ou de qualquer outra forma gerencia as páginas virtuais indicadas nos resultados disponibilizados, se

A decisão do Superior Tribunal de Justiça, com a aclamação do lapidar voto da ministra relatora, embora referente a uma decisão provisória da primeira instância, representou marcante vitória do direito à informação no ciberespaço, com a definição de parâmetros de interpretação da matéria que influenciaram positivamente a ordem jurídica brasileira, contribuindo muito para a maturação do estudo da matéria.

Observe-se que o precedente inclusive esclarece sobre a utilidade dos sítios eletrônicos de buscas para a localização de páginas na internet que veiculam material ilícito ou ofensivo, através da exposição dos seus URL’s (Universal Resource Locator)335, resultado favorável para quem procura a justa reparação contra o autor de danos provocados pela ação no ciberespaço.