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BM: a fala que eu (não) controlo

PARTE II SUJEITOS, AS PALAVRAS, A AFASIA

5.3. BM: a fala que eu (não) controlo

BM tem 27 anos e nível superior incompleto no curso de Administração de Empresas. Quando fala de si, descreve-se como um sujeito reservado, apaixonado por música, especialmente rock. Tem um sorriso que vem fácil, que inclusive figurou em comercial de televisão para uma franquia de restaurantes, no qual surge expressivo e animado. São qualidades que não mudaram, apesar de há três anos ter sofrido um AVEi, Acidente Vascular Encefálico Isquêmico, que afetou a região têmporo-parietal esquerda de seu cérebro. Conforme laudo médico, BM, após o acidente, permaneceu alguns dias em coma e, quando despertou, como ele mesmo relata, só podia dizer “mi mi mi”. Eram essas, então, as “palavras” que controlava.

Em relação às características e sintomas de sua lesão - como dito no decorrer deste capítulo, segundo textos de Luria (1987, 1992) – citam-se problemas que trazem ao sujeito dificuldades para organizar sua fala, para compreender o que lhe é dito, coordenar funções espaciais ou ainda ter problemas com leitura e escrita. E é justamente sobre a escrita um dos pontos sobre o qual BM trabalha, no CCA, acompanhado por uma professora35. Ele espera um dia terminar seu curso universitário e ainda estudar Psicologia, curso pelo qual tem fascinação.

Sobre aspectos relacionados ao foco de uma lesão como a de BM, Luria esclarece que

[...], um sujeito no qual as zonas parieto-temporais do córtex do hemisfério esquerdo encontram-se em um estado patológico, ao responder a essa pergunta [onde se encontra?], colocará em manifesto uma alteração da seletividade dos processos verbais. Essas alterações são semelhantes a alguns fenômenos [...] como o da “ponta da língua” ou as dificuldades que experimenta um sujeito que tenta recordar um sobrenome pouco freqüente e mal fixado. [...] (LURIA, 1987, p. 90).

Quanto a esses sintomas arrolados por Luria, acarretados pela afasia, verifica-se que BM, normalmente, tem problemas para iniciar seu turno de fala. Às vezes, quando interrogado sobre algo, olha para o alto, fecha os olhos, usa os dedos para contar ou sequenciar as palavras e, depois de alguns segundos, se expressa. Porém, e é isso o que é interessante de acordo com a perspectiva teórica da ND, não se avalia a condição de fala de um sujeito apenas por algumas perguntas ou por alguns momentos nos quais não se saiu bem. Por exemplo, BM poderia ser considerado com um afásico verbal (FREUD, 1891, p. 91), no entanto, em atividades no CCA, apresenta-se bem menos afásico do que a classificação das afasias

encerra. Como se verá em seus dados de fala, a afasia é um mal intermitente, ora suprime, ora libera processos relacionados à fala e, como dito por Coudry, ninguém é afásico o tempo todo. No dado a seguir, foi apresentado aos sujeitos uma foto de Cazuza, músico que faleceu em julho de 1990 e é nacionalmente conhecido por suas composições e por ter sido, para muitos, um jovem que se impunha contra regras sociais. O objetivo da apresentação dessa foto era perceber, “avaliar”, como BM estruturaria seus enunciados a partir da imagem de Cazuza. E, para esta foto, produziu o seguinte enunciado:

Figura 13: Cazuza

Dado 15. Falando sobre Cazuza – 17/04/2015

Turno Sigla do locutor Transcrição Observações sobre o enunciado verbal Obs. sobre o enunciado não- verbal

1 Inv. 1 eu não posso dizer, porque não conheço muito, mas alguém pode dizer alguma coisa sobre o Cazuza?

2 GF morreu só. Todos riem.

3 Inv. 2 apesar dele ser rico, ele queria ser independente de sua família.

4

GF mamãe, dinheiro? Siimmm!

Faz gestos de dinheiro com os dedos e dá risada.

5 Inv. 2 tem umas cenas do filme em que ele sai correndo no trânsito. Não quer ajuda de ninguém.

Fala sobre o filme de Cazuza.

6 Inv. 1 JB, conheceu o cazuza, a história dele?

7 JB eu lembro, mas / foi embora36.

8 Inv. 1 e você, BM, sabe alguma coisa dele, da história do Cazuza?

9 BM cheira pra caralho! Dão risada.

36JB tem Alzheimer.

Nos sujeitos envolvidos nesse quadro dialógico, percebe-se que suas falas são marcadas por questões subjetivas em relação à personagem em foco - Cazuza - pois compõem seus enunciados sobre o que conhecem da história desse músico. Segundo Dascal (1986, p. 206), autores como Osgood consideram que o constituinte emotivo de um enunciado corresponde a uma boa parte da significação. E, nesse sentido, vê-se que os comentários sobre Cazuza, que mais parecem ser enunciados “prontamente formulados”, como “Cheira pra caralho” e “Mamãe, dinheiro? Siimmm!”, trazem realmente indícios de emotividade. Porém, para Dascal, a emotividade não representa mais do que uma superfície dos significados.

Sem dúvida, com apenas esses enunciados, não se pode conhecer o que esses sujeitos pensam sobre Cazuza, no entanto, acredita-se que “[...] esses eventos comunicativos contribuem para estreitar o conhecimento mútuo entre os participantes do grupo e dizem muito da relação do sujeito com a linguagem [...]” (SAMPAIO, 2006, p. 110).

Além disso, nessas duas falas narrativo-descritivas, “Cheira pra caralho” de BM, e “Mamãe, dinheiro? Siimmm!” de GF, encontram-se enunciados elípticos (JAKOBSON, 1956/2003), de modo que cabe ao interlocutor a compreensão e o desenrolar de significados que possam trazer mais de seus enunciados. Como diz Vygotsky (2008, p, 141), “o diálogo pressupõe sempre, da parte dos interlocutores, um conhecimento do assunto suficiente para permitir o discurso abreviado e [...] as frases puramente predicativas.” Dizer “Cheira pra caralho!”, ao ver a foto de Cazuza, com certeza promove uma recuperação social e pessoal do músico que foram e são difundidas na mídia. Esta que, por sinal, destrói sua imagem como músico. A mídia brasileira pouco fala de sua música, enfatiza apenas seus problemas com as drogas. Desse modo, é natural que um jovem, como BM, que não acompanhou a carreira de Cazuza, diga o que mais ainda se fala a respeito do músico: a relação que teve com drogas ilícitas, como a cocaína.

Essa expressão de BM, “Cheira pra caralho!”, se levada em consideração os sorrisos que todos dão quando o ouvem dizê-la, pode ser entendida como um deboche, uma reprovação sobre os atos de Cazuza. Apesar disso, pode ser ainda considerada como uma fala que qualquer outro sujeito não afásico poderia empregar, especialmente alguém jovem como BM. Fato que reafirmam características da fala “normal” na afasia. Em um dado como esse, vê-se ainda que a palavra “[...] constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro [...]” (BAKHTIN, 1929/2006, p. 115).

Além disso, o que também se percebe em sua fala é que cabe a BM trabalhar sem o suporte da fala do outro, sem contextura verbal para a composição de sua fala. Quando o investigador 1, no turno 8, lhe diz “E você, BM, sabe alguma coisa dele, da história do Cazuza?”, abre-se um espaço único para BM: o dever de falar algo sobre a personagem que não tinha sido até então bem apresentada por seus interlocutores. Um afásico, em uma situação dessas, normalmente não vasculhará o passado e desenvolverá uma pequena biografia de Cazuza; como visto, tratará de responder a pergunta de seu “interlocutor” de maneira mais rápida e precisa possível. E a necessidade de se expressar com originalidade traz-lhe um desafio ainda maior para formação de sua fala. Talvez, sobre “Cheira pra caralho”, se fosse perguntado a BM sobre o porquê dessa sua afirmação, pudesse ser notado como ele recuperaria o que sabe a respeito de Cazuza.

Embora não tenha falado muito, notam-se pontos interessantes, referentes à relação lesão cerebral e fala. Segundo Luria (1992, p. 151), uma lesão na região parietal do cérebro, como é o caso de BM, traria problemas ao sujeito que prejudicariam a expressão de sua fala de modo coerente. Porém, de acordo com a perspectiva teórica assumida pela ND, compreende-se que esse comprometimento de sua fala não se dê de modo permanente, visto que o uso da fala na interlocução, a fala avaliada pela linguagem em funcionamento, mostra resultados e perspectivas positivas para a (re)estruturação linguística de BM, tal como observou-se em três atividades diferentes.

Na primeira delas, a seguir, o investigador conversava com BM sobre o fato de que todas as pessoas têm imagens mentais de coisas que fizeram ou pretendem fazer, por exemplo, no decorrer de uma semana. O investigador dizia-lhe que um enunciado, muitas vezes, se desenvolve a partir dessas imagens, as quais as pessoas descrevem umas para as outras. Ou seja, a partir de um assunto que lhe é proposto, o sujeito seleciona, em sua mente, imagens sobre o que quer dizer e, em seguida, combina as palavras de seus enunciados. O investigador se explicava como se quisesse recuperar a ideia de que temos uma linguagem em ação (PIRES, 1997), ou falava no sentido de Jakobson (1956/2003), que trata a respeito das atividades de seleção (termos em ausência) e combinação (termos em presença). Logo, ao terminar sua explicação, o investigador fez o seguinte pedido a BM:

Dado 16. Dizer planejado - 04/09/2015 Turno Sigla do locutor Transcrição Observações sobre o enunciado verbal

Obs. sobre o enunciado não-verbal

1 Inv.

eu quero que você planeje uma frase a partir de alguma atividade que você fez. Contando pra gente.

2 BM ontem?

BM passa a mão pela cabeça, pensativo.

3 Inv. de quando você quiser, mas de dias passados.

4 GF amanhã / hoje.

Fala enquanto BM reflete por uns cinco segundos.

5 BM

quarta-feira / eu fui no Foo Fighters cover, emmm, emmm, Jundiaí.

Pedir a BM que organize sua fala a partir de uma cena, uma imagem internalizada na linguagem, aparentemente mostrou efeitos positivos no que se refere à organização de sua fala. Vê-se que seu enunciado, no turno 5, aparece mais “completo” estruturalmente do que o destacado no dado anterior, “Cheira pra caralho!”. Falar sobre si parece ser algo que traz mais recursos à fala e, nesse trabalho, se percebe como BM se prepara para estruturar sua fala. No turno 2, questiona seu interlocutor a respeito de quando, qual dia deve produzir sua fala, “Ontem?”, como se escolhesse o episódio mais fresco em sua mente. “Ontem?” funciona como um enquadramento do tempo internamente, realizado para separar uma imagem precisa de um momento vivido por ele, sobre o qual poderia organizar sua fala. E, seguindo os passos entabulados por seu interlocutor, que lhe diz “De quando você quiser, mas de dias passados”, BM organiza perfeitamente seu enunciado, contendo uma ação situada no tempo e no espaço, Jundiaí. Nome que vem após um momento de hesitação, dizendo “emmm”, “emmm”, como se preparasse o terreno da fala em busca dessa palavra. Hesitações que, como destacado anteriormente em um trecho de Sampaio (2010, p. 53), estão presentes na fala de todos, afásicos e não afásicos, e podem - também - exercer “uma espécie de contextura, no sentido de Jakobson (1969)”, que ajuda a restabelecer o que se pretende dizer.

Em contrapartida ao êxito obtido nessa atividade, é importante ter a consciência de que a explicação do investigador sobre o que esperava de BM ofereceu suporte para que preparasse sua fala, dizendo-lhe quais informações e de que modo gostaria de recebê-las. Já em outro momento, em que seu interlocutor não o influencia de modo tão preciso, os efeitos da afasia surgem com intensidade diferente. Na atividade seguinte, BM deveria interpretar

uma charge de jornal, que, por sinal, exige um nível de reflexão considerável em relação às condições política, social, regional e climática do Brasil.

No primeiro quadro dessa charge, quadro superior, surge um carro que, percorrendo uma região árida, traz hasteada uma bandeira do Brasil e vai em direção a um homem aparentemente pobre. No segundo quadro, dois personagens se encontram, o motorista do carro e o homem pobre, que, olhando para uma urna eletrônica, pergunta: “De onde sai a água?”. Nessa atividade, o que se esperava de BM era que expressasse seus pensamentos a respeito do que via e lia. Porém, o resultado de sua fala foi bem diferente do que havia produzido no dado anterior.

Figura 14: Falta de água

Dado 17. Explicando a charge – 22/05/2015

Turno Sigla do locutor Transcrição Observações sobre o enunciado verbal Obs. sobre o enunciado não- verbal

1 Inv. BM, qual que você leu aí? Referindo-se à charge.

2 Inv. você vai ter que descrever como você fez para mim.

BM já tinha discutido a charge com Inv.

3 BM é... Nordeste, falta de água, tudo. aí, aí, é... da urna, da urna, dois moço, um nordeste e um jeep

A palavra “tudo” é pronunciada com ênfase.

4 JM jeep.

5 Inv. aí, na urna, aí? E de onde sai a água?

Nota-se, no turno 3 desse dado, que BM inicia seu enunciado de modo bem coordenado, dizendo “É... Nordeste, falta de água, tudo.”, associando a situação retratada com o Nordeste brasileiro, região que, como bem se sabe, enfrenta longos períodos de seca durante o ano e é conhecida por uma condição de vida limitada. Falta recursos para saúde, educação e urbanismo. E a gravidade desses problemas podem ser compreendidos pela gradação que se dá nessa fala de BM até que ele diz “tudo”, com ênfase.

Em sua fala, ainda em uma tentativa de explicar aos demais integrantes do grupo qual o sentido incutido nessa charge, BM, como se vê no turno 3, perde a organização de sua fala. Assume definitivamente um estilo telegráfico, nomeando o que vê na figura, “Aí, aí, é... da urna, da urna, dois moço, um nordeste e um jeep”. Fala que pode ser interpretada de duas maneiras: 1) BM tem dificuldades para organizar tudo o que vê na charge com o que gostaria de dizer, encontra-se pressionado pela fala do investigador, que lhe disse “Você vai ter que

descrever [...]”; e 2) Não pôde entender a crítica social veiculada pela charge, que se funda

no fato de a urna eletrônica chegar a regiões precárias do país, em que a população mal tem o que vestir. Diante da obrigatoriedade de votar, é a escassez de água que preocupa. Além disso, no momento em que essa atividade foi desenvolvida, mesmo a investigadora, não afásica, quando tentou interrogar BM novamente, disse “Aí, na urna, aí? E de onde sai a água?”. Essas características da fala do investigador ainda recuperam afirmações de Coudry, sobre o fato de que mesmo sujeitos não afásicos nem sempre apresentam uma fala “normal”.

Ademais, a respeito desse trabalho de observação da fala na afasia, dois pontos são particularmente interessantes sobre o caso de BM. O primeiro se refere a um trecho de Luria (1992, p. 173), destacado em outro momento, no qual ele comenta que uma lesão no hemisfério esquerdo possivelmente configuraria uma fala telegráfica, e isso ocorre com BM. Já o segundo refere-se ao dado que se segue, o qual apresenta a fala de BM muito mais estruturada do que o presenciado nessa atividade com a charge; o que talvez tenha ocorrido por sua fala ser observada em uma situação discursiva. Graças a uma atividade em que há troca de papéis discursivos entre os locutores, em que a enunciação é assumida ora por um ora por outro,

[...] reitero o aspecto mais importante dessas estratégias. Elas têm o sentido preciso de ser um instrumento que ajuda o afásico a tratar sua dificuldade no ponto exato de sua maior tensão e assim encontrar alternativas para conviver com ela. É exatamente esse procedimento que pode trazer ao sujeito o conhecimento de processos de reconstrução de sua atividade linguística e com isso levá-lo a reconstruir-se como sujeito nas situações de linguagem que enfrenta (COUDRY, 1986/88, p. 191).

Na proposta que se analisa a seguir, BM não deveria olhar para uma foto e dizer suas impressões a partir dela. Deveria ler uma charge e interpretar a crítica social que por ela é difundida. Porém, o dado a seguir é um bom exemplo de uma abordagem discursiva da afasia, pois retira o véu da patologia que cobre momentos da história de BM. Sua fala se mostra organizada, bem mais fluente do que apresentada nas transcrições anteriores. E isso não se dá porque a figura que se segue, dos professores pedindo esmolas, é mais fácil de ser interpretada do que as outras mencionadas. Vê-se bem que, em uma abordagem enunciativo-discursiva, o investigador não se mantém apenas na posição de interrogador, passa também a ser participante do discurso, ser receptor e também mediador da fala de BM. E a imagem proposta, escolhida com o intuito de “avaliar” a fala, não deve funcionar apenas como um quadro a ser analisado, mas como um ponto de partida para o diálogo, provocando sensações e associações que levem o afásico, assim como qualquer outro sujeito, a recuperar lembranças e nestas encontrar recursos para (re)estruturar sua fala. BM, nesse dado, é envolvido, movido pelo discurso do que lhe é apresentado e passa a contar detalhes de dez anos atrás, de seu período como estudante do Ensino Médio. BM, então, perscruta seu tempo e controla sua fala.

Figura 15: Professores

Dado 18. Meu tempo de escola – 15/05/2015

Turno

Sigla do

locutor Transcrição

Observações sobre o enunciado verbal

Obs. sobre o enunciado não-verbal

--- --- Recorte no dado Recorte no dado --- 1 Inv. 1 você era bom aluno, BM?

2 BM caaraa, não... Mas nem ééé /

Outros riem. BM faz gestos de quem afasta algo com a mão.

3 Inv. 2 não desrespeitava. palavra pretendida por BM.

4 BM é, não. Faz gestos de negação com a cabeça.

5 RG [...]. Não captado pelo áudio.

6 BM

sóó, cara // Por exemplo, na escola, assim, sozinho, cara, sem companhia, mano.

BM responde a RG, falando sobre sua escola.

7 Inv. 1 ah, você ficava sozinho?

8 BM sozinho, cara!

9 GF ô, loco! Silêncio.

10 BM

sério! Aí, mano, comecei pensar uma coisa, tipo // 17 anos, sem companhia. Mano, vou mudar, cara. Aí, ó, nossa... Fez bagunça até sair...

Faz uma contagem com os dedos, sussurrando, para se lembrar da idade que tinha nessa época.

BM põe os dedos na parte esquerda de sua cabeça, em pose de quem reflete.

11 Inv. 2 aí, acabou virando bagunça?

12 BM não, mas eraaa turma bacanaa e tal, foi conquistando, cara.

Faz gestos expansivos com os braços.

13 Inv. 2 muito legal, BM. E você mudou de escola?

14 BM não / sóó mudei só. Mudei.

Nessa atividade, o plano inicial era seguir “avaliando” o quanto BM organizaria sua fala a partir de uma imagem, porém, quando mostrada a todos essa ilustração, o grupo, reunido no CCA, envolveu-se em discutir sobre as manifestações de professores da rede pública no estado do Paraná. Essa discussão sobre o Ensino público corresponde aos trechos de fala recortados no começo da transcrição, recortados pois o foco da discussão tomou outro rumo: o relato pessoal de BM. E, nesse seu relato, destaca-se a variedade linguística dos termos usados em suas falas, a composição de sua linguagem. São maiormente expressões usadas pelo público jovem, como “só”, “cara”, “mano37”, “tipo”, que demonstram o quanto BM seleciona da língua para compor seus enunciados, tal como não afásicos também o fazem.

Nesse dado, ao assistir às suas falas em vídeo, é possível ver seu conforto corporal por ter domínio sobre o que diz. Além disso, assume uma postura de quem realmente integra um turno dialógico. BM, enquanto falava, se fazia mais presente à mesa de reunião do que em

37 Em vista dos dados [....] referentes aos usos de mano ao longo do tempo, e o confrontamento destes com o

percurso histórico das palavras germānus e irmão, vê-se que mano, no português brasileiro, teve ampliados os seus sentidos, deixando de significar apenas irmão, à medida que as relações sociais também se transformavam. A sociedade, então, transforma o sujeito e este transforma a língua por seu trabalho de enunciação. [...]. O homem afeta a força motriz de um sistema linguístico, promovendo alterações no léxico da língua. Mano deixou de significar apenas irmão [...] para representar uma pessoa qualquer ou, então, caracterizar como membros de uma comunidade aqueles que utilizam esse termo em seus discursos, tal como discute Benveniste, para quem a língua é resultado de um processo social, em que o sujeito assume, pelas formas da língua, sua identificação, seu pertencimento a um grupo. (BRANDÃO, Danilo L., 2015, p. 39).

outras ocasiões. E, certamente em virtude da posição de locutor que assumiu, mostrava-se como sujeito do discurso, este que se desenrolava graças à presença de interlocutores que