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Turno Sigla do locutor Transcrição Observações sobre o enunciado verbal Obs. sobre o enunciado não- verbal

1 Inv. 1 eu não posso dizer, porque não conheço muito, mas alguém pode dizer alguma coisa sobre o Cazuza?

2 GF morreu só. Todos riem.

3 Inv. 2 apesar dele ser rico, ele queria ser independente de sua família.

4

GF mamãe, dinheiro? Siimmm!

Faz gestos de dinheiro com os dedos e dá risada.

5 Inv. 2 tem umas cenas do filme em que ele sai correndo no trânsito. Não quer ajuda de ninguém.

Fala sobre o filme de Cazuza.

6 Inv. 1 JB, conheceu o cazuza, a história dele?

7 JB eu lembro, mas / foi embora36.

8 Inv. 1 e você, BM, sabe alguma coisa dele, da história do Cazuza?

9 BM cheira pra caralho! Dão risada.

36JB tem Alzheimer.

Nos sujeitos envolvidos nesse quadro dialógico, percebe-se que suas falas são marcadas por questões subjetivas em relação à personagem em foco - Cazuza - pois compõem seus enunciados sobre o que conhecem da história desse músico. Segundo Dascal (1986, p. 206), autores como Osgood consideram que o constituinte emotivo de um enunciado corresponde a uma boa parte da significação. E, nesse sentido, vê-se que os comentários sobre Cazuza, que mais parecem ser enunciados “prontamente formulados”, como “Cheira pra caralho” e “Mamãe, dinheiro? Siimmm!”, trazem realmente indícios de emotividade. Porém, para Dascal, a emotividade não representa mais do que uma superfície dos significados.

Sem dúvida, com apenas esses enunciados, não se pode conhecer o que esses sujeitos pensam sobre Cazuza, no entanto, acredita-se que “[...] esses eventos comunicativos contribuem para estreitar o conhecimento mútuo entre os participantes do grupo e dizem muito da relação do sujeito com a linguagem [...]” (SAMPAIO, 2006, p. 110).

Além disso, nessas duas falas narrativo-descritivas, “Cheira pra caralho” de BM, e “Mamãe, dinheiro? Siimmm!” de GF, encontram-se enunciados elípticos (JAKOBSON, 1956/2003), de modo que cabe ao interlocutor a compreensão e o desenrolar de significados que possam trazer mais de seus enunciados. Como diz Vygotsky (2008, p, 141), “o diálogo pressupõe sempre, da parte dos interlocutores, um conhecimento do assunto suficiente para permitir o discurso abreviado e [...] as frases puramente predicativas.” Dizer “Cheira pra caralho!”, ao ver a foto de Cazuza, com certeza promove uma recuperação social e pessoal do músico que foram e são difundidas na mídia. Esta que, por sinal, destrói sua imagem como músico. A mídia brasileira pouco fala de sua música, enfatiza apenas seus problemas com as drogas. Desse modo, é natural que um jovem, como BM, que não acompanhou a carreira de Cazuza, diga o que mais ainda se fala a respeito do músico: a relação que teve com drogas ilícitas, como a cocaína.

Essa expressão de BM, “Cheira pra caralho!”, se levada em consideração os sorrisos que todos dão quando o ouvem dizê-la, pode ser entendida como um deboche, uma reprovação sobre os atos de Cazuza. Apesar disso, pode ser ainda considerada como uma fala que qualquer outro sujeito não afásico poderia empregar, especialmente alguém jovem como BM. Fato que reafirmam características da fala “normal” na afasia. Em um dado como esse, vê-se ainda que a palavra “[...] constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro [...]” (BAKHTIN, 1929/2006, p. 115).

Além disso, o que também se percebe em sua fala é que cabe a BM trabalhar sem o suporte da fala do outro, sem contextura verbal para a composição de sua fala. Quando o investigador 1, no turno 8, lhe diz “E você, BM, sabe alguma coisa dele, da história do Cazuza?”, abre-se um espaço único para BM: o dever de falar algo sobre a personagem que não tinha sido até então bem apresentada por seus interlocutores. Um afásico, em uma situação dessas, normalmente não vasculhará o passado e desenvolverá uma pequena biografia de Cazuza; como visto, tratará de responder a pergunta de seu “interlocutor” de maneira mais rápida e precisa possível. E a necessidade de se expressar com originalidade traz-lhe um desafio ainda maior para formação de sua fala. Talvez, sobre “Cheira pra caralho”, se fosse perguntado a BM sobre o porquê dessa sua afirmação, pudesse ser notado como ele recuperaria o que sabe a respeito de Cazuza.

Embora não tenha falado muito, notam-se pontos interessantes, referentes à relação lesão cerebral e fala. Segundo Luria (1992, p. 151), uma lesão na região parietal do cérebro, como é o caso de BM, traria problemas ao sujeito que prejudicariam a expressão de sua fala de modo coerente. Porém, de acordo com a perspectiva teórica assumida pela ND, compreende-se que esse comprometimento de sua fala não se dê de modo permanente, visto que o uso da fala na interlocução, a fala avaliada pela linguagem em funcionamento, mostra resultados e perspectivas positivas para a (re)estruturação linguística de BM, tal como observou-se em três atividades diferentes.

Na primeira delas, a seguir, o investigador conversava com BM sobre o fato de que todas as pessoas têm imagens mentais de coisas que fizeram ou pretendem fazer, por exemplo, no decorrer de uma semana. O investigador dizia-lhe que um enunciado, muitas vezes, se desenvolve a partir dessas imagens, as quais as pessoas descrevem umas para as outras. Ou seja, a partir de um assunto que lhe é proposto, o sujeito seleciona, em sua mente, imagens sobre o que quer dizer e, em seguida, combina as palavras de seus enunciados. O investigador se explicava como se quisesse recuperar a ideia de que temos uma linguagem em ação (PIRES, 1997), ou falava no sentido de Jakobson (1956/2003), que trata a respeito das atividades de seleção (termos em ausência) e combinação (termos em presença). Logo, ao terminar sua explicação, o investigador fez o seguinte pedido a BM:

Dado 16. Dizer planejado - 04/09/2015