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Ao fazermos uma leitura histórica acerca do surgimento da Economia Solidária,

descobrimos que este modelo econômico não é um modelo brasileiro e muito menos um

modelo recente. Surge como uma reação ao capitalismo industrial na Grã-Bretanha do século

XIX. Tem seu desenvolvimento diretamente ligado à expansão das cooperativas que,

conforme aponta Paul Singer, surgem em razão da vida precária da classe operária inglesa do

século XIX.

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capitalismo industrial, como resposta à pobreza e ao desemprego resultantes

da difusão “desregulamentada” das máquinas-ferramenta e do motor a vapor

no início do século XIX. As cooperativas eram tentativas por parte de

trabalhadores de recuperar trabalho e autonomia econômica, aproveitando as

novas forças produtivas. Sua estruturação obedecia aos valores básicos do

movimento operário de igualdade e democracia, sintetizados na ideologia do

socialismo. A primeira grande onda do cooperativismo de produção foi

contemporânea, na Grã-Bretanha, da expansão dos sindicatos e da luta pelo

sufrágio universal. (SINGER, 2002, p.83)

No site do Ministério do Trabalho e Emprego, também há uma referência às origens

da Economia Solidária:

A economia solidária resgata as lutas históricas dos trabalhadores que

tiveram origem no início do século XIX, sob a forma de cooperativismo,

como uma das formas de resistência contra o avanço avassalador do

capitalismo industrial. No Brasil, ela ressurge no final do Século XX como

resposta dos trabalhadores às novas formas de exclusão e exploração no

mundo do trabalho.

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Nascimento trata a Economia Solidária como um “ressurgir do cooperativismo”

enquanto resposta à exclusão social causada pelo neoliberalismo. Este ressurgimento é um

repensar sobre as condições de trabalhadoras e trabalhadores no mundo do trabalho.

É nesta conceituação que Singer fala do ‘ressurgir do cooperativismo’ e do

que ‘genericamente’ se chama ‘economia solidária’ como resposta à

crescente exclusão social produzida pelo neoliberalismo. A economia

solidária é formada por uma constelação de formas democráticas e coletivas

de produzir, distribuir, poupar e investir, segurar. Suas formas clássicas são

relativamente antigas: as cooperativas de consumo, crédito e de produção,

que datam do século passado (19). Elas surgem como solução, algumas

vezes de emergência, na luta contra o desemprego. Ocupações de fábricas

por trabalhadores, para que não fechem, são semelhantes às ocupações de

fazendas por trabalhadores rurais sem-terra. Ambas são formas de luta direta

contra a exclusão social, tendo por base a construção de uma economia

solidária formada por unidades produtivas autogestionárias.

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Ainda sobre o aspecto histórico da Economia Solidária, Singer evidencia que este

modelo de economia social é uma crítica ao capitalismo, na qual se construiu ideia de que

trabalhadores/as associados/as poderiam organizar-se em empresas autenticamente

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Disponível em: http://www. mte.gov.br/ecosolidaria/ecosolidaria_origem.asp. Acesso em 11/01/2010.

4 NASCIMENTO, Cláudio. Do beco dos sapos aos canaviais de Catende. Disponível em http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/prog_becosapos.pdf. Acesso em 16/03/2010.

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gestionárias e desafiar assim, a prevalência das relações capitalistas de produção. (SINGER,

2002) É nesta perspectiva que Lefebvre define a autogestão: “É a abertura ao possível.”

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A autogestão é o elemento unificador das experiências de cooperativas do século XIX

e das experiências de empreendimentos solidários da atualidade. Nascimento utiliza as

reflexões de Lefebvre para falar sobre a autogestão. Esta nasce dos pontos frágeis da

sociedade, ou seja, nos espaços vazios, nos quais o Estado deveria agir em prol da sociedade e

não o faz. Desta forma, os grupos sociais respondem a essa omissão do Estado formando suas

associações, cooperativas e demais formas coletivas de trabalho.

O filósofo Henri Lefebvre tentou sistematizar os ‘problemas teóricos da

autogestão’. Suas idéias são estimulantes e importantes na perspectiva de

tentarmos situar em um quadro teórico as experiências históricas. A

experiência social (prática social) mostra que as associações de autogestão

surgem nos ‘pontos frágeis’ da sociedade existente. Toda sociedade tem seus

‘pontos fortes’ que, no conjunto, formam a armadura, a estrutura da

sociedade. O Estado repousa sobre estes ‘pontos fortes’. A política estatal

tem por tarefa soldar as possíveis fissuras. Em volta destes espaços

reforçados nada acontece. Todavia, entre estes ‘pontos fortes’, consolidados

pelo Estado, encontram-se as ‘áreas frágeis’ e as lacunas. É ai que ocorrem

fatos novos. As forças sociais intervêm nestas lacunas, as ocupam, as

transformam em ‘pontos fortes’, ou, ao contrário, em ‘outra coisa’. Os

‘pontos frágeis’, os vazios, só se revelam na prática ou nas iniciativas de

indivíduos capazes ou às pesquisas de grupos capazes de agir. Os ‘pontos

frágeis’ podem resultar de um ‘abalo’ ou de uma ‘desestruturação’ do

conjunto.

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Assim, a Economia Solidária desenvolve-se como “outra coisa”, ou melhor, busca o

reconhecimento e amparo do Estado para se consolidar como “ponto forte”, pois já não é

apenas o resultado de uma desestruturação social. Ela agora se expande e seu significativo

crescimento e sua resistência às diversas crises econômicas, desde o século XVIII até nossos

dias, demonstram a seriedade de suas propostas, e indo além prova que “um outro mundo é

possível”.

Neste sentido, o crescente questionamento sobre a influência da globalização no

mundo do trabalho resultou não somente em protestos e reflexões sobre o assunto, mas em

ações que visam fundamentalmente promover uma alternativa à vida imposta pelo sistema

capitalista. Dessa maneira, a Economia Solidária nasce e cresce continuamente como outra

realidade no mundo do trabalho, decorrente de constantes transformações de ordem

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NASCIMENTO, Cláudio. Do beco dos sapos aos canaviais de Catende. Disponível em http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/prog_becosapos.pdf. Acesso em 16/03/2010.

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econômica e social. Esta se compõe basicamente de iniciativas provocadas pela necessidade

de trabalhadores/as buscarem alternativas de geração de trabalho e renda, de forma digna e

sustentável, em meio às crises do próprio sistema capitalista.

Esta iniciativa de buscar outro modelo de vida emerge por parte de trabalhadores/as

cansados/as de exploração e exclusão social. A Economia Solidária mostra-se como um

caminho para a construção de uma vida livre das amarras do neoliberalismo que, em meio às

suas crises, descarta primeiramente o ser humano, principalmente a mão-de-obra feminina,

gerando um número crescente de desempregos. Mas a Economia Solidária resiste. Por isso,

em meio às crises do sistema capitalista, os resultados das ações das Redes de Economia

Solidária são satisfatórios e comprovam que um modelo econômico alternativo, que

privilegie a vida em oposição ao mercado, pode se sustentar e suprir as necessidades

daqueles/as.

Nesse sentido, Mance salienta que

Neste contexto, enquanto o capitalismo experimenta uma das suas mais

importantes crises ao longo dos últimos cem anos, senão a maior de sua

história – tendo-se em conta a magnitude dos valores envolvidos -, setores

expressivos da economia solidária, organizados em redes colaborativas,

continuam a crescer. Criativamente continuam a desenvolver estratégias e

tecnologias sociais que lhes permitem progredir sustentavelmente e tratar

essas fendas sistêmicas como oportunidades para a expansão de novas

estruturas econômicas, ecologicamente sustentáveis e socialmente justas.

(MANCE, 2008, p. 9)

Assim como nos diversos movimentos sociais, as pessoas que compõem a Economia

Solidária buscam alternativas à exclusão social. Desta forma, encontramos, neste modelo

econômico alternativo, pessoas organizadas coletivamente em atividades ligadas à prestação

de serviço, bem como produção e comercialização de diversos produtos, em busca por

emancipação.

Trabalhadores/as, ao longo da história, constituíram grupos responsáveis pela

implementação de muitos direitos hoje consagrados. Desde o surgimento das fábricas e das

mudanças no estilo de vida das famílias trabalhadoras, há conflitos entre o lucro (ou

enriquecimento das donas e donos de indústrias) e a exploração da mão-de-obra dos/as

trabalhadores/as (inclusive crianças).

Com o desenvolvimento do capitalismo industrial, principalmente na segunda metade

do século XVIII e início do século XIX, há um crescente descontentamento com as

transformações no modo de vida de trabalhadores/as que se reflete nos conflitos nas fábricas e

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na busca por alternativas para a sobrevivência. A Economia Solidária nasce neste contexto.

Singer, ao historicizar a Economia Solidária, afirma que:

A economia solidária nasceu pouco depois do capitalismo industrial, como

reação ao espantoso empobrecimento dos artesãos provocado pela difusão

das máquinas e da organização fabril da produção. A Grã-Bretanha foi a

pátria da Primeira Revolução Industrial, precedida pela expulsão em massa

dos camponeses dos domínios senhoriais, que se transformaram no

proletariado moderno. A exploração do trabalho nas fábricas não tinha

limites legais e ameaçava a reprodução biológica do proletariado. As

crianças começavam a trabalhar tão logo podiam ficar de pé, e as jornadas de

trabalho eram tão longas que o debilitamento físico dos trabalhadores e sua

elevada morbidade e mortalidade impediam que a produtividade do

trabalhado pudesse se elevar. (SINGER, 2002, p. 24)

Este cenário desfavorável para a vivência de uma vida digna por parte dos/as

trabalhadores/as fez com que grupos nas fábricas refletissem sobre sua condição subumana.

Neste contexto, muitas mulheres uniram-se na luta contra a exploração de sua mão-de-obra e

a de suas crianças, reivindicando melhores condições de trabalho e salários. Estas lutas, ainda

que invisíveis a quem não quer ver, continuam desde a era do capitalismo industrial até nos

dias atuais, com o advento da globalização.

Para as mulheres, as alternativas para a geração de trabalho e renda, como proporciona

a Economia Solidária, têm significado não apenas uma possibilidade de sobrevivência em

meio à exclusão social, mas incentiva o cultivo de valores importantes para a construção (ou

reconstrução) de suas vidas, tais como autoestima, criticidade, valorização de sua identidade,

respeito às diferenças e combate às desigualdades, principalmente as de gênero.

Isto ocorre, porque em meio aos avanços prometidos pela globalização, alguns

conceitos patriarcais responsáveis pela permanência das mulheres em desvantagem em

relação aos homens, não se modificaram. Ao contrário, permanecem e se fortalecem como

elemento fundamental para a manutenção de um sistema desigual em âmbito mundial.

No entanto, a maioria das obras que discutem a importância da Economia Solidária

não consegue aprofundar a temática de gênero. As relações de gênero merecem uma atenção

redobrada quando falamos em igualdade, pois se não permitirmos que a igualdade na

administração dos empreendimentos solidários se estenda às relações familiares, à

distribuição das tarefas domésticas, à divisão igualitária dos cuidados com filhas e filhos,

haverá uma crescente dificuldade em vivermos plenamente o que a Economia Solidária nos

propõe, como por exemplo, igualdade e solidariedade. Desta forma, os debates sobre relações

de gênero devem ser tão primordiais quanto as discussões sobre renda e trabalho.

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Conforme aponta Gaiger, a preocupação das pesquisas e obras sobre a Economia

Solidária é demonstrar, analisar e compreender o aspecto alternativo para a geração de

trabalho e renda enquanto diferencial do sistema capitalista.

A literatura atual sobre a economia solidária converge em afirmar o caráter

alternativo das novas experiências populares de autogestão e cooperação

econômica: dada a ruptura que introduzem nas relações de produção

capitalistas, elas representariam a emergência de um novo modo de

organização do trabalho e das atividades econômicas em geral. (GAIGER,

2002, p. 18)

Ainda que este aspecto seja relevante, a literatura sobre a Economia Solidária carece

de reflexões sobre as relações de gênero no interior dos empreendimentos solidários. Há

necessidade de aprofundamento sobre a articulação dos princípios da Economia Solidária com

outros conceitos, principalmente o de gênero, como também de atentar para a apreensão

desses princípios pelos/as sujeitos/as sociais envolvidos no processo, como esses os

vivenciam e os aplicam nas relações sociais e, principalmente, nas relações entre mulheres e

homens que compõem as redes solidárias.

No contexto atual, não há dúvidas a respeito do quanto as Redes de Economia

Solidária têm crescido no Brasil e no mundo, ainda que com dificuldades. Gaiger explica que

este fenômeno tem se apresentado como oportunidade para a expansão de uma nova estrutura

econômica, colaborativa e socialmente justa.

O aparecimento, em escala crescente, de empreendimentos populares

baseados na livre associação, no trabalho cooperativo e na autogestão, é hoje

fato indiscutível em nossa paisagem social, ademais de ser um fenômeno

observado em muitos países, há pelo menos uma década (Laville, 1994).

Essas iniciativas econômicas representam uma opção ponderável para os

segmentos sociais de baixa renda, fortemente atingidos pelo quadro de

desocupação estrutural e pelo empobrecimento. Estudos a respeito, em

diferentes contextos nacionais, indicam que tais iniciativas, de tímida reação

à perda do trabalho e a condições extremas de subalternidade, estão

convertendo-se em um eficiente mecanismo gerador de trabalho e renda, por

vezes alcançando níveis de desempenho que as habilitam a permaneceram

no mercado, com razoáveis perspectivas de sobrevivência. (GAIGER, 2002,

p. 18)

Relacionando a citação de Gaiger com as reflexões de Singer, podemos definir a

Economia Solidária como uma proposta integradora de valores comunitários e um eficiente

mecanismo para a sobrevivência de forma digna, permeada de valores e conceitos opostos ao

modo de vida que o sistema capitalista impõe. Nesse sentido, a Economia Solidária busca

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agregar as pessoas, fortalecer a construção de uma sociedade na qual todas as pessoas possam

ser vistas de forma igualitária, independente de sua renda ou do que possuem, mas

simplesmente por serem cidadãos/ãs.